O Código Ambiental de Santa Catarina, sancionado na segunda-feira, causou tanta repercussão que o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, e o governador do Estado, Luiz Henrique da Silveira (PMDB), ameaçaram ontem usar forças federais e estaduais um contra o outro.
Minc determinou aos fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) que ignorem a lei catarinense, multem e prendam agricultores e quem mais seguir as determinações do código estadual. Em resposta, Luiz Henrique avisou a Minc, por ofício, que usará a polícia para proteger os cidadãos do Estado.
O código de Santa Catarina é, no momento, o terror dos ambientalistas. Enquanto o Código Florestal federal exige que o produtor preserve 30 metros de mata ciliar em pequenos rios e córregos, o catarinense diz que as propriedades acima de 50 hectares terão de manter apenas 10 metros de mata. Já as menores de 50 hectares podem deixar a mata ciliar com apenas cinco metros.
Minc disse que pediu à Advocacia-Geral da União (AGU) que requeira ao Supremo Tribunal Federal (STF) a declaração de inconstitucionalidade da lei catarinense.
– Essa lei é inconstitucional. O Brasil não é os Estados Unidos, em que cada Estado faz a sua lei. Há uma legislação federal e ela tem de ser cumprida – disse Minc.
O governador de Santa Catarina também quer que o assunto vá parar no STF. Ele acha que a Suprema Corte, provocada, vai enfim dizer o que vale e o que não vale no Código Florestal Brasileiro, uma medida provisória nunca votada (MP 2.166/67, de 2001, reeditada 67 vezes). Luiz Henrique afirma que Santa Catarina tem peculiariedades diferentes dos demais Estados, pois só tem minifúndios e, em muitos casos, agricultores e pecuaristas já avançaram pela mata ciliar, prática que vem do século 19.
Ao saber das ameaças de Carlos Minc, Luiz Henrique enviou ontem um ofício ao ministro do Meio Ambiente. Acusou-o de agir como “um ministro da ditadura”.
“A declaração de Vossa Excelência só pode ser atribuída aos ministros do regime ditatorial, não a um ministro de um governo democrático”.
No mesmo ofício, e apesar do clima de clara beligerância, Luiz Henrique convidou Minc a visitar o Estado.
“Conhecendo a nossa realidade, e os prejuízos que a lei federal vêm impondo à produção agropecuária catarinense, bem como a geração de emprego e renda no campo, Vossa Excelência aplaudirá o nosso código. que compatibiliza o desenvolvimento com proteção ambiental.”
Stephanes teme nova legislação federal
O ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, apresentou ontem ao presidente do Senado, José Sarney, dados de estudos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) que mostram que as lavouras de arroz, feijão, milho e soja ocuparam menos de 7% do território nacional.
O ministro argumentou que se todos os itens do novo Código Florestal forem cumpridos a atividade agrícola seria inviabilizada na maioria das regiões do país.
– O que não entendemos é por que há tanta discussão em torno disso (da ocupação de terras pela agricultura) – afirmou ele, durante o encontro com Sarney.
O chefe da Unidade de Monitoramento por Satélite da Embrapa Campinas (SP), Evaristo Eduardo de Miranda, acompanhou o ministro no encontro. Stephanes apresentou a Sarney um vídeo com informações sobre estudos estratégicos realizados sobre o território nacional.
O trabalho, explicou Stephanes, traz um detalhamento sobre as áreas de reserva, áreas de recuperação de encostas, áreas que ainda estão sendo solicitadas por indígenas, por quilombolas, e outras áreas, e sobre o quanto daria de ocupação do território nacional.
O estudo foi feito pelos pesquisadores da Embrapa de Campinas, que mapearam toda a área existente em termos de ocupação territorial. O levantamento indica que, somadas as áreas para reservas indígenas, terras legais, áreas de Preservação Permanente (APP) e preservação de biodiversidade alta, restariam apenas 23% do território nacional para serem explorados.
