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Ato público reúne Ministério Público, Poder Judiciário e Fórum Parlamentar Catarinense contra a PEC nº 5

Um ato público com mais de duas horas de duração transmitido ao vivo pelo YouTube reuniu o Ministério Público, o Poder Judiciário e Deputados Federais de Santa Catarina contra a PEC nº 5, que pretende mudar a configuração do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), possibilitando a interferência política nas ações do Ministério Público. Os participantes explicaram por que a aprovação da proposta de emenda à constituição é uma ameaça não apenas ao combate à corrupção e ao crime organizado, mas às ações do Ministério Público em todas as áreas, como saúde, consumidor, segurança pública e combate à violência doméstica.

O Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), Fernando da Silva Comin, foi direto ao ponto: “Esta proposta destrói o Ministério Publico, que passa a ser um órgão totalmente à mercê dos políticos”. Comin explica que hoje o Ministério Público já é fiscalizado não apenas pelo CNMP, mas pelos Tribunais de Contas dos Estados e da União e pelo Judiciário.

Segundo Comin, “a PEC nº 5 fere de morte a independência funcional dos membros do Ministério Público, e a independência de Promotores e Promotoras de Justiça é o que garante que a atuação seja fiel apenas às leis e à Constituição. Essa independência protege a atuação do Ministério Público das ordens dos poderosos de plantão”.

Combate à sonegação também é atingido

O Procurador-Geral de Justiça lembrou que, nos últimos dois anos, o Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (GAECO) e o Grupo Especial de Atuação contra a Corrupção (GEAC) do MPSC realizaram mais de 300 apurações e 100 prisões em casos de crimes contra a administração pública, corrupção, fraudes e outros ilícitos que envolvem a coisa púbica. De acordo com Comin, “22 agentes políticos foram afastados da função pública por denúncias de corrupção, e é tudo isso que está ameaçado”.

Além disso, o Procurador-Geral de Justiça lembrou que a ordem tributária e até mesmo a educação são áreas em que a autonomia do Ministério Público é fundamental para a efetividade das ações: “É o que garante que possamos combater a evasão escolar. Doze mil alunos foram buscados de volta às salas de aula; no combate à sonegação, mais de R$ 764 milhões foram recuperados e mais de 6 mil investigações na ordem tributária buscam a recuperação de mais de R$ 1,3 bilhão sonegados ou suprimidos, dinheiro que deixa de ir para a educação, saúde e segurança”.

Quebra de pilares contra impunidade

O Presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), Desembargador Ricardo José Hoessler, também foi enfático ao afirmar que a PEC nº 5 “destrói o modelo constitucional do Ministério Público pela quebra de dois pilares: permite uma interferência política direta no Ministério Público e extingue a atuação independente de seus membros. Ela desfigura totalmente a paridade, a estrutura e o funcionamento do Conselho Nacional do Ministério Público em relação ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ)”.

Para Presidente do TJ, a emenda constitucional não pode ser aprovada, pois “usurpa as funções do próprio Poder Judiciário, ao permitir a revisão dos atos que interfiram na denominada ‘ordem pública, organização e independência das organizações'”.

Ao concluir sua manifestação, Hoessler conclamou a todos para se unirem contra a proposta: “A PEC nº 5 traz consequências muito mais danosas à sociedade do que a famosa PEC 37, que impediria o MP de fazer investigações, caso tivesse sido aprovada, em 2013, e deixa na mão de poderosos os interesses, muitas vezes inconfessáveis. Por isso, em nome do Poder Judiciário de Santa Catarina, nós dizemos que o MP forte e independente é não só interesse da sociedade, mas garantia do próprio cidadão.”

Justificativa sem fundamento

O Presidente da Associação Catarinense do Ministério Público (ACMP), Promotor de Justiça Marcelo Gomes Silva, ressaltou a forma apressada e superficial com que a PEC nº 5 foi apresentada e colocada em discussão, sem o devido debate com a sociedade para sustentar mudanças que terão um impacto tão greve no combate à corrupção e à criminalidade.

Gomes Silva leu o breve parágrafo que serve de justificativa para a PEC e avaliou: “Termos amplamente vagos, sem definição e sem comprovação, pois os dados do CNMP mostram que o CNMP cumpre, sim, a função disciplinar”.

Para ele, a forma como o texto foi elaborado “permitiria a revisão de atos sempre que ofendessem a ordem política e a ordem social, conceitos vagos, conceitos abertos, onde, ali, pode se encaixar qualquer hipótese de atuação do Ministério Público, tornando o CNMP um órgão mais judicial do que administrativo, que é a sua natureza, para a qual foi criado”, analisou.

