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O chef senegalês Mamadou Abdoul Sène estreia a seção de entrevistas do Observatório da Gastronomia. Formado em Gastronomia na França, trabalhou em mais de 20 países através das redes de hotéis Méridien e Club Méditerranée. Em Dacar foi chef da embaixada brasileira, onde conheceu João Cabral de Melo Neto, embaixador do Brasil no Senegal à época. Foi através dele que Mamadou veio para o país para conhecer a culinária brasileira e saber mais sobre a cozinha da diáspora negra. Hoje é professor do Senac RS, em Porto Alegre, onde reside desde 1983, além de consultor gastronômico. Aqui compartilha seu conhecimento sobre técnicas, saberes e fazeres e rumos da gastronomia.

Nathália Bernardinetti [NB] O senhor pode compartilhar conosco a sua trajetória na gastronomia e o que o trouxe até o Brasil? De certa forma a feijoada e a literatura o trouxeram para cá?
Mamadou Abdoul Sène [MAS] Sim, bem isso [risos]. Pode me chamar de Mamadou. Bom, eu sou senegalês, nasci em Dacar, em 1954, e eu nasci numa cidade turística, que recebe turista do mundo inteiro. Dacar fica…costumo dizer que é a janela e porta da África, porque fica na ponta, na parte mais ocidental do continente, depois tem América do Norte, Caribe e América do Sul. E no verão, no inverno principalmente, recebe bastante turistas europeus que fogem do frio. É hemisfério Norte mas nosso inverno é 25, 26 [ºC], quente, digamos, não é um inverno. Então os europeus vêm bastante lá nessa época, fugindo do inverno europeu. E aí eu era estudante e saio de casa, e a primeira coisa que deparo quando saio de casa indo pra escola é um grupo de europeus com um guia turístico explicando, isso me encantou! Estava na faculdade, eu estava fazendo Faculdade de História, então eu me ligava em turismo e história, porque você conhece gente, conhece povo, conhece sociologia. A forma de viver das pessoas me encantava! E no último ano de História eu resolvi largar tudo e fiz a Escola Técnica de Hotelaria, em Dacar. Estudei quase dois anos e depois que me formei, a primeira coisa que fiz foi viver o turismo, trabalhar como guia de turismo, depois eu resolvi ser garçom, tinha contato dentro dos hotéis. Depois de algum tempo fui subindo na carreira e virei maître do hotel. Dali a pouco eu resolvi ser barman, já que é tudo dentro da área e cheguei também até o último posto, como maître, mas de barman. E a partir desse momento eu quis entrar na cozinha, porque o que eu me lembro, quando era criança, era da minha mãe sempre na hora de ir para escola, no primário, a gente levava um pedaço de pão, para comer no recreio e eu sempre deixava sobrar.  Quando chegava meio dia para almoçar – porque lá a gente vai oito horas da manhã, meio dia volta pra casa, almoça e três horas começam as aulas de novo até cinco e meia – então, quando chegava em casa pra almoçar, o pão do recreio eu sempre trazia de volta, aí ia direto na cozinha, cortava e pegava o que minha mãe estava preparando e colocava uma colher. Assim que começou minha iniciação na gastronomia. E, outro detalhe, depois do almoço pronto, como minha escola ficava num bairro onde morava minha avó, minha mãe preparava também o almoço da minha avó. Eu que levava pra ela, nós almoçávamos juntos e de lá eu ia pra escola. Essas coisas ficaram muito afetivas pra mim e eu resolvi conhecer o mundo da gastronomia. Comecei a trabalhar, ganhei bolsa de estudo e dali que fui para a França, estudei dois anos na França, primeiro em Chambéry, perto da Suíça, e depois no Sul da França, em Nice, onde terminei os meus estudos. Voltei para Dacar e comecei a trabalhar em uma rede francesa – chamada Méridien, de hotéis – trabalhei dois, três anos e depois quando saí entrei em uma outra rede francesa – Club Med, Club Méditerranée. E essas duas redes tinham uma política igual, quando é baixa temporada num local, ao invés de demitir as pessoas para contratar mais adiante, eles mandam para outros lugares do mundo onde tem a rede, para reforçar a equipe e, também, para conhecer outras culturas gastronômicas e poder aplicar nos hotéis. Nessas andanças eu morei em vinte países, quatro meses, cinco meses, às vezes seis e assim vai…

