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Na região central de Florianópolis, elas estão por toda parte. Em movimento nas ciclovias da Avenida Beira-Mar, nas proximidades de paradas de ônibus ou estacionadas em frente a lojas.

As patinetes elétricas compartilhadas, acionadas por meio de aplicativo, chegaram à Capital no fim do ano passado e, em uma cidade com trânsito intenso em diferentes horários do dia, ganharam a atenção dos usuários. Tornaram-se uma nova alternativa para se deslocar com agilidade por trechos curtos.

As regras sobre a utilização desses equipamentos são recentes e geram dúvidas quando comparadas ao que já está estabelecido nas leis de trânsito. Há um decreto municipal, de dois meses atrás, que trata do tema na Capital. Ainda há um projeto de lei estadual que começou a tramitar na semana passada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), e que pretende regulamentar o uso de patinetes elétricas em todo o Estado.

Como ocorre em Florianópolis, a dificuldade de mobilidade e as vantagens dessa nova alternativa de transporte abriram espaço para as patinetes também em outras capitais brasileiras. Em São Paulo, um decreto municipal criou regras por um período inicial de 90 dias – a fiscalização está em prática desde quarta-feira.

No primeiro dia do decreto em vigor, 500 patinetes foram apreendidas pela prefeitura, que alega que nenhuma empresa efetuou cadastro para o aluguel dos equipamentos. A empresa informou que questiona as ações da prefeitura na Justiça.

No Rio de Janeiro, o alto número de acidentes chegou a fazer com que uma das empresas que oferecem o serviço suspendesse a atuação no início de maio. Na Câmara dos Deputados, quatro projetos de lei diferentes foram desde abril para buscar a criação de normas para o tráfego desse e de outros veículos elétricos, como bicicletas, no país. Eles foram anexados a duas propostas que estavam em análise.

Como o assunto é tratado no exterior

O assunto se estende também a grandes metrópoles mundiais. Em Nova York, Estados Unidos (EUA), existem projetos para permitir o sistema de compartilhamento, mas hoje ele é proibido. O argumento é o risco à segurança dos usuários pelo excesso de veículos na cidade.

Em Paris, o governo vai vetar a partir de setembro a circulação desses veículos nas calçadas, sob pena de multa, e criar regras específicas para a prática. Também na Europa, o parlamento alemão aprovou no último dia 17 uma lei que permite o uso do equipamento, desde que ocorra em ciclovias.

Já em Londres, na Inglaterra, a patinete ainda é considerada como um veículo, o que exige registro e placa, e até o momento deve ser usada apenas em áreas particulares.

No caso de Santa Catarina, se projeto de lei estadual for aprovado, poderá disciplinar o uso também para patinetes particulares. Um exemplo da necessidade de estabelecer diretrizes para o tema é Balneário Camboriú, onde no início do ano o uso desses meios de locomoção provocou uma disputa de espaço na ciclofaixa da Avenida Atlântica. A prefeitura prepara uma regulamentação municipal.

Em Florianópolis, por ora, a empresa Grin é a única que opera o aluguel de patinetes elétricas compartilhadas, que chegaram à cidade no fim do ano passado. A companhia se posiciona a favor da regulamentação e garante estar em constante contato com órgãos responsáveis para definir normas que favoreçam as cidades. Após o decreto municipal, o próximo passo é a discussão da legislação sobre o tema com validade para todas as cidades catarinenses.

Cidades se adaptam a uma nova realidade

O professor do departamento de Administração Pública da Udesc Esag, Daniel Pinheiro, é responsável por uma pesquisa que busca identificar os hábitos dos moradores de Florianópolis quando o assunto é mobilidade urbana. Ele avalia que a patinete elétrica pode ser uma boa alternativa para distâncias curtas, como de ponto de ônibus para casa ou até o local de trabalho.

O principal problema, segundo ele, é que a novidade chegou muito rápido e as cidades não estão preparadas. Com isso, muitas pessoas começaram a utilizar e os acidentes se tornaram mais frequentes. Segundo ele, à medida em que as patinetes avançam para os bairros, onde precisam dividir espaço de calçada e das ruas com pedestres e carros, as preocupações começam a aumentar.

— Quando isso ocorre em excesso, é preciso que o poder público intervenha. A patinete é, sim, um facilitador de mobilidade, mas tem que ter certa cautela de não dizer que é a solução. A segurança das pessoas também precisa ser entendida.