Ministro evita opinar sobre a lei catarinense
O ministro voltou a defender a rediscussão da ocupação do território nacional.
– Tem que ser rediscutida a ocupação do território nacional para se definir exatamente o que cabe à agricultura, o que cabe às cidades, como se daria essa ocupação. Porque, se a legislação atual for cumprida integralmente, não teríamos mais território nacional para ser usado – afirmou.
Procurado pela reportagem do Diário Catarinense, o ministro Reinhold Stephanes não quis se manifestar oficialmente sobre o Código Ambiental de Santa Catarina.
A assessoria de imprensa do ministério informou que, na segunda-feira, o ministro afirmou que a questão diz respeito ao Estado, e que preferia não opinar. Teria afirmado, ainda, que responde pela pasta da Agricultura, e não é ministro do Meio Ambiente.
Ministérios Públicos vão contestar artigos
O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) e o Ministério Público Federal (MPF) preparam representações contra artigos do Código Ambiental sancionado segunda-feira pelo governador Luiz Henrique da Silveira. No campo, órgãos de fiscalização e de licenciamentos ambientais também estudam como atuar diante das divergências entre o Código Estadual do Meio Ambiente e o Código Florestal Brasileiro.
As representações dos ministérios púbicos estadual e federal serão encaminhadas com a sugestão de que a Procuradoria da República entre com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para invalidar artigos do código catarinense. Os ministérios públicos Federal e de Santa Catarina ainda não decidiram se farão a representação juntos ou não.
Segundo a procuradora Analúcia Hartmann, a representação do MPF deve ser concluída até segunda-feira. Além disso, a procuradora recomendou à Fundação do Meio Ambiente (Fatma) que não utilize as regras estabelecidas pelo código estadual.
Órgãos são orientados a seguir legislação federal
O coordenador-geral do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente do Ministério Público catarinense, promotor Luis Eduardo Souto, lembrou que o MP/SC sugeriu ao governador o veto de 21 artigos da lei ainda antes da sanção do código. Como não foram atendidos por parte do governador, o Ministério Público recomendou às polícias Militar e Militar Ambiental, aos conselhos Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea), de Biologia e do Meio Ambiente de Santa Catarina (Consema), além da Fatma, que mantenham as atividades com embasamento na legislação federal.
Os principais pontos de inconstitucionalidade apontados pela procuradora Analúcia Hartmann dizem respeito ao conceitos de recursos naturais, a metragem de preservação ao longo de rios e cursos d’água e aos campos de altitude. Para ela, a diferença nos conceitos e a mudança nas metragens trazem riscos à preservação. Analúcia explica ainda que os campos de altitude só existem em Santa Catarina, e suas alturas foram alteradas sem fundamento técnico no código.
– O Ministério Público não quer inviabilizar a produção, mas legitimar as atividades dentro das regras constitucionais – destacou o promotor Luis Eduardo Souto.
Ele ressaltou, no entanto, que, para as atividades econômicas seguirem, não é necessário criar regras genéricas. Para ele, as soluções pontuais, em cada propriedade, com flexibilização de regras ambientais temporariamente onde há problemas para a atividade do pequeno produtor, geram adequações mais coerentes do que a abertura das normas a todos, como o código sancionado na segunda-feira.
A fiscalização
> A Fundação do Meio Ambiente (Fatma) orientou todos os coordenadores regionais para que as demandas que possam gerar conflitos entre o Código Ambiental e Código Florestal devam passar pela análise da procuradoria jurídica. A medida visa a precaução para procedimentos administrativos e até possíveis responsabilizações funcionais, criminais e civis. O presidente da Fatma designou o procurador jurídico Luiz César Ferreira para as análises.
> A posição da Polícia Militar Ambiental nas questões que gerarem conflito entre o Código Ambiental e o Código Florestal será definida pelo comando da Polícia Militar. Depois de recebido o documento pelo Ministério Público, a procuradoria jurídica e o comando da Polícia Militar Ambiental vão se reunir para decidir o posicionamento.
