A semana começa diferente para pescadores do rio Ratones, que na sexta-feira (22) recolheram as pequenas canoas ao rancho coletivo e substituíram as lidas de rotina por uma atividade inusitada para a maioria. Deixam as tarrafas de lado e começam a peregrinação pelos órgãos públicos em busca de solução aos problemas apresentados em documentário produzido pela própria comunidade para denunciar os efeitos da contínua degradação da segunda maior bacia hidrográfica de Florianópolis.
Ocupação desordenada, poluição, assoreamento, desaparecimento de peixes e camarões e o inevitável conflito com a fiscalização da Estação Ecológica de Carijós foram abordados no vídeo, produzido pelas associações de pescadores e moradores de Ratones. No círculo formado no salão de convivência da sede da associação, juntaram representantes do ICMBio (Instituto Chico Mendes da Biodiversidade), que administra Carijós; Ministério Público Federal; Secretaria do Patrimônio da União; alunos de geografia da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina); Floram (Fundação Municipal do Meio Ambiente); Comissão do Meio Ambiente da Câmara de Vereadores; intendência; e Casan (Companhia Catarinense de Água e Saneamento), responsabilizada pela maior carga de esgoto, despejada a partir do rio Papaquara devido ao funcionamento inadequado das estações de tratamento de Canasvieiras e Vila União, e no rio Pau do Barco, no trecho da Estação localizado entre Monte Verde, João Paulo e Saco Grande.
Para a maioria, o vídeo revelou uma realidade que parecia distante de quem passa com pressa pelas SCs-401 e 402, em direção às praias mais famosas do Norte da Ilha. As próprias rodovias são consideradas agravantes no processo de degradação. “A 402, entre a 401 e Jurerê, simplesmente aterrou um trecho e mudou o curso do rio, isolando o Poço das Pedras, um dos mais fartos pesqueiros do rio Ratones. Ali, se pegava pescada amarela de dois quilos”, observa Orlando Silva, 50 anos, presidente da associação de pescadores.
As construções irregulares, inclusive de empreendimentos internacionais. Segundo o chefe da estação, Silvio Souza, estão em andamento 60 processos de recuperação ambiental, e outras 17 construções na área de mangue da Daniela já estão notificadas.
Rodovias alteram curso original
Construídas sobre as comportas dos canais que alteraram o curso do rio em 1955, durante o governo Celso Ramos, para impedir a entrada de água salgada e viabilizar a pecuária em área antes alagadiça, as duas pontes da SC-402 prejudicam a hidrodinâmica das marés. Aumentam os efeitos da poluição e do assoreamento na “parte de cima da bacia”, no entorno de Carijós entre as comunidades do Lamim, onde passa o Papaquara, Vargem Pequena e Ratones, com trechos já comprovadamente mortos, sem oxigenação. Segundo o oceanógrafo Silvio de Souza, chefe da estação ecológica “nestas condições, não há vida, só lesmas sobrevivem.” Souza lamentou a ausência de representante do Deinfra (Departamento Estadual de Infraestrutura), apesar do convite dos pescadores.
Com o excesso de matéria orgânica acumulada no leito do Ratones, em dias de maré baixa é impossível atravessar com uma bateira de três metros o rio antes navegado por lanchões que levavam lenha e a produção agrícola local ao Mercado Público.
Segundo Silvio, o desassoreamento e a redução do esgoto despejado pela própria Casan e pela ocupação desordenada das margens seriam soluções imediatas para revitalizar a zona de amortecimento da reserva, área liberada para a pesca artesanal. A dragagem, que, de acordo com Souza, deve ser gradativa, em trechos para reduzir os impactos ambientais, poderia ser feita pela máquina apreendida na propriedade do coreano James Kahi Yoo, que estava secando área de manguezal, em Jurerê, para construir empreendimento turístico em 15 hectares de APP (Área de Preservação Permanente). “Este equipamento foi doado ao Deinfra, e está parado”, sugere.
Revitalização para reduzir conflitos
O chefe da estação garante que a fiscalização do ICMBio só atua em casos extremos, quando o pescador é flagrado tarrafeando na área da Estação – à esquerda da SC-402, em direção a Jurerê. “Às vezes, até desconfiamos, vemos o peixe se debatendo no fundo da canoa, mas a autuação depende de cada situação”, ressalta o oceanógrafo Silvio Souza
Ele avisa, no entanto, que a liberação a pescadores dependeria da recategorização da área demarcada, por meio de lei aprovada no Congresso Nacional transformando a estação em área de preservação com plano de manejo que permita a pesca artesanal. “É importante a comunidade saber que a estação, ou seja a área protegida, é o que garante a sobrevivência do estuário do rio Ratones, berçário dos cardumes de peixes e camarões da baía Norte de Florianópolis.
Um dos mais antigos da associação, o pescador Anestor da Silva, 63, diz que os colegas se sentem constrangidos quando são abordados pela fiscalização da estação de Carijós. “A gente só vai lá embaixo, até a foz, quando não pegamos nada aqui em cima”, argumenta. Na opinião dele, a reabertura do Poço das Pedras, fechado pela SC-402, a retirada das comportas e a dragagem seriam suficientes para revitalizar a área do entorno da estação. “Isso traria de volta os camarões e os cardumes de tainhas e outros peixes”, prevê.
O promotor Eduardo Barragan fez a mea-culpa do Ministério Público Federal. “Sabemos que nem sempre estamos prontos para atuar de acordo com as necessidades da comunidade”, admitiu. E garantiu o encaminhamento de documento à colega Analúcia Hartmann, responsável pela área de Carijós, enumerando os problemas apresentados e as soluções sugeridas.
(ND, 24/03/2013)
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