Pinheiro acredita que as patinetes poderiam ser uma solução interessante para as ruas centrais de Florianópolis, mais estreitas, caso houvesse alguma restrição ou circulação menor de carros. Ele também aponta que o modelo exige o mínimo de regulamentação para disciplinar, por exemplo, o lugar em que o usuário precisa deixar o equipamento.

Decreto já regulamenta serviço em Florianópolis

Em 28 de março, a prefeitura de Florianópolis publicou um decreto em que regulamenta a utilização de patinetes elétricas na cidade. Pelas regras em prática, os usuários devem obedecer a critérios como o embarque de apenas uma pessoa, cadastro só a maiores de 18 anos para liberação do equipamento e supervisão de responsável para menores de 16 anos que fizerem uso.

O texto municipal prevê que as empresas precisam estar cadastradas junto ao município – etapa que ainda não foi concluída. Atualmente, esse assunto é discutido por um grupo de trabalho que envolve o Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis e as secretarias de Mobilidade e Esporte e Superintendência de Serviços Públicos da Capital, com apoio da Procuradoria-Geral do Município.

Outra diferença para o projeto de lei estadual é que, pela regulamentação municipal, é possível trafegar com patinetes na calçada, mas com velocidade de até 6 km/h – como estabelecido nas resoluções do Contran.

Passados dois meses da regulamentação em Florianópolis, a prefeitura informa que os principais problemas ainda registrados são o mau uso do espaço público, o desrespeito às regras de idade e a prática nos passeios em velocidade incompatível com a legislação. No entanto, o secretário de Transporte e Mobilidade Urbana, Michel Mittmann, considera que houve melhora em pontos como o diálogo com as empresas.

A regulamentação municipal não menciona a possibilidade de aplicar sanções aos usuários das patinetes, mas sim às empresas. O projeto de lei estadual também estipula normas para as empresas, sem referência aos condutores das patinetes.

Dificuldade para registrar incidentes

A reportagem questionou diferentes órgãos sobre registros de acidentes envolvendo estes tipos de aparelho nos primeiros meses de serviço por aplicativo na Capital. Mas eventuais incidentes, se acontecem, ainda passam à margem das estatísticas.

A prefeitura e a empresa que opera o transporte alternativo informam não contabilizar essas ocorrências. O Corpo de Bombeiros afirma não ter números específicos apenas de ocorrências que envolvam as patinetes, e a Guarda de Trânsito da Capital não repassou informações.

A Polícia Militar e os hospitais Governador Celso Ramos e Regional de São José informaram não ter registrado incidentes com envolvimento de patinetes.

— A orientação (em caso de acidentes) é a realização de boletim de ocorrência na Polícia Militar para que fiquem claras as responsabilidades. O que se pede é educação e respeito ao pedestre — pontua o secretário de Transporte e Mobilidade Urbana de Florianópolis, Michel Mittmann.

Apesar dos órgãos acima não apresentarem registros, as patinetes já tiveram acidentes na Capital. No início de abril, um servidor da UFSC voltava de bicicleta do trabalho na Avenida Beira-Mar quando, para desviar de uma criança que, segundo ele, estava em um grupo com outros quatro menores a bordo de patinetes na ciclovia, acabou caindo e fraturando o punho. Ele precisou ficar 45 dias afastado do trabalho e registrou um boletim sobre o caso na Polícia Civil.

A orientação é a realização de boletim de ocorrência na PM para que fiquem claras as responsabilidades em caso de acidentes.

Michel Mittmann, secretário de Transporte e Mobilidade Urbana de Florianópolis

O que diz o projeto de lei que tramita na Alesc

Pelo texto apresentado na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), em tramitação, o uso dos equipamentos, seja por aplicativo ou particulares, somente poderia ser feito em ciclovias e ciclofaixas, como já determinam as resoluções 315 e 465 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), que estabelecem normas gerais sobre veículos individuais elétricos.

Além disso, conforme a proposta apresentada na Alesc, o usuário poderia circular também em vias com velocidade permitida de até 60 km/h. O limite para patinetes, porém, é de no máximo 20 km/h, em qualquer uma dessas vias, tanto de acordo com o Contran quanto com o texto da proposta.

