O Laboratório de Moluscos Marinhos da UFSC (LMM) é essencial à prosperidade da Maricultura em Florianópolis. As sementes de ostras, por exemplo, dependem da produção em laboratório, considerando que na coleta natural não há volume de sementes para atender a demanda comercial; assim o laboratório produz milhões de sementes e os excedentes são comercializados. A UFSC atende os ostreicultores, fomentando o mercado local há mais de duas décadas. Na safra de 2016-2017, foram cerca de 217 vendas, que oscilam entre 50 mil e um milhão de sementes.
No âmbito da pesquisa científica, o LMM possibilita que os acadêmicos do curso de Engenharia de Aquicultura realizem estudos em suas locações e, eventualmente, colaborações com pesquisadores de outras áreas, como biologia, engenharia de alimentos e engenharia sanitária. Segundo Claudio Blacher, que gerencia o LMM, a pesquisa é mantida, em boa parte, pela comercialização de excedentes, que proporciona retorno na estrutura do laboratório, sendo o maior do Brasil no setor de moluscos.
Com fundação nos anos 1990, o LMM especializou-se na reprodução e produção de moluscos bivalves e tem dedicado-se ao estudo de técnicas de reprodução da espécie Crassostrea gigas, popularmente conhecida como ostra do pacífico, e a Crassostrea gasar, uma espécie de ostra nativa. Nos últimos anos, mexilhões, vieiras, berbigões e outras espécies nativas também foram prioridade para o LMM.
O mercado
Santa Catarina lidera o mercado nacional de ostras, com 98% da produção. Segundo dados do InfoAgro, foram produzidas 2490 toneladas em 2017, com 552 produtores no estado e concentração de 80 na capital. Nesse ano foi criado um Selo de Inspeção Municipal (SIM) para o pequeno produtor de ostras que atende o mercado local. Até abril, 21 criadores possuíam o selo, que difere-se dos selos já existentes, regulamentando o mercado que exporta para outros estados, por exemplo. Em entrevista, Tatiana Cunha, presidente da Associação de Maricultores do Sul da Ilha (AMASI), disse que vê a medida como positiva, além de ressaltar que a pluralidade de mais laboratórios seria benéfica à maricultura, algo que Blacher também defende.
O mercado tem esfriado desde 2014, principalmente devido à maré vermelha, fenômeno natural e esporádico que consiste em um pico de crescimento (bloom) de fitoplâncton em determinadas áreas, fazendo com que a cor da água se altere para tons de amarelo, vermelho ou alaranjado. Essas microalgas (fitoplâncton) produzem toxinas que alimentam os moluscos, o contaminando e, consequentemente, impossibilitam o comércio ao consumidor. Outro fator que impacta no mercado de moluscos é a duração do produto in natura, cerca de até quatro dias em restaurantes e peixarias. Também houve a redução do número de maricultores em 8,6% (de 604 em 2016 para 552 em 2019) e a queda em 12,4% no número total de pessoas envolvidas no processo (2185 em 2016 para 1915 em 2019).
A maricultura catarinense data da década de 1980, anteriormente só se cultivavam mariscos. Quanto à distribuição geográfica, atualmente Florianópolis lidera a produção de moluscos no Estado, com exceção dos mexilhões, com produção majoritária em Palhoça. Outras cidades com produção expressiva são Penha, Governador Celso Ramos e São José. O mercado é concentrado em Santa Catarina pelas condições climáticas, como a temperatura da água, que possibilita safras de ostras japonesas, por exemplo.
A produção
Os moluscos produzem gametas, podendo chegar a centenas de milhões, facilitando a produção de excedentes de larvas e sementes. Com duração de 2 a 6 meses, o processo de produção de sementes de moluscos bivalves inicia-se na obtenção de reprodutores (coletados naturalmente ou condicionados em laboratório). Após a desova, ou liberação de gametas, realiza-se a fecundação e, 24 horas depois, inicia-se a larvicultura, que leva em média duas a três semanas, variando conforme a espécie, temperatura média e alimentação. Nessa etapa, são utilizados tanques de 20 mil litros de água, local em que larvas planctônicas nadam e se alimentam, com densidade entre 1 a 10 larvas/mL. Essa parte do processo exige esforço dos cultivadores, que precisam retirar as larvas dos tanques todos os dias, drenando-as e retendo-as em malhas de acordo com o tamanho.
