Da Coluna de Fabio Gadotti (ND, 04/05/2019)
A aprovação indiscriminada, pela Câmara de Vereadores, de projetos de denominação de ruas leva à discussão sobre o combate à ocupação irregular em Florianópolis. O Ministério Público, por meio da 28º Promotoria de Jutiça da Capital, está prestes a fechar um acordo com o município para que seja executada a regularização fundiária de áreas de sentenças decorrentes de ações ajuizadas nos últimos dois anos. “O que estiver errado não pode prosperar”, afirma o promotor Rogério Ponzi Seligman, que defende mais fiscalização para impedir que novas obras irregulares continuem proliferando.
O debate sobre os projetos de denominação de ruas leva à questão da uma ocupação irregular em Florianópolis. É boa oportunidade para a cidade prestar mais atenção para o problema?
Sem dúvida. O grande assunto que está por trás é a ocupação irregular na cidade de Florianópolis, os parcelamentos clandestinos, a expansão urbana desorganizada, a falta de fiscalização por parte do município em relação a isso. Então a questão da denominação das ruas traz junto esse debate e é mais do que na hora da cidade conversar sobre isso.
A principal questão é a falta de fiscalização?
Acredito que sim. Temos um grande número de ocupações irregulares decorrentes de parcelamentos clandestinos e irregulares do solo que têm se consolidado ao longo de 30, 40 anos. Continuam irregulares, não atendem aos padrões urbanísticos mínimos da legislação municipal, não trazem consigo equipamentos comunitários, como planejamento de escolas, de postos de saúde etc.
O Ministério Público e a Prefeitura de Florianópolis tentam chegar a um acordo sobre a regularização fundiária. Em que pé está essa conversa?
Sim. O Ministério Público tem demandas já muito antigas em relação a isso e há tempo tem tentado provocar o poder público a promover essas regularizações. Nos últimos dois anos foram quase 80 sentenças em ações ajuizadas pelo MP-SC que condenaram o município a fazer a regularização fundiária dessas áreas. Os processos estão em fase de execução e, por falta de dinheiro ou outros fatores, o MP não conseguiu que o município promovesse as regularizações. Estamos agora buscando um acordo pelo qual o município assume de vez o ônus de regularização das áreas decorrentes dessas decisões e outras áreas que já selecionamos – que são objeto de acompanhamento por inquéritos civis. Apesar de não significar a solução de todos os males, isso traz uma nova realidade de adequação urbana dentro do município.
Em reunião ampliada na Câmara de Vereadores, na última quinta-feira (2), o senhor usou a expressão “epidemia das quitinetes” em Florianópolis e também falou que “o Rio de Janeiro nos deu um alerta”, em referência aos prédios irregulares que desabaram no morro da Muzema. A situação em Florianópolis é grave então?
Considero grave e acho que as duas situações- ocupação e construção irregular – andam juntas porque têm de ser reprimidas por iniciativa do poder público. O município, em razão do artigo 182 da Constituição, tem o dever de executar a política de desenvolvimento urbano. Isso significa planejamento e, por outro lado, fiscalização. O que estiver errado não pode prosperar. Nós vemos de forma muito intensa, durante um longo período da história recente de Florianópolis, uma liberdade bastante grande para o parcelamento e a construção clandestina. Fiz essas observações que você citou porque, em razão da insuficiência da fiscalização, estão pululando obras irregulares em todo o território do município. E não se tratam apenas de casas que podem ser demolidas com facilidade. Estamos falando de prédios de 4, 5 ou 6 andares. Muitos, inclusive, sobre área de preservação permanente e com ligações de luz e esgoto, às vezes clandestinas e às vezes, pasmem, oferecidas, pelas concessionárias criminosamente. E essas construções produzem um impacto muito negativo na cidade. Porque onde houver adensamento não planejado a gente vai ter insuficiência no fornecimento de energia elétrica, de água tratada, tratamento de esgoto e, por consequência, aumento de poluição dos cursos d´água. Aliás, estamos tendo e teremos supressão de cursos d´água, porque é frequente perceber que construções são realizadas em cima de cursos.
Dos quase 400 projetos de denominação de rua que tramitam atualmente na Câmara da Capital a grande maioria são referentes a áreas urbanas consolidadas. O Ministério Público entende que nem essas podem ser aprovados, certo?
Sim, nem essas. Não podem receber o nome por parte do Poder Legislativo. Por quê? O Legislativo, e não há dúvida quanto a isso, tem competência para dar nome de rua. Faz parte das competências de qualquer câmara municipal, seja por sua iniciativa ou por provocação do prefeito, aprovar a denominação de nome de rua. O que não cabe ao Legislativo é receber vias públicas que não sejam oficiais. Isso é ilegal. Como é que se dá a criação de ruas oficiais? Por diversas formas: seja por loteamentos aprovados e registrados, seja por usucapião, desapropriação e tantas outras formas de aquisição originária da propriedade pelo poder público. Todas essas formas de aquisição passam por um processo administrativo, que vão desde o planejamento até a destinação delas.
Caso os vereadores acabem aprovando nomes de ruas em áreas irregulares, o que o MP-SC vai fazer?
O Ministério Público respeita profundamente a Câmara de Vereadores, toda a autonomia de decisões de um parlamento. Mas sempre há o controle da constitucionalidade e da legalidade dos atos legislativos. Entendemos que essa é uma prática que não pode ser considerada legal. Então se eventualmente houver a iniciativa de aprová-los o MP tende a combatê-los através dos mecanismos de questionamento da legalidade desses atos. Como são atos que podem ser classificados de efeito concreto, podem ser combatidos por ações civis públicas.
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