[NB] Em todos os continentes?
[MAS]Em todos os continentes…só não conheci muito ainda a Ásia, mas Oriente Médio até Taiti, conheço toda essa região, África do Norte, Guadalupe, Caribe, até o Taiti, foram essas andanças. E sempre que eu voltava, voltava a trabalhar nos hotéis. Mas ao mesmo tempo eu fazia jantares e eventos e um dos clientes era a Embaixada do Brasil em Dacar. E, por coincidência, o embaixador era João Cabral de Melo Neto, o grande escritor, poeta, respeitado no mundo inteiro e era também muito amigo do presidente do meu país, Léopold Sédar Senghor, primeiro negro a entrar na Academia Francesa de Letras, e ele queria uma feijoada nesse ano. Eu fazia os eventos da Embaixada e, em 1978, eles queriam uma feijoada e eu comecei a trabalhar – é um país muçulmano, 90% da população, nós não comemos carne de porco, mas mesmo assim eu encarei. Durante um mês trabalhando a receita até o dia que nós fizemos a feijoada. Ele foi na cozinha, elogiou muito, ele e a esposa também. E na conversa, a esposa [Stella Maria Barbosa de Oliveira] começou a falar da contribuição africana na culinária brasileira, através dos escravos e tudo. E isso começou a me aguçar o interesse, mas ficou numa conversa depois do jantar. Um mês depois eu recebi uma carta para me apresentar na Embaixada do Brasil em Dacar. Quando eu cheguei lá estava sendo ofertada uma bolsa de estudo para vir para o Brasil, aprender a culinária brasileira. Eu falei, “bom, eu já conheço vários lugares, já viajei para vários lugares aprendendo outras culinárias, por que não conhecer também a culinária da diáspora?”. Em 1979 eu cheguei no Brasil, fui morar no interior de São Paulo, em Águas de São Pedro, no Senac, que me recebeu como bolsista, onde fiquei catorze meses. Depois que me formei eu pedi para ficar mais algum tempo, que eu queria conhecer a culinária mineira e a culinária baiana. O Senac prolongou, o Itamaraty também, uma bolsa de estudo e eu fui em Barbacena – Senac também. Lá eu estudei bastante a culinária mineira e vi algumas semelhanças com nossa culinária africana, alguns pratos, frango ao molho cabidela, que é com sangue. Em seguida eu fui para Bahia. Lá, quando cheguei, aí sim, parecia que eu não tinha saído da África, o acarajé, a moqueca, o vatapá, o caruru, tudo feito da mesma forma e com os mesmos ingredientes: o dendê, o camarão seco, os frutos do mar. Aí eu falei, “então essa era a realidade que eles me falaram!”. Foi assim, depois o Senac de São Paulo quis me contratar para dar aula de culinária internacional francesa, que é a minha formação. Era um contrato de seis meses, mas antes de terminar eu decidi ficar de vez no Brasil. Já tinha me adaptado, já estava dominando o português – francês que é minha língua, inglês já falava, porque lá no meu país nós somos alfabetizados em francês a partir do primário e quando chega no colégio, que nós chamamos de Liceu, você tem a primeira língua estrangeira que é inglês, aí a partir do segundo grau você tem seis línguas, você escolhe uma, pode ser italiano, português, espanhol, árabe, alemão e russo. Então você não chega na faculdade sem falar três línguas. Aprendi a falar e resolvi me fixar. Foi aí que fui morar no Guarujá [SP], Santos [SP] e litoral [paulista]. Porque queria litoral, porque nasci à beira mar. Comecei a trabalhar lá e conheci um gaúcho [Rolf Udo Zelmanowicz], fundador da Aplub [Associação dos Profissionais Liberais Universitários do Brasil] em Porto Alegre, que me fez uma proposta para vir para Porto Alegre, isso em 1981, mas só se concretizou em 1983, em maio de 1983 eu fui para Porto Alegre. Mas não definitivo, eu me coloquei um prazo de um mês, se eu não me adaptasse, voltaria. Mas na primeira semana já gostei de Porto Alegre.

[NB] Em uma semana já se adaptou?
[MAS]Me adaptei, gostei da cidade. Eu brinco até que só falta mar para ser perfeita como cidade [risos]. E acabei ficando definitivamente em Porto Alegre. Trabalhei 13 anos na Aplub, depois só no restaurante da diretoria e depois, quando o Senac abriu o restaurante internacional numa casa histórica, me chamaram, bem na Praça da Assembleia, onde fica o Palácio do Governo também, chamado Solar das Palmeiras. Levei meu currículo, fui contratado e comecei a trabalhar no Senac como chef de cozinha daquele restaurante. Mas sempre me chamavam para dar oficinas ou aulas, cursos rápidos de culinária francesa. E aí, a partir de 2001, eu resolvi parar de trabalhar em restaurante e hotéis para me dedicar só à docência. Foi assim minha história. Agora em agosto [2019] vou completar 22 anos de Senac.

[NB] Isso só no Rio Grande do Sul, fora as outras passagens.
[MAS]Fora as outras passagens! Foi assim minha história, meu envolvimento com Senac e na docência.

[NB] Quantos alunos formados?
[MAS]Acho que já…eu estava falando com uma colega que tem quase 25 anos de Senac e ela…a gente se encontrou no corredor, “Mamadou, eu estava fazendo uns cálculos que já passou [por nós] mais de mil alunos somados”. A gente fica muito gratificado. Uma coisa que eu não me esqueço, em 2001, quando fechou o restaurante, foi numa época que o Senac RS estava passando por problemas estruturais, houve intervenção federal e foi demitida muita gente. Eu entrei de férias em um dia e de tarde foi fechado o restaurante, demitidas mais de 45 pessoas só no restaurante. No meio das férias eles chamam para uma reunião, participei da reunião, o interventor que veio do Rio de Janeiro queria reformular o curso de gastronomia do Senac e o único que seguraram foi eu. E eu tive essa incumbência de reformular, organizar o curso de gastronomia do Senac e essa nova estrutura contribuiu bastante até tudo voltar a funcionar direito. Sabrina [Dias] e eu tivemos uma vivência muito gratificante. Tanto que em 2003 com ela na coordenação nós ganhamos o Concurso Nacional do Senac. E aqui em Florianópolis, durante o Festival da Ostra [Fenaostra], o tema do concurso era ostra, nosso aluno ganhou e com o prêmio ficou 20 dias na França. Essa é uma lembrança afetiva que eu tenho com Florianópolis. Naquela época que fechou [o restaurante] eu recebi outras propostas para trabalhar em restaurantes, mas eu tinha recebido essa incumbência, para mim era um desafio essa mudança, de ficar só na docência. Hoje eu vejo frutos disso, vou em restaurantes e recebo mensagens de gente na Austrália, na Nova Zelândia, ex-alunos meus, que estão bem lá e mandando notícias. Isso me deixa bem grato. Sem contar quando saio para almoçar ou jantar e encontro ex-alunos meus trabalhando. Essa é uma coisa que a gastronomia me proporcionou e que não tem preço.

(Confira a entrevista completa em Observatório da Gastronomia. 28/10/2019)

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