O Promotor de Justiça também demonstrou que essa mudança acompanha uma série de medidas para coibir a atuação do Ministério Público no combate à corrupção e no sentido de aumento da impunidade: “As 10 Medidas de Combate à Corrupção foram transformadas na Lei de Abuso de Autoridade; a Lei de Improbidade Administrativa, um eficiente instrumento de combate à corrupção, também foi modificada; e tramita, ainda, no Congresso Nacional, uma proposta de alteração do Código de Processo Penal que coibiria a investigação pelo Ministério Público”, concluiu.

Risco preocupante de enfraquecimento

Para o Presidente do Tribunal de Contas do Estado, Adircélio de Moraes Ferreira Júnior, “é preocupante que, a partir de um pretexto de melhoria do Ministério Público, nós corremos o risco de enfraquecimento da autonomia do Ministério Público, que dificulte e que exerça com independência as suas atribuições, uma vez que estamos diante de um importante órgão de controle, integrante, também, do sistema de Justiça brasileiro”.

O Procurador-Chefe em exercício do Ministério Público Federal em Santa Catarina, Procurador da República Eduardo de Oliveira Rodrigues, destacou que respeita “a prerrogativa do Congresso de propor o aperfeiçoamento dos órgãos de Estado, mas o que vemos nessa proposta é um desvirtuamento e risco muito grande da autonomia do MP em todos os seus ramos, porque altera a composição e a proporção entre os membros do MP e os membros indicados pelo Congresso, com a gravidade de que o membro adicional seria corregedor do CNMP e vice-presidente do CNMP”.

Para Rodrigues, a PEC nº 5 é mais uma “mão pesada em cima do trabalho do Ministério Público”, pois o CNMP poderia, inclusive, suspender atos de Promotores de Justiça e Procuradores da República.

Interferência de quem não deve interferir

O chefe do Ministério Público do Trabalho em Santa Catarina, Procurador do Trabalho Marcelo Goss Neves, avalia que a PEC é como um passo atrás, depois das conquistas da sociedade brasileira no combate à impunidade e à corrupção.

“Eu sou Procurador-Chefe do Ministério Púbico do Trabalho e sei exatamente quantos processos chegam ao CNMP, e não são poucos. Muito mais do que à própria magistratura, muitas vezes com ataques vazios ao Ministério Público, que está ali, combatendo a corrupção, a criminalidade do colarinho branco e outros problemas, como o trabalho infantil, trabalho em condições análogas ao do escravo, que muitas vezes atingem pessoas de grande nome no nosso país. Acidentes de trabalho de toda a ordem, gente se acidentando trabalhando em prol do poder econômico. E é a tudo isso que a gente começa a ver um enfraquecimento com ataques sutis, como estes. A PEC 5 nada mais é do que a tentativa de interferência de quem não deve interferir no Ministério Público”, testemunhou Neves.

O Diretor Regional da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, Bruno Teixeira, destcaou que “o CNMP é o órgão de controle que mais pune os seus membros. Desde que foi criado, já houve mais cassação de membros do Ministério público do que cassação de deputados e senadores¿. Por isso, segundo ele, o argumento de que o CNMP precisa mudar para evitar abusos é uma premissa falasa e não encontra base nos fatos.

Deputados Federais catarinenses declaram votos contra a PEC nº 5

No ato público contra a PEC nº 5, quatro parlamentares manifestaram seus votos contrários ao texto. Participaram do ato a Presidente do Fórum Parlamentar Catarinense, Deputada Federal Ângela Amin (PP), e os Deputados Federais Darci de Mattos (PSD), Hélio Costa (Republicanos) e Rodrigo Coelho (Podemos).

Ângela Amin afirmou que é preciso, desde já, manter os esforços para que o texto não seja votado como está na Câmara Federal e que “já, também, o Ministério Público deve ir se preparando para, no caso de eventual aprovação na Câmara, trabalhar junto ao Senado para alertar dos riscos que a aprovação dessa PEC pode oferecer.”

Todos os parlamentares que participaram do ato concordam que a autonomia do Ministério Público e a independência funcional de Promotores de Justiça e Procuradores da República serão diretamente afetadas com a aprovação da proposta e isso praticamente impedirá investigações e processos contra agentes públicos e poderosos que hoje têm influência sobre os políticos.

Os quatro integrantes da bancada catarinense na Câmara Federal manifestaram seus votos contrários e se comprometeram a lutar para que a PEC nº 5 seja retirada da pauta e, se for à votação, que não seja aprovada como está.

Procuradora, Promotoras e Promotores de Justiça mostram como a PEC nº 5 ameaça a garantia dos direitos do cidadão

No ato contra a PEC nº 5, foram apresentados exemplos concretos de como a proposta, se aprovada, pode afetar o trabalho do Ministério Público na defesa da saúde, do consumidor, no combate à criminalidade e à corrupção nos municípios e até nas investigações e processos de casos de violência doméstica e contra a mulher.

(Confira a reportagem completa em MPSC, 13/10/2021)

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