Rodoviária de Florianópolis é palco de histórias surpreendentes. Relembre algumas, publicadas na edição do fim de semana
Enquanto uns chegam outros partem, histórias se esbarram dentro do Terminal Rodoviário Rita Maria. A ansiedade e a expectativa da viagem estão nos rostos dos passageiros. Uns com muita bagagem, outros com quase nada, mas todos com muitos sonhos e planos. É assim, neste clima, que a rodoviária completa, no dia 7 de setembro, 30 anos de existência.
Histórias de vida fazem parte do cotidiano do terminal, que até no nome tem sua própria história. Segundo historiadores, Rita Maria foi uma senhora de pele negra, filha de escravos, que morava próximo a cabeceira da ponte Hercílio Luz. Ela se tornou famosa pelas curas e benzeduras. “Ela saudava os marinheiros que chegavam à Ilha e curava aqueles que chegavam doentes”, conta Joice da Silva, funcionária do terminal há exatos 30 anos.
Tão presente na rodoviária quanto Rita Maria, Joice trabalhou no administrativo e agora integra o setor cultural, sua outra paixão. A primeira é o terminal. Ela respira fundo e enche o peito ao falar do audacioso e futurista projeto arquitetônico, destaque no Brasil. “É um projeto contemporâneo, a frente do seu tempo. Na Europa, alguns arquitetos estão fazendo edificações nas cores cinza, marrom e preto pensando na captação de energia. Assim como os vidros que deixam livre a vista para o mar”, observa.
Mais simples, mas também inesquecível é a canja que foi servida por muitos anos de madrugada. “Quem saía das festas se encontrava para comer a canja. Era um ponto de encontro”, lembra Joice. O antigo restaurante Ritz, responsável pela janta da madrugada fechou, e, desde setembro de 2001 funciona o espaço artístico-cultural no local. A área abriga acervo que conta a história da rodoviária e é utilizada ainda para eventos e exposições.
Um lugar para viver e morrer
“O Rita Maria tem história”, diz Valdori José Peres, supervisor do terminal e funcionário do Deter (Departamento de Transportes e Terminais de Santa Catarina) desde 1981. Entre as muitas que presenciou, Peres conta o caso de uma mulher, que se separou do marido e resolveu “morar” na rodoviária. “Ele (seu marido) foi embora e ela veio morar aqui. Com duas malas, tomava banho e trocava de roupa no banheiro, fazia um lanche e ficava sentadinha nas cadeiras”, lembra.
Assistentes sociais tentaram convencer a mulher de aproximadamente 40 anos a ir para casa, mas, segundo Peres, ela dizia que gostava do marido e não queria voltar sozinha. “Um certo dia, ela amanheceu morta na cadeira. Teve um infarto”, relata o funcionário, que ainda tem a cena viva na memória.
Outra história memorável é a de um motorista que abandonou seu carro no estacionamento da rodoviária. “Era uma Saveiro, que ficou no pátio por dois anos, até que o banco, responsável pelo financiamento, veio retirar”, conta Peres.
Pessoas correndo para o embarque, outras chegando, abraços e despedidas, um cenário que vai mudando conforme as horas passam. À noite, a rodoviária é envolvida pela calmaria, e o ambiente se torna mais vulnerável. Andarilhos se acomodam nos bancos e passam a noite sentados. “Aqui é mais seguro para eles e menos frio”, avalia o funcionário. É o coração de mãe de Rita Maria, acolhe a todos, sem distinção.
Emoção predomina nas despedidas
Nos olhos de Marcos Antônio da Silva, 21, percebe-se a ansiedade gerada pelas incertezas que o destino lhe reserva. O jovem, que morou a maior parte da sua vida em Florianópolis, está de partida para Rondônia, onde sua mulher está morando. “Aqui trabalhava de frentista. Agora estou indo no escuro, sem saber o que vou fazer lá. Dá um pouco de medo”, confessa. O amigo, Reginaldo Santos de Souza, veio da Bahia, e mora na Capital catarinense há sete meses. “Vim só para acompanhá-lo, mas não pretendo sair desta cidade”, comenta.
