Pescadores artesanais do Costão do Santinho, no norte da Ilha, não concordam com a decisão da Justiça Federal que determinou a demolição de restaurantes que funcionam junto aos ranchos na beira da praia. A sentença, publicada no dia 25 de setembro, permite apenas o funcionamento dos ranchos, que devem servir exclusivamente para guardar as embarcações e ferramentas de pesca.
O pescador Ademar Luiz Jorge, 67 anos, conta que ali trabalham mais de 50 pescadores com um total de sete embarcações (canoas a remo). Durante os meses de pesca, entre maio e julho, eles utilizam com exclusividade os ranchos e, no restante do ano, continuam no local para reparos de redes e barcos, mas dividem espaço com dois restaurantes administrados pelo Costão do Santinho Resort.
— Não entendemos porque a Justiça quer desmanchar isso. Aqui temos banheiros o suficiente para 50 homens, temos chuveiro, tudo o que precisamos — diz.
Seu Antonio Manoel Filho, 65, explica que os ranchos possuem toda a estrutura necessária para abrigar os pescadores durante todo o ano, mas principalmente na época de pesca, e que isso só é possível por causa dos restaurantes.
— Se fosse retirado o restaurante iria complicar porque eles ajudam muito a gente. Em outros ranchos, os pescadores não têm lugar adequado para fazer as necessidades, não tem água encanada e precisam montar a estrutura todos os anos e depois desmancham após a safra. Uma estrutura como essa aqui não teríamos como montar todos os anos.
Os ranchos são antigos, existem há cerca de 200 anos. Há 30, o Costão do Santinho Resort, já proprietário do local, reformou as estruturas, manteve a característica rústica, mas com infraestrutura para os pescadores e também para abrigar os restaurantes fora da temporada de pesca. Desde então, durante a safra da tainha o local é de uso exclusivo dos pescadores e fora desta época funciona a atividade comercial, que tem como atrativo a beira da praia e os próprios ranchos.
A decisão da Justiça Federal determina que o Costão do Santinho Resort e a Prefeitura de Florianópolis procedam com a demolição e desativação dos restaurantes em até 30 dias a partir da notificação. A multa pelo descumprimento da sentença é de R$ 10 mil.
A determinação é resultado de uma ação de cumprimento de sentença ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) em 2014. A promotoria contesta o uso compartilhado dos ranchos de pesca e restaurantes, que estaria descumprindo um acordo judicial firmado há mais de 20 anos pelo município, MPF e o Costão do Santinho Resort. O acordo permite apenas a manutenção dos ranchos na região, que hoje é considerada uma Área de Preservação Permanente (APP).
Na decisão, a juíza Marjôrie Cristina Freiberger, da 6ª Vara Federal de Florianópolis, entendeu que a permanência dos ranchos na beira da praia não autoriza o empreendimento a fazer uso da área de modo privativo. “Aliás, a existência de restaurantes no local impede a destinação natural dos ranchos de pesca. Essas edificações têm como propósito fomentar a pesca artesanal pela comunidade tradicional residente no bairro, o que em nada se assemelha a atividade desenvolvida pelos executados (exploração de restaurante no complexo turístico)”, diz a sentença.
De acordo com a assessoria de comunicação do município, a prefeitura é ré apenas solidariamente e deve cumprir a sentença uma vez que já foi notificada. O empreendimento também já recebeu a notificação.
CONTRAPONTO
A advogada