Comentários de Augusto Franco, da “Carta Rede Social”, sobre artigos de Rodrigo da Rocha Loures, presidente da FIEP – Federação das Indústrias do Estado do Paraná.
Venho falando insistentemente nestas cartas (www.augustodefranco.com.br ) do papel das redes na democratização da política e nas relações entre redes sociais, democracia e desenvolvimento (ou sustentabilidade) do ponto de vista da sociedade civil. Quase sempre isso acaba soando meio abstrato. E às vezes fico achando que estou pregando no deserto ou falando sozinho.
Mas veja o exemplo concreto de um empresário sintonizado com essas idéias. Trata-se de Rodrigo da Rocha Loures, presidente da FIEP – Federação das Indústrias do Estado do Paraná, que publicou recentemente dois artigos na Gazeta Mercantil que de certo modo sintetizam todo um programa inovador de reforma da política orientada pelas exigências do desenvolvimento humano e social sustentável do ponto de vista da sociedade civil.
Reproduzo abaixo os dois artigos de Rodrigo Loures e faço no final alguns comentários:
Dar nova vida à sociedade civil (1)
Rodrigo da Rocha Loures, Gazeta Mercantil (23/08/07)
O fortalecimento da sociedade civil é indispensável para fazer avançar a democracia e garantir um desenvolvimento econômico, humano e social sustentável. No Brasil, o poder executivo tem historicamente monopolizado a vida e a cena do país. Exemplo atual disto são os espaços da mídia, as medidas provisórias do Congresso e a voracidade fiscal sobre as pessoas e empresas (só no ano passado o governo sugou R$ 817 bilhões da população).
Para sustentar este modelo, as diversas instâncias do executivo habituaram-se a cooptar não só os poderes legislativo e judiciário, mas também entidades influentes da sociedade civil. Para isto, se valem, por vezes, de expedientes moralmente condenáveis. Este quadro de virtual institucionalização da dominação e correspondente servilismo consentido retrata bem nosso subdesenvolvimento político, causa-raiz do nosso lamentável atraso e de todas as mazelas econômicas, sociais e ambientais daí decorrentes.
O fortalecimento da sociedade civil passa necessariamente pela redução da carga tributária e dos juros, e por uma desobstrução dos gargalos institucionais e burocráticos que emperram a dinâmica econômico-social. O sistema público precisa ser forçado a racionalizar seus gastos, deixar mais recursos nas mãos dos indivíduos e proporcionar mais espaço para as iniciativas dos empreendedores. E nós, empresários, temos um grande desafio: conquistar a competitividade das nossas empresas em escala global e, ao mesmo tempo, ajudarmos o país a romper com as amarras do seu subdesenvolvimento histórico.
Empresa sustentável é aquela que dá lucro. No entanto, não adianta a indústria apenas exercer a sua responsabilidade econômica (pagando impostos, criando empregos, produzindo bens e serviços e dinamizando a economia), a sua responsabilidade ambiental (respeitando os recursos naturais) e a sua responsabilidade social (melhorando a vida das pessoas e criando ambientes favoráveis ao seu desenvolvimento). Isso tudo é necessário, por certo, mas insuficiente, se não exercermos também a mais crucial das nossas responsabilidades, a responsabilidade política.
Para assumir a sua responsabilidade política o empresariado não pode mais se limitar ao comportamento tradicional de financiar candidaturas, articular bancadas parlamentares para defender os interesses do seu setor e encomendar estudos para encaminhar às autoridades. Isoladamente, essas medidas não são eficazes e estão muito aquém das nossas potencialidades de protagonistas do desenvolvimento.
Urge mudar o padrão de relação entre Estado e sociedade no Brasil. O mundo político não vai nunca se auto-transformar. Logo, este papel cabe à sociedade civil através do aprofundamento consciente e organizado de sua participação no processo político e o surgimento de lideranças capazes de conduzir novas práticas. Ao empresariado, especialmente o industrial, cabe ocupar um lugar de destaque nesse processo e dar um exemplo de firmeza e responsabilidade.