> O Ibama anunciou que seguirá a recomendação do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. Para o superintendente do órgão no Estado, Américo Ribeiro Tunes, o código é inconstitucional e as fiscalizações serão mantidas conforme as leis federais.
As mudanças previstas pelo Código Ambiental de SC
O que previa a legislação anterior vigente no Estado e o que muda com a lei assinada na segunda-feira
> Áreas de Preservação Permanente (APPs): são consideradas como APPs as florestas e as demais formas de cobertura vegetal localizadas ao longo dos rios ou de qualquer curso de água, em banhados de altitude, nas nascentes e no topos de morros e de montanhas.
Antes: o Código Florestal Brasileiro determina um recuo mínimo de 30 metros a partir das margens, sem distinção entre pequenas e grandes propriedades.
Agora: fica determinado que a largura de APP ao longo dos rios ou de qualquer curso de água tenha o limite de cinco metros para propriedades de até 50 hectares. Acima desse patamar, o menor recuo será de 10 metros, podendo variar de acordo com estudos técnicos elaborados pela Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) que justifiquem a adoção de novos parâmetros. A matéria não autoriza a supressão de vegetação.
> Programa de Pagamento por Serviços Ambientais: programa que possibilita remuneração aos proprietários que prestam serviços ambientais à sociedade e ao meio ambiente, como por exemplo, a proteção da água, do solo e da biodiversidade.
Antes: inexistente.
Agora: o programa será regulamentado por lei específica. Pelo projeto, o Poder Executivo tem 180 dias a partir da sanção para enviar a matéria à Assembleia Legislativa.
> Jaria: a Junta Administrativa Regional de Infrações Ambientais é o órgão julgador intermediário entre a Fatma e o Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema).
Antes: inexistente.
Agora: da decisão da Jaria cabe recurso ao Consema. A junta será composta por um representante da Fatma, um da Polícia Militar Ambiental, um da Secretaria de Desenvolvimento Regional relativa à unidade regional da Fatma e três representantes do setor produtivo. A Jaria será presidida pelo representante da Secretaria de Desenvolvimento Regional correspondente, que terá voto de desempate.
> Campos de altitude: vegetação típica de ambientes montanhosos, encontrada geralmente nas serras de altitudes elevadas e nos planaltos.
Antes: segue resolução do Conselho Estadual do Meio Ambiente.
Agora: estabelece que nas altitudes acima de 1,5 mil metros ficam permitidas como atividades econômicas a pecuária e outras ligadas ao turismo sustentável. Em um altitude superior a 1,8 mil metros será considerada Área de Preservação Ambiental (APA) toda e qualquer vegetação existente.
> Licenciamento ambiental: procedimento administrativo que licencia a localização, instalação, ampliação e operação de empreendimentos ou atividades utilizadoras de recursos ambientais.
Antes: não existia determinação de prazo para concessão do licenciamento.
Agora: na concessão da Licença Ambiental Prévia (LAP), o prazo máximo será de três meses, a contar do protocolo do requerimento. Para empreendimentos de pequeno impacto ambiental será adotado o licenciamento ambiental simplificado, devendo ser realizado no prazo máximo de dois meses (60 dias).
Área Consolidada: é a área na qual existem atividades agropecuárias e pesqueiras de forma contínua.
Antes: não havia regras.
Agora: a lei sancionada segunda-feira estabelece regras que indicarão, em casos específicos, medidas que abrandem e permitam a continuidade das atividades existentes nestas áreas.
> Parcelamento do solo: foram suprimidos da lei os artigos que tratavam do parcelamento do solo. Como não houve debate nas audiências públicas realizadas em 2008, o relator do projeto entendeu que a questão é contemplada pelo Estatuto das Cidades e Plano Diretor.
(Lilian Simioni, DC, 15/04/2009)
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