Pelo novo projeto, as calçadas ficariam fora do espaço de uso para patinetes, a exemplo do que já ocorreu em cidades como São Paulo, embora a norma do Contran permita o tráfego em passeios de pedestres, desde que em velocidade de até 6 km/h.

A proposta de regulamentação prevê ainda a limitação de apenas uma pessoa sobre o equipamento por vez, algo que já faz parte do termo de uso das companhias, e também a contratação de um seguro pela empresa para cobrir desde danos contra terceiros até eventual morte, acidente ou invalidez.

Outras exigências são equipamentos como velocímetro, farol, sinalização noturna e capacetes – um dos pontos polêmicos na discussão –, e que precisariam ser disponibilizados pelas fornecedoras do serviço.

A justificativa para a iniciativa no Estado

O deputado estadual Luiz Fernando Vampiro (MDB), autor do projeto de lei, argumenta que a intenção é padronizar as normas para uso de patinetes em todo o Estado.

— Apresentei o projeto porque entendi que poderia contemplar todas as cidades catarinenses. Se não fosse assim, daqui a pouco cada cidade começa a fazer uma. Uma empresa vai operar em Blumenau, seria um contrato. Em Joinville, outro. A disciplina tem que ser para o Estado todo.

Qual legislação vale em casos que levantem dúvidas

Com uma regulamentação municipal em vigor na Capital sobre o transporte elétrico e, agora, um projeto de lei estadual sobre o mesmo tema, surge a dúvida sobre qual deveria prevalecer no município em caso de aprovação da nova proposta pela Alesc.

O especialista em Segurança no Trânsito e membro da Câmara Temática de Esforço Legal do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), que analisa os projetos de lei federal relacionados a trânsito, Emerson Andrade, alerta que a competência para legislar sobre a circulação de veículos não caberia aos Estados, e sim aos municípios.

— Quando os municípios eventualmente se omitem, o Estado tende a criar uma regra. Nesse caso, ele não tem competência para isso, mas também não pode deixar do jeito que está. No município que tem regras claras, segue-se a regra do município, e onde não se estabeleceram normas, segue-se a regra geral, que seria a do Estado — explica o especialista.

O deputado autor da proposta, Luiz Fernando Vampiro, questiona essa interpretação e afirma que, por não se tratar de um transporte regular, e sim de um modelo alternativo, sem placas, pode haver legislação municipal e também estadual.

O presidente da Comissão de Transportes e Mobilidade Urbana da OAB de Santa Catarina, Guilherme Elmar Heineck Andriani, acredita que, por ser um assunto ainda sem regulamentação em muitos lugares, não haveria problema de que as leis partissem do Estado.

No entanto, ele admite que pode haver uma discussão futura sobre a competência do Estado para legislar sobre este tema.

Caso a proposta estadual seja aprovada, o advogado explica que não haveria hierarquia de leis nos municípios que também tiverem regulamentação – uma complementaria a outra. Em resumo, nas normas em que houver conflitos, prevaleceria a lei municipal, por ser de interesse local. Onde uma lei determinar alguma restrição e a outra for omissa sobre este ponto, a norma segue valendo.

Empresa apoia regulamentação

A Grow, holding responsável pelas marcas Grin, de compartilhamento de patinetes elétricas, e Yellow, que também está presente em Florianópolis com aluguel de bicicletas, foi questionada pela reportagem sobre as regras criadas e propostas para esses transportes na Capital e em todo o Estado.

Por meio da assessoria, a empresa afirma que “apoia a regulamentação do uso das patinetes elétricas e que está em constante contato com os órgãos competentes para a construção de uma regulação que seja benéfica para as cidades”. Sobre o projeto de lei estadual, a companhia diz estar em fase de análise da proposta.

A Grow não divulga o número de equipamentos em operação na cidade. Embora não contabilize acidentes por não ter acesso a todas as ocorrências, argumenta que “99,9% das viagens não recebem qualquer notificação de acidente” e que a empresa busca divulgar as boas práticas no uso de patinetes.

Em São Paulo, a fornecedora oferece duplas de educadores nos pontos de maior uso para orientar usuários sobre as patinetes. Embora tenha criticado a obrigatoriedade de capacetes criada na regulamentação em SP e que também é proposta para SC, a companhia alega que distribui este equipamento nacionalmente em um programa que já ofertou 2 mil unidades e, até dezembro, deve doar mais 20 mil a usuários.