Nós temos o direito e mesmo o dever de influir na pauta política nacional, regional e local a partir da mobilização de forças sociais expressivas. Fortalecendo nossas organizações de representação empresarial podemos dar uma contribuição decisiva para que a sociedade brasileira se articule em torno de uma agenda estratégica que, partindo da defesa da democracia e do desenvolvimento sustentável, possa chegar ao detalhamento de propostas substantivas em todos os campos relevantes da atividade do estado.
Esta ação inspirada no bem geral precisa contar com o desenvolvimento de entidades genuínas e competentes que representem livremente os empresários. Associações, sindicatos, federações e confederações empresariais para serem legítimas representantes da força empreendedora da sociedade têm de atuar com autonomia e independência da interferência estatal de qualquer nível ou origem.
Esta ação deve também atrair os cidadãos, as pessoas individualmente, conectando-os a redes voluntárias de participação cidadã. Porque – é forçoso reconhecer – muitas das entidades da sociedade civil acabaram se organizando burocraticamente e adotando modelos verticais de funcionamento semelhantes aos dos governos, não contribuindo para mudar o padrão de relação entre Estado e sociedade.
Assim, sem excluir as nossas entidades, é necessário agora dar um passo além, falando diretamente às pessoas e a elas dando voz por meio da sua inclusão horizontal em redes democráticas. Desta maneira, nós empresários, atores essenciais da modernidade, podemos colaborar na edificação de um modelo de sociedade democrática, participativa e progressista, proporcionando um futuro melhor para todos. É hora de dar vida à sociedade civil no Brasil.
Uma nova vida à sociedade civil (2)
Rodrigo da Rocha Loures, Gazeta Mercantil (06/09/07)
O velho sistema político vigente no País precisa de uma reforma emergencial. No artigo anterior escrevi que o fortalecimento da sociedade civil é indispensável para fazer avançar a democracia e garantir o desenvolvimento econômico, humano e social sustentável do País. Falei do novo papel que o empresariado pode cumprir ao assumir sua responsabilidade política.
Afirmei isso por entender que, pela sua independência financeira e pela sua autonomia organizativa, talvez caiba ao setor empresarial – mais do que a qualquer outro – a iniciativa de aglutinar forças em torno da construção de um projeto de aprimoramento da maneira de fazer política no Brasil.
O argumento para que haja essa ampla mobilização é quase óbvio. O velho sistema político vigente no País precisa urgentemente de reforma. Como não haverá uma auto-reforma, isso só vai ocorrer por meio de uma pressão “ambiental” da sociedade, de fora para dentro e de baixo para cima. Essa pressão só pode partir das organizações da sociedade civil.
Refiro-me à OAB, à CNBB, a associações profissionais – engenheiros, médicos, contabilistas, etc. -, ao Rotary, à maçonaria e às centenas de entidades, movimentos, redes e espaços virtuais apartidários que surgiram nas últimas décadas como o Transparência Brasil, o Contas Abertas, a Rede de Participação Política do Empresariado e o Voto Consciente, para citar alguns exemplos.
É claro que um papel relevante nesse processo está reservado aos meios de comunicação, sem os quais a democracia correria grave risco. Por último, mas não menos importante, deve-se destacar o papel de uma instituição do Estado que faz uma ponte com a sociedade civil: o Ministério Público, que pode contribuir de forma substantiva para a mudança do atual padrão de relação entre o Estado e a sociedade no Brasil.
Empresários, organizações da sociedade civil, imprensa (lato sensu) e Ministério Público atuando convergentemente podem alcançar sinergias muito potentes para ensejar uma transformação, de fora para dentro, do nosso velho sistema político, ainda autocrático nos seus padrões de organização e nos procedimentos e muito contaminado pela corrupção. Mas só isso não basta. É preciso combinar essa pressão “ambiental” com a inclusão de novos atores na cena política, de baixo para cima.
