Michele Dechoum, professora do Departamento de Ecologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), foi uma dos 46 autores do comentário técnico “Comment on ‘The global tree restoration potential’” publicado nesta sexta-feira, 18 de outubro, pela Revista Science. O artigo, liderado por Joseph Veldman da Universidade A&M do Texas, pede cautela ao reflorestamento.
O grupo de cientistas ressalta que o plantio de árvores para reduzir as mudanças climáticas tem sido tratado de maneira exagerada em pesquisas recentes, uma vez que o plantio de árvores em locais errados pode destruir ecossistemas e, ao contrário do imaginado, pode agravar o aquecimento global.
O contraponto é feito em referência a outro artigo, também publicado pela Science, de autoria do ecólogo Jean-François Bastin, do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça, em que se sugere o plantio de árvores como solução às mudanças climáticas.
Segundo Dechoum o alerta dos 46 pesquisadores faz refletir justamente sobre o plantio descontrolado de árvores em ecossistemas que não comportam esse tipo de vegetação. “O plantio de árvores ajuda bastante, mas têm ecossistemas em que plantio de árvores pode trazer mais malefícios do que benefícios, em especial em ecossistemas que são campos naturais, ou seja, em vegetações em que naturalmente não há árvores”, diz ela.
Na crítica, Veldman e os colaboradores demonstram que a pesquisa suíça teve sérias falhas metodológicas, que levaram a uma superestimativa em cinco vezes do verdadeiro potencial de novas árvores para mitigar as mudanças climáticas. Ainda, a pesquisa suíça é vista como prejudicial ao meio ambiente.
“É fundamental combater as mudanças climáticas, mas plantar árvores não é a única solução. Além das mudanças no nosso dia-a-dia como, por exemplo, reduzindo a liberação de combustíveis fósseis no deslocamento diário, é preciso que o cidadão tenha um olhar para ecossistemas não florestais, que tenha uma biodiversidade e que são muito importantes para a captura de carbono”.
Compreender a relevância desses ecossistemas para a captação de carbono é fundamental para a sua conservação. Veldman destaca ainda que “os campos e as savanas, incluindo o cerrado, contêm imensa biodiversidade, que co-evoluíram por muitos milhões de anos e que prestam serviços importantes à humanidade, como a oferta de forragem para animais de criação e a recarga das reservas de água subterrânea. Ficamos preocupados que um foco míope no plantio de árvores reduza a capacidade real das pessoas de se adaptarem às mudanças climáticas. Poucas pessoas percebem que em algumas regiões, como nos ecossistemas boreais e montanos, a adição de árvores pode realmente levar a mais aquecimento”.
No Brasil, a cobertura vegetal original de quase um terço do país é de campo e savana, principalmente nos biomas Cerrado, Pampa e Pantanal. Estes ecossistemas possuem uma biodiversidade comparável a das florestas e fornecem importantes serviços ecossistêmicos. Os pesquisadores brasileiros envolvidos em estudos de preservação de ecossistemas destacam a necessidade de investir na restauração dos campos e savanas do país. “É preciso que conservemos esses ecossistemas para que eles consigam fazer o papel que já estão fazendo, captura de carbono e importantes mananciais de água. Os campos naturais são ecossistemas importantes, por isso precisamos de estratégias para conservá-los”, frisa Dechoum.
A participação da pesquisadora da UFSC neste trabalho é em decorrência da sua área de pesquisa, como o projeto sobre invasão biológica e conservação realizado na Universidade. Em estudos anteriores, Dechoum apontou a importância de restaurar diferentes ecossistemas de acordo com o que faz parte dele: não restaurar o campo natural plantado árvore, por exemplo. “No artigo publicado hoje (18/10), o grupo de pesquisadores entende e defende a importância de ecossistemas que não são florestais. Estamos preocupados para que a restauração seja feita de maneira adequada, pois entendemos que nem todo lugar deve ter árvore, pois diferentes ecossistemas armazenam carbono de diferentes maneiras”, explica ela, revelando que é preciso restaurar da maneira correta, respeitando a estrutura, as espécies e a fisionomia dos ecossistemas.
Participaram da pesquisa, além de Michele Dechoum da UFSC, outros cinco pesquisadores brasileiros: Alessandra Tomaselli Fidelis, da Universidade Estadual Paulista; Fernando Silveira, da Universidade Federal de Minas Gerais; Gerhard Ernst Overbeck, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Giselda Durigan, do Instituto Florestal São Paulo; e Isabel Belloni Schmidt, da Universidade de Brasília.
Confira o comentário técnico de Veldman e coautores publicado pela Science: “Comment on ‘The global tree restoration potential’.
Invasões biológicas
O Laboratório de Ecologia de Invasões Biológicas, Manejo e Conservação (Leimac), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ecologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), desenvolve estudos e atividades de extensão sobre invasões biológicas. Um dos projetos de extensão conta com a ajuda de voluntários em busca da restauração de paisagens e ecossistemas no Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição, em Florianópolis. O propósito é realizar o manejo de pinus invasores, árvores exóticas que comprometem a biodiversidade do local. As árvores da espécie Pinus elliottii são nativas do Hemisfério Norte e foram trazidas para Florianópolis por meio de uma política pública dos anos 1960. Hoje, o assunto é tratado como invasão biológica, pois as sementes se espalham facilmente e comprometem a vegetação nativa e seus ecossistemas.
Nicole Trevisol / Jornalista da Agecom / UFSC
Imagens: Divulgação / Laboratório de Ecologia de Invasões Biológicas, Manejo e Conservação (Leimac)
(UFSC, 18/10/2019)
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