O Diário Oficial da União publicou na edição da última quinta-feira, dia 16, a número Lei 14.026/20, que institui o Marco Legal do Saneamento Básico. A nova norma, que teve 12 trechos vetados pelo presidente Jair Bolsonaro, abre caminho para atrair investimento privado para o setor com o intuito de universalizar o tratamento de esgoto e o abastecimento de água no país.
Nesta entrevista ao Portal JusCatararina o advogado Marcos Fey Probst, doutor em Direito Público pela UFSC, com dedicação ao estudo dos temas ligados ao Direito Constitucional e Administrativo e experiência profissional nas áreas envolvendo saneamento básico, consórcios públicos, contratos administrativos e concessões públicas, fala um pouco dos avanços da nova legislação e dos desafios do setor diante da nova realidade.
JusCatarina – Qual a sua avaliação sobre a Lei 14.026/20, que institui o chamado Marco Legal do Saneamento Básico?
Marcos Fey Probst – Acredito que as novas regras são positivas. Três pontos são muito importantes para o avanço no setor. O primeiro, referente à criação de normativos regulatórios referenciais a nível nacional, que ficarão sob competência da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). Tal medida possibilitará maior estabilidade regulatória e segurança jurídica, além de contribuir para o aperfeiçoamento da regulação setorial. A regulação em Santa Catarina já se mostra bem posta, especialmente através das agências reguladoras estadual (ARESC) e consorciadas (ARIS e AGIR), situação que não é observada na maioria dos estados da Federação. O segundo, relacionado à obrigatoriedade da universalização dos serviços até dezembro 2033. Por fim, o terceiro principal ponto positivo da lei diz respeito ao fim da celebração de contratos de programa entre os municípios e as concessionárias estaduais (sem processo licitatório), modelo que se mostrou fracassado ao longo das últimas décadas quando analisado o cenário nacional. Esse conjunto de medidas possibilitará maiores investimentos privados no setor, projetados em R$ 700 bilhões para os próximos 14 anos.
JusCatarina – Pelo projeto, os contratos deverão se comprometer com metas de universalização a serem cumpridas até o fim de 2033: cobertura de 99% para o fornecimento de água potável e de 90% para coleta e tratamento de esgoto. A nova legislação é suficiente para que seja atingido esse objetivo?
Marcos Fey Probst – A legislação cria um ambiente jurídico e regulatório adequado para viabilizar o alcance das metas impostas. Particularmente, penso que os problemas a nível nacional são tão complexos que os prazos estabelecidos não serão cumpridos. Olhando para a realidade do Estado de Santa Catarina, parece-me que existem condições para que possamos alcançar essas metas. Para tanto, fundamental que os municípios e o Estado unam-se em torno de um planejamento estratégico, somando os esforços da CASAN, das autarquias municipais e das empresas privadas e criando mecanismos eficazes e transparentes para novas rodadas de licitação pública, com metas e regras muito bem definidas. Caso não haja esse engajamento do Poder Público, certamente os prazos estabelecidos não serão cumpridos na sua integralidade.
JusCatarina – O presidente da República vetou 12 trechos da lei, entre eles o que previa que a aprovação do licenciamento de projeto de saneamento básico teria prioridade sobre os demais nos órgãos ambientais. Isso pode ser um entrave para investimentos privados?
Marcos Fey Probst – Penso que não. É preciso atacar o problema na sua origem: racionalizar os processos de licenciamento ambiental no Brasil e disponibilizar a infraestrutura adequada aos órgãos públicos para a análise ágil e transparente desses processos.
JusCatarina – O governo vetou todo o artigo 20, que excluía o setor de resíduos sólidos de algumas regras aplicadas aos serviços de água e esgoto. Entende que essa medida foi acertada?
Marcos Fey Probst – Penso ter sido acertada. Nas razões de voto, o Presidente da República mencionou quebra do princípio da isonomia, justamente porque permitiria que os serviços de manejo dos resíduos sólidos possuíssem regramento contratual diverso daquele estabelecido para os demais serviços de saneamento básico, o que realmente não se mostra adequado. É importante que haja identidade de regimes jurídicos contratuais, tendo como regra a prévia realização de licitação pública.
JusCatarina – Críticos ao projeto afirmam que como as empresas públicas, após os vencimentos dos contratos, terão de competir com empresas privadas em licitação, a tendência é aumentar a tarifa para áreas mais pobres em razão do fim do chamado subsídio cruzado – em que o lucro em área populosa custeia o prejuízo em municípios menores. Como avalia essa questão?
Marcos Fey Probst – De fato em alguns municípios a universalização dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário é medida extremamente complexa, pela existência de características locais adversas (relevo muito acidentado, ausência de manancial próximo, população majoritariamente de baixa renda, baixa densidade populacional, entre outros). Tal cenário precisa ser enfrentado mediante articulação com o Estado e a União, para a prestação regionalizada. A criação de consórcios públicos entre municípios é uma excelente alternativa e já temos boas experiência desse modelo em Santa Catarina. O que não me parece adequado é a manutenção da prática existente nas últimas cinco décadas, onde as concessionárias estaduais celebraram convênios e contratos de programa com municípios sem a existência de um ambiente competitivo, isto é, sem permitir ganhos de eficiência e soluções alternativas mais eficazes para a sociedade. Com o advento da Lei nº 14.026/20 essa prática não mais poderá ser adotada. Os novos contratos somente poderão ser celebrados mediante prévia licitação pública, nos moldes das Leis nº 8.987/1995 e nº 11.079/2004.
Marcos Fey Probst é sócio-fundador do escritório Fey Probst & Brustolin Advocacia, com sede em Florianópolis.
(Juscatarina, 20/07/2020)
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