A questão ambiental pode sair fortalecida com a atual crise econômica mundial, acreditam os participantes de uma discussão sobre os cenários de investimentos em energias renováveis, na última sexta-feira em Florianópolis. Representantes do governo, da iniciativa privada e de instituições financeira e de pesquisa avaliaram as possibilidades do que chamaram “luz no fim da crise”.
O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, acredita que esse seja o momento para se realizar ações mais agressivas em relação ao clima. “O Brasil está com uma posição tímida, precisamos assumir metas de redução de emissões e aumentar o uso de biocombustíveis no setor de transportes”. Além disso, Minc defende um maior rigor na punição de crimes ambientais e na liberação de licenciamentos ao setor elétrico.
Apesar de apertar o cinto, o ministro afirma que as licenças precisam ser concedidas, caso contrário, o país contará cada vez mais com carvão e óleo como fontes de energia. “Não vamos cometer tal situação”, esclarece.
Energia também foi o tema central da apresentação do diretor-presidente do Instituto Acende Brasil, Cláudio José Dias Sales, segundo o qual o Brasil precisa de cerca de três mil megawatts (MW) médios por ano. Ele destacou a necessidade de maior investimento em fontes renováveis e alertou para uma controvérsia nos leilões de energias realizados no país. “Nos últimos grandes leilões, 72% da energia comercializada eram de fontes não-renováveis de energia, principalmente óleo combustível”.
Em comparação com a energia hidrelétrica, o uso de óleo combustível produz cinco vezes mais emissões de gases do efeito estufa do que as usinas movidas à água, esclarece Sales. O valor também é maior: “Enquanto se paga R$ 100,00 por megawatt/hora de energia hidrelétrica, a mesma quantidade gerada a partir de óleo combustível custa R$ 380,00″.
Essas distorções ocorrem pela maneira como os leilões são desenvolvidos, com o objetivo de equalizar as ofertas de hidrelétricas e termelétricas, aponta Sales. O ministro Minc concorda que há um erro no cálculo para definir o índice de preço dos leilões, o que beneficia as térmicas a óleo. “Chamamos a ministra de Minas e Energia, o presidente da Aneel e o presidente da EPE e o Ministério do Meio Ambiente pediu formalmente a redução disso”, afirma Minc.
Tanto Minc quanto Sales acreditam que a solução seja criar incentivos para as energias renováveis. “Estamos perdendo o ‘vento’ da história”, adverte o ministro ao sugerir a expansão dos parques eólicos no país com a quebra de impostos. Ele lembra que, no ano passado, a China conseguiu US$ 4,5 bilhões para a produção deste tipo de energia e ressaltou que o próximo leilão energético brasileiro será somente de eólica.
O ministro afirma que será criado um decreto de compensação energética. “Para cada 100 MW gerado a partir de fóssil, seja gás, óleo ou carvão, 5MW, 6MW ou 7MW terão que ser de renovável, seja solar, eólica, metano (biogás) ou PCHs (pequenas centrais hidrelétricas)”.
Outras ações do governo são o financiamento de aterros sanitários que capturem toda a emissão de metano para geração de energia e o apoio à instalação de placas de aquecimento solar nas residências. A exemplo do que fez como secretário no Rio de Janeiro, Minc pretende reduzir em 85% os impostos sobre as energias eólica e solar no país.
Sales destaca a questão tributária como fundamental para o desenvolvimento do mercado, que é favorável ao desenvolvimento das energias renováveis. “Nos últimos 25 anos, o preço da energia eólica já foi reduzido a um terço nos países mais avançados”. Ele acredita que nesse setor, a atual crise muda apenas o tamanho do desafio a ser enfrentado, mas que os pontos a serem trabalhados são basicamente os mesmos.
Os bancos
O representante da área mais afetada pela crise mundial, economista-chefe do Banco Real, Hugo Penteado, fala que as instituições financeiras precisam lidar com a situação sem fazer distinção entre economia e meio ambiente. “A separação entre economia, pessoas e natureza é um mito, não é possível cuidar de uma coisa sem a outra”.
Penteado explica que é comum no mundo empresarial escutar os executivos dizendo que irão primeiro se preocupar com a economia e, depois que a crise passar, poderão dar atenção às questões ambientais. O problema, segundo ele, é que não é possível avaliar as questões de forma isolada. “Não existe investimento não-ambiental, isso que os empresários precisam entender; a questão ambiental é um problema financeiro e que traz impactos para a imagem da instituição”.
Ele diz que o senso de importância atualmente está totalmente falso. “As pessoas dão prioridade às questões econômicas e não se dão conta de que o planeta vem em primeiro lugar, depois as pessoas e por último a economia; essas três instâncias são interdependentes e ocorrem nessa ordem”.
Penteado conta que essa visão da Economia é uma derivação da Mecânica Clássica e que os agentes de mercado vêem o processo econômico como algo reversível e neutro, sem relação com o planeta ou meio ambiente. “Não é possível simplesmente dar marcha ré ou jogar fora o que não der certo, isso é um mito”.
O economista explica que hoje o planeta é capaz de sustentar 200 milhões de pessoas vivendo com os padrões norte-americanos. “Se esse padrão for seguido por todos, nós corremos o risco de um colapso global pela primeira vez na história da humanidade”.
Como solução, Penteado também aponta a mudança para as energias limpas e enfatiza a necessidade de os bancos assumirem a responsabilidade ambiental “Os bancos precisam encarar que fazem parte do processo, eles não podem financiar madeira ilegal, por exemplo”.
Low carbon
O professor da Universidade de Brasília Eduardo Viola foi enfático ao dizer que a recessão e possível depressão global vão exigir uma nova percepção da vulnerabilidade climática, principalmente dos países-chave como Brasil, China, índia e Estados Unidos. “As ameaças são comuns e as ações precisam ser coordenadas. O único país que persiste em não cooperar nesse sentido é a Rússia”, afirma.
Viola aponta a eleição de Barack Obama, nos EUA, como um fator decisivo. “O lugar dos EUA no mundo não pode continuar o mesmo ocupado na segunda metade do século XX; é preciso liderança cooperativa e não unilateral”. Destaca ainda que a equipe de Obama já está voltada para uma economia de baixa emissão de carbono e que a proposta dos Democratas é mudar a matriz e aumentar a segurança energética do país.
“Essa combinação de crise gera um momento muito bom para o mundo nesse sentido, pois cria uma crise de consciência nas pessoas e as faz ter uma percepção, uma abertura mental, para avaliar a loucura do hiperconsumismo”.
Viola lamenta que no Brasil o governo não esteja indo na direção de uma economia de baixo carbono. “O ponto-chave é: quando o Brasil entenderá essa mudança no mundo?”, questiona. Por isso, entende que, antes de se ver a luz no fim da crise, haverá muita dor e destruição profunda da riqueza nacional.
Penteado acredita que um passo para essa luz é a mudança de atitude. “Precisamos começar a entender que não temos relevância para o planeta. Somos nós que estamos ameaçados pela destruição da vida”.
A marcha da insensatez nos últimos 100 anos resultou nos problemas de hoje, afirma o ministro Minc. Para ele, a saída é tomar decisões ousadas, adotar metas e puxar os demais países em desenvolvimento para juntos assumirem compromissos ambientais.
“A gente liga a televisão e vê geleira derretendo, mas no nosso dia-a-dia os países ricos e muitos empresários agem como se isso fosse um filme de ficção científica”, comenta o ministro.
(Sabrina Domingos, Envolverde/CarbonoBrasil, 26/11/2008))
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