Escondido pelas malas, o casal Gregório , 78, e Hilda Kilo, 77, estava de mudança para São Joaquim (SC). Eles contam que querem ficar mais perto dos filhos e netos. “Aqui está toda nossa casa”, relata Hilda mostrando as malas. “A gente sente um pouco a mudança, é difícil”, diz, emocionada.
Surpresas de um guarda-volumes
Entre as indas e vindas dos passageiros, é no guarda-volumes da rodoviária que ficam as coisas “esquecidas”. Roupas, alimentos, ferramentas, azuleijos e até drogas são deixados no espaço. As drogas são apreendidas pela Polícia Federal. Eduardo Zaniolo, responsável pelo espaço, conta que as pessoas abandonam muitas coisas sem valor, que depois não valem à pena voltar para buscar. Alimentos, como carne e peixe, que não podem ser levados no ônibus, também são deixados no guarda-volume. “Durante a temporada, os argentinos têm o costume de comprar refrigerante, pão e manteiga. O que sobra eles guardam aqui e depois não retiram mais”, observa Zaniolo.
O funcionário conta que o prazo para a retirada é de 90 dias, porém os pertences ficam no local por até um ano. “Os documentos são encaminhados a Polícia Civil e as roupas e os demais pertences que não são retirados, são doados para entidades carentes”, conta.
Estrutura marcada pelo tempo
Apesar do projeto moderno da rodoviária, a estrutura já mostra os sinais do tempo. Atualmente, o telhado é o principal problema. Uma inspeção detectou 2.000 pontos de corrosão. De acordo com o presidente do Deter, Sandro Silva, está previsto um investimento de R$ 5 milhões que inclui revitalização da estrutura, já em fase de licitação. Os reparos no telhado será uma obra à parte e mais demorada. “Não temos como remover as telhas, cada uma pesa em média 24 toneladas. Temos que estudar uma tecnologia para fazer isso”, diz Silva. A previsão do Deter é começar a obra no telhado até o fim do ano.
Além de melhorias na estrutura, está prevista a vinda do Pró-cidadão para o terminal, que deve aumentar a circulação de pessoas e beneficiar comerciantes. Por muitos anos, a rodoviária abrigou a Central da Moda, considerada o mini shopping nos primeiros anos de existência. Na década de 90, o movimento começou a diminuir. Em 2008 foi realizado um processo licitatório, e das 21 lojas, apenas 11 lojas estão funcionando, segundo o gerente do Terminal, Valdir Konell. Uma nova licitação deve ocorrer para ocupação das outras dez lojas.
(ND, 08/09/2011)
Um terminal de histórias
“Óióió! Essa coisa vai afundar no aterro!” Este era um dos burburinhos que corriam entre os manezinhos no dia 7 de setembro de 1981, data da inauguração do Terminal Rita Maria. Hoje, “essa coisa” completa três décadas e continua de pé, impressionando, com seus traços e formas. E ainda guarda histórias e fatos curiosos que rondam este cartão-postal.
Números
● Área: 15.718 mil metros
quadrados
● 6 mil pessoas passam pelo
terminal por dia
● Em dias de pico, como feriados,
e no Verão, são 10 mil pessoas
● Fluxo de 430 ônibus por dia
● 22 empresas nacionais e
internacionais de transporte de
passageiros
● 21 lojas (11 de vestuário, 3
lanchonetes, 1 restaurante,
1 pipoqueira, 1 sorveteria,
1 farmácia, 1 floricultura, 1
guarda-volumes)
● Serviços: três bancos, um
Juizado de Menores, Detran,
Deinfra, Santur, Polícia Militar,
Polícia Civil
● Não há informações no Deter
sobre qual foi o investimento do
Estado na obra, em 1981.
(Por Luiz Schmitt, DC, 07/09/2011)
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