Em nota, a Grow lista 10 regras para a utilização das patinetes elétricas (veja abaixo), e defende quatro pilares para que o uso seja seguro: mais ciclovias, menos velocidade dos carros, mais orientação por parte das empresas e mais cuidado por parte dos usuários.

As regras para uso de patinetes elétricas em SC

Confira detalhes das legislações vigentes e a que está em tramitação na Alesc

1) Contran:

O que diz as resoluções 315 e 465 do Contran sobre a circulação de patinetes em locais em que não há regulamentação:

– Uso permitido em ciclovias e ciclofaixas, com velocidade máxima de 20 km/h, e também em áreas de circulação de pedestres, mas com velocidade de até 6 km/h.

– Uso de indicador de velocidade, campainha, sinalização noturna, dianteira, traseira e lateral.

Fiscalização e responsabilidade

– A resolução determina que a fiscalização cabe aos órgãos de trânsito dos municípios.

– A regra é anterior ao sistema de aluguel e não fala sobre responsabilidade de empresa ou usuário. Neste caso, cabe ao condutor circular nos locais corretos indicados.

2) Decreto em vigor

Em Florianópolis

– Mesmas normas de circulação das resoluções do Contran.

– Idade mínima de 18 anos para cadastro do usuário pela empresa. Em caso de utilização por pessoas menores de 16 anos, é necessária a supervisão de pais ou responsáveis, que assumem a responsabilidade em caso de acidentes.

– Uso de uma pessoa por vez.

– Necessidade de cadastro das empresas junto à prefeitura.

Fiscalização e responsabilidade

– Fiscalização cabe à Guarda Municipal de Trânsito.

– A responsabilidade sobre cumprir as regras de circulação compete às empresas e também ao usuário. Normas sobre uso individual, cadastro de condutores, normas de segurança e local de estacionamento dos equipamentos são atribuições das empresas.

3) Projeto de lei em tramitação na Alesc

Uso somente em ciclovias, ciclofaixas e vias públicas onde o limite para tráfego não ultrapasse 60 km/h, sempre com velocidade máxima de 20 km/h.

– Uso de indicador de velocidade e de sinalização noturna e dianteira na patinete.

– Uso de só uma pessoa por vez.

– Patinetes devem ser oferecidas com capacetes pelas empresas.

– Contratação de seguro obrigatório para eventual morte ou acidente, invalidez ou dano contra terceiros.

– Divulgação de telefone de contato com central 24 horas da empresa para informar sobre patinetes estacionadas em locais que atrapalhem a acessibilidade. Elas precisariam ser recolhidas em até duas horas.

Fiscalização e responsabilidade

– A fiscalização também caberia às guardas municipais ou aos órgãos de trânsito.

– O projeto considera responsabilidade das empresas promover a segurança, respeitar as leis de trânsito e informar o usuário sobre as regras.

Como são as regras em outros lugares

São Paulo (SP)

– Uso apenas em ciclovias, ciclofaixas e vias públicas, onde o limite de velocidade não ultrapasse 40 km/h. A velocidade máxima da patinete é de 20 km/h.

– A disponibilização de capacete pelas empresas é obrigatória.

– Multas de R$ 100 a R$ 20 mil a empresas que descumprirem as normas. Usuários podem responder civil, penal e administrativamente por descumprir as regras. Está prevista até a apreensão do equipamento.

Vitória (ES)

– Mesmas normas de circulação das resoluções do Contran.

– Idade mínima de 16 anos para uso do equipamento.

– Empresas devem informar normas aos usuários.

França (a partir de setembro)

– Uso em calçadas proibido, sob pena de multa.

– Tráfego permitido em ciclovias e estradas com velocidade máxima de até 50 km/h.

– Uso de fone de ouvido é proibido.

– Limite mínimo de oito anos para utilizar as patinetes. De oito a 12 anos, o capacete é obrigatório.

Alemanha

– Uso permitido em ciclovias e estradas, mas proibido em calçadas.

– Idade mínima de 14 anos.

– Velocidade máxima de 20 km/h.

Nova York (EUA) e Londres

l Nessas cidades, pela legislação atual, a circulação de patinetes elétricas não é permitida.

(DC, 02/06/2019)
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