Aqui surge o primeiro grande problema. No Brasil, os partidos ainda detêm o monopólio legal do fazer político. Esse é um obstáculo difícil de transpor, uma vez que as atuais regras não serão mudadas pelos interessados em mantê-las. Assim, é praticamente impossível mudar o comportamento partidário por meio da entrada, mesmo em massa, de novos filiados nos partidos que aí estão, a menos que tais filiados estejam suficientemente organizados e capacitados para tanto. E quem fará isso?
Aqui começamos a tangenciar uma possível solução. Se quisermos potencializar uma vertente de mudança, será necessário articular programas mais amplos de reforma da política que conectem os cidadãos em torno de plataformas baseadas na ética, na defesa e aprofundamento da democracia e na promoção do desenvolvimento. Mas não adianta fazer isso criando um novo partido, que logo sucumbirá às velhas práticas.
É necessário, portanto, fomentar novas formas organizativas, seguindo um padrão de rede não hierárquico-burocrático, capazes de funcionar como “metapartidos”. Pessoas vinculadas a essas redes voluntárias poderão, então, entrar nos partidos e se candidatar a cargos diretivos e representativos. Mas só conseguirão fazê-lo se dispuserem de autoridade e legitimidade fornecidas por bases e articulações fora do domínio dos tradicionais caciques dos feudos partidários.
A pressão “ambiental” exercida de fora para dentro, combinada com a inclusão de novos atores na cena política, de baixo para cima, respaldada por redes de participação cidadã, configura-se, assim, não apenas um caminho, mas talvez o único caminho, nas circunstâncias presentes, para mudar o atual sistema político brasileiro.
Isso por certo requer muito trabalho, mas é possível. Nossa sociedade já tem os recursos para tanto. Se corretamente investidos, podem ensejar o desenvolvimento dos talentos de que precisamos para atingir tal objetivo. Teremos eleições municipais no próximo ano. Eis aí uma boa oportunidade para testar essa hipótese.
Parafraseando Kennedy, não pergunte o que o Estado ou o governo pode fazer por você, mas sim o que você pode fazer pelo País. A sociedade civil é a nova construtora do Brasil moderno. Esta é a grande mudança.
Meus comentários
Eis os artigos. É um excelente material para reflexão, não? Sobretudo porque eles expressam, além de boas idéias, uma experiência concreta. Pois foi com base nessas idéias que nasceu, no primeiro semestre de 2006, a Rede de Participação Política do Empresariado (www.redeempresarial.org.br), por iniciativa da FIEP (Federação das Indústrias do Estado do Paraná) e em parceria com a FACIAP (Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Estado do Paraná). Trata-se de uma nova forma de organização política não-partidária que, em pouco mais de 1 ano (53 semanas), alcançou os seguintes resultados:
– 4 mil cidadãos conectados;
– 3 mil pessoas sensibilizadas – por meio de um curso a distância on line – para a necessidade da formação política democrática;
– 53 newsletters (semanais) enviadas personalizadamente para cada participante;
– 4 mil intervenções dos participantes em 63 debates políticos semanais;
– 400 novos agentes capacitados no Paraná (em 11 cursos presenciais regionais);
– 210 mil “cartilhas” Guia do Voto Responsável” (distribuídas nas eleições de 2006);
– uma Agenda Estratégica para o Brasil elaborada de modo compartilhado pelos participantes conectados;
– 10 núcleos regionais organizados: Curitiba (litoral e região metropolitana), Londrina, Maringá, Cascavel, Pato Branco, Paranavaí, Campo Mourão, Guarapuava, Ponta Grossa e Jacarezinho (Norte Pioneiro);
– 26 projetos locais (comunitários) em andamento (ou programados);
– um Projeto Político de Desenvolvimento das Cidades do Paraná em andamento nas 10 regiões do estado.
E, além de tudo isso, preparou – em parceria com a UFPR (Universidade Federal do Paraná) – uma importante inovação política que viabilizará um maior controle dos representantes pelos representados e que será lançada ainda em 2007: um ‘Sistema de Monitoramento e Avaliação dos Eleitos’, disponibilizado on line.