Um dos fatores mais importantes na produção é a utilização de água do mar, que deve ser filtrada e esterilizada. Inicialmente, os tanques utilizados eram de 6 mil litros, mas, em função da demanda e do aumento de produtividade, começaram a ser utilizados tanques de 20 mil litros; como também a utilização de bolsas de 100 litros para a produção de microalgas que, com o sistema de produção semi-contínuo, dura 60 dias. Finalizada essa etapa, inicia-se o assentamento, fase que pode durar de 2 a 5 meses e tem início quando as larvas atingem 238 µm, em média, e percebe-se uma mancha escura de 2 ou 3 µm no interior das larvas, sinalizando que tornaram-se larvas olhadas. Esses são os sinais que as larvas podem ser assentadas, dando continuidade ao processo de metamorfose e tornando-se pré-sementes.
O LMM utiliza a técnica de indutores químicos para assentamento de larvas, que resulta em um rendimento maior em relação a outras técnicas, facilitando o manejo dos produtores posteriormente. Nessa técnica, após a indução ao assentamento (banho em solução de epinefrina) as pré-sementes são inseridas em tanques upweller contendo cilindros de fibra de vidro com uma malha de nylon no fundo, onde as larvas assentadas são depositadas. Os tanques devem ser drenados diariamente, lavando as larvas com jatos d’água. A medida que elas crescem, devem ser peneiradas e separadas em mais tanques, dependendo do tamanho.
Em 2002, o LMM aprovou um projeto junto à Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc) e à Financiadora de Inovação e Pesquisa (Finep) para tornar a produção mais eficiente e sustentável, com enfoque em ganhos de produtividade na produção de microalgas, assentamento e larvicultura.
A estrutura
Os integrantes do LMM atendem a demanda local, entretanto Blacher coloca que o excesso de burocracia é uma das dificuldades enfrentadas no LMM, prejudicando as contratações de serviço e compras de materiais. “Todo recurso público só pode ser utilizado em transações com empresas privadas 100% regulares do ponto de vista fiscal, portanto, apenas cerca de 15% das empresas nacionais estão aptas a negociarem conosco, ou seja, restringe o nosso universo, quando não nos impossibilita a compra direta”, afirma Blacher.
Segundo o Plano Estratégico para Desenvolvimento Sustentável da Maricultura Catarinense, da Epagri, “o procedimento atual para se requerer a concessão de uma área aquícola marinha em águas da União é burocrático e demorado, podendo levar anos para ser aprovado. É preciso que os governos estadual e federal revejam os procedimentos de concessão e busquem uma forma de aperfeiçoar esta etapa, idealmente através da descentralização da gestão para o estado de Santa Catarina”.
Juliana Sayuri, em matéria na Folha de S. Paulo, escreve sobre o fomento público. “No papel é lindo, mas o pequeno produtor ainda precisa de apoio do poder público. Faltam acompanhamento, agilidade até para autorizar a construção de trapiches, atenção para o destino do resíduo”.
O Plano, que foi elaborado de modo participativo com maricultores, visa o desenvolvimento do setor em uma década (2018-2028), ressaltando que esse sucesso depende da superação da ausência de sistemas de monitoramento do Plano e alocação de recursos financeiros inadequados. O Plano, ainda, prima por monitoramento e feedbacks, em conjunto com a formalização e a fiscalização com vistas a gerar segurança e manter o mercado estável; e o investimento do poder público, possibilitando que o setor possa se autofinanciar e aumentar o impacto econômico e social. Assim, o documento afirma que a assistência do Estado poderia ser reduzida gradualmente, fazendo com que a maricultura se equiparasse a setores de destaque do agronegócio catarinense, como a produção de aves e suínos.
Eduardo Vargas / Pró-reitoria de Pesquisa / UFSC
(UFSC, 21/08/2019)
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