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A lição do Aterro, por Vinícius Lummertz

Gosto é gosto, mas é inegável que Florianópolis, a capital de todos os catarinenses, é a melhor, senão uma das melhores cidades para se viver na América Latina. E isto é mérito de tantos que aqui nasceram ou vieram viver – nossa cidade é mérito de todos os catarinenses. Estranho soaria, pois, trazer um exemplo positivo do Rio de Janeiro para o debate, já que, via de regra, tratamos de exemplos negativos, de alertas e de mazelas de uma “Cidade Maravilhosa” em decadência.

O exemplo do Rio é o do tratamento urbanístico de aterros e orlas. O Aterro do Flamengo, inaugurado em 1965 com 1,2 milhão de metros quadrados, é um dos cartões postais do Brasil: teve como paisagista um dos nomes brasileiros mais conhecidos no planeta, Roberto Burle Marx, também famoso pela defesa das florestas tropicais e pelos belos jardins do Eixo Monumental de Brasília. Uma das mais belas obras paisagísticas do mundo, a Aterro do Flamengo faz a ligação entre o centro do Rio, a partir do Aeroporto Santos Dumont, até Botafogo, no início da Zona Sul.

Pelo belo caminho, encontramos entre outras preciosidades o imponente Monumento aos Mortos da 2ª Guerra Mundial, o Museu de Arte Moderna, o internacional MAM – que, poucos sabem, teve as obras iniciadas com recursos destinados por um projeto de lei do então deputado federal catarinense Jorge Lacerda – e a Marina da Glória, além das quadras esportivas e de lazer que reúnem diariamente milhares de cariocas em meio aos jardins de Burle Marx.

Pois bem, foi este mesmo Roberto Burle Marx quem fez o projeto de paisagismo para os 600 mil metros quadrados do Aterro da Baía Sul, inaugurado em 1978 em Florianópolis. Mas aqui nada do que aconteceu no Rio se repetiu – pelo contrário: nosso aterro destruiu o planejamento original, cerceou a ligação do mar com a cidade e o ocupou com construções cujo valor arquitetônico conflitam frontalmente com a beleza da paisagem marítima que contempla a Ponte Hercílio Luz, o Cambirela e o continente.

Já na descida das pontes, trombamos com a arquitetura brutal da Rodoviária Rita Maria e logo em seguida com uma estação de tratamento de esgoto da Casan, algo impensável em qualquer lugar do mundo à beira mar. O desastre arquitetônico segue com o Centrosul, outro caixote já superado pelo tempo e sem salas de espetáculo, seguido da também Passarela Nego Quirido, um samba atravessado no lugar e no tempo errado.

Matou-se metade da orla do centro da Capital. Os urbanistas da cidade, conscientes do desacerto geral, propuseram um concurso nacional durante o Governo de Sérgio Grando (1993/96). Ganhou o projeto liderado pelo nosso grande arquiteto André Schmitt. O projeto trazia o mar de volta à cidade, levava água por um canal até a Praça Quinze e ligava pedestres da praça até o mar sob as palmeiras de Burle Marx, várias das quais estão por ali até hoje.

Na ACIF, que eu presidia à época, fizemos a maquete e a levávamos pela cidade. Havia espaço para o Paço Municipal próximo ao antigo terminal construído pelo prefeito Edison Andrino (1986/88). Havia viabilidade econômica dentro de modelos de concessão e parcerias. Não havia objeção do Patrimônio da União, como não há até hoje.

O Aterro da Via Expressa Sul, hoje muito bem cuidado, por sua vez não tem um masterplan condizente com o ‘continuum’ dos dois aterros (Beira Mar Norte e Sul), e de suas integrações com a Avenida Beira-Mar Norte, com o mar, e com o novo Aeroporto e o Sul da Ilha, na mesma lógica do Aterro do Flamengo.

E aqui voltamos à discussão do Plano Diretor de Florianópolis, pois a região da Costeira e do Saco dos Limões, de frente para um aterro integrado, seriam os pontos naturais de uma equilibrada expansão do Distrito Central – incluídas aí atrações possíveis como Aquário e a Cidade do Futuro, pensado pela Certi e UFSC. Vale lembrar que este mesmo eixo liga também o Sul da Ilha à BR 101, como projetado pelo nosso grande arquiteto Gama d’Eça. Digo isto por ter visto todas estas plantas em seu estúdio em 1986, por indicação de Alcides Abreu.

Dizendo isso me vem à memória uma reunião com a Infraero no gabinete do Governador Luiz Henrique. A estatal viera apresentar a primeira versão do futuro terminal do Aeroporto Hercílio Luz. LHS refugou o projeto – e sugeriu um concurso nacional, no que teve o aceite da Infraero. Ganhou o escritório Biselli e Associados de São Paulo. Resultado: temos hoje o melhor e mais belo aeroporto do Brasil.

Florianópolis cresce, vai continuar a crescer e precisa pensar seu urbanismo integrado internamente e com os municípios do entorno das duas baías e da região metropolitana. Projeções criativas de altíssimo nível neste sentido já foram feitas também pelo Instituto Silva Paes, de arquitetos urbanistas. Além de tantas oficinas de desenho urbano e missões, como a que fizemos a Copenhagen, capital da Noruega, junto a um dos maiores urbanistas do planeta, Jan Gehl, autor do aclamado livro “Cidades para as pessoas”.

Não faltam, portanto, nem ideias, nem experiências. Falta ainda, de fato, inobstante o movimento Floripa Sustentável, um nível mais alto de consciência sobre a importância do planejamento, e do engajamento em diálogos maduros, genuínos e transparentes entre todas as forças políticas, sociais e jurídicas da Capital de todos os catarinenses. Passada a adolescência vem a maturidade.

O contrário disso foi a preocupação do grande antropólogo francês autor de “Tristes Trópicos”, Claude Lévi-Strauss, que revelou: “Meu medo é de que o Brasil envelheça sem jamais ter amadurecido”. O caminho da maturidade é, pois, o caminho do aprendizado e da reflexão que constituem a sabedoria de um povo, neste caso, a sabedoria da linda capital de todos os catarinenses.

(Portal Imagem da Ilha, 17/05/2022)

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