Esses primeiros resultados mostram que a proposta é viável e tem plenas condições de se replicada ou reinventada em outros estados e municípios do país.
Intervindo concretamente na velha política
Não se trata, portanto, de um sonho irrealizável ou de alguma coisa que não tenha concretude suficiente para intervir na política que ainda se pratica no Brasil. Como escreveu Rodrigo Loures, no segundo artigo reproduzido acima, “se quisermos potencializar uma vertente de mudança… não adianta fazer isso criando um novo partido, que logo sucumbirá às velhas práticas. É necessário, portanto, fomentar novas formas organizativas, seguindo um padrão de rede, não hierárquico-burocrático, capazes de funcionar como “metapartidos”. Pessoas vinculadas a essas redes voluntárias poderão, então, entrar nos partidos e se candidatar a cargos diretivos e representativos. Mas só conseguirão fazê-lo se dispuserem de autoridade e legitimidade fornecidas por bases e articulações fora do domínio dos tradicionais caciques dos feudos partidários. A pressão “ambiental” exercida de fora para dentro, combinada com a inclusão de novos atores na cena política, de baixo para cima, respaldada por redes de participação cidadã, configura-se, assim, não apenas um caminho, mas talvez o único caminho, nas circunstâncias presentes, para mudar o atual sistema político brasileiro… Teremos eleições municipais no próximo ano. Eis aí uma boa oportunidade para testar essa hipótese”.
E indo além…
A necessidade de introduzir novos atores políticos na cena pública, de baixo para cima, não se esgota, porém, nas tentativas de entrar no velho sistema político para mudá-lo por dentro. A emergência de novos atores políticos, com a experimentação de novas formas de participação dos cidadãos, vai mais além. Caminha na direção de um novo sistema político, para o qual se pode contribuir ensaiando e disseminando inovações políticas, articulando e animando redes cada vez mais distribuídas e capacitando uma nova geração de agentes convencidos da democracia como valor e dispostos a encarar o desafio de reinventar a política tendo em vista as exigências da sustentabilidade.
A rigor, uma nova formação política só poderá nascer das cinzas das velhas formações que aí estão. Não será apenas disputando o poder de Estado, nos moldes atuais, que se conseguirá calcinar o velho sistema político. A renovação terá de vir por fora desse arcabouço e dessa lógica, terá de vir do novo cidadão – conectado a múltiplas redes de participação cidadã – que pode agora emergir neste século 21 e não do velho cidadão arrebanhado pelas caciquias tradicionais.
Aliás, uma mutação profunda já está acontecendo e os velhos atores não estão vendo. O mundo está sendo modificado (e o Brasil não está fora disso) por poderosas correntes subterrâneas, que estão alterando a estrutura e o funcionamento e, quiçá, a natureza, daquilo que chamávamos de sociedade. A ‘Era Wiki’ (Wikipedia) chegou, potencializada pela tecnologia mas não apenas como resultado do seu emprego, modificando os tipos atuais de agenciamento (o Estado, o mercado, a sociedade civil e as relações entre essas três esferas da realidade social). É óbvio que os mecanismos de formação da opinião pública – ou de formação da vontade política coletiva – também estão sendo alterados. Quando tudo isso emergirá e se exporá claramente à luz do dia não se pode dizer, conquanto seja razoável prever que a próxima geração – que nasce com a Web 2.0 (Youtube, Flickr, Picasa, Google Vídeo, Weblogs.com, Twitter, Digg, Meneame) e com a Web 2.1 (a blogosfera e seus recentíssimos instrumentos, Picnik, Jumpcut, Feevy, Mugshot, Corank) – não se comportará mais como a atual. E é bem possível que alguns efeitos dessas mudanças profundas comecem a surgir já na segunda década deste século.
(Augusto de Franco, Cartas Rede Socia, 13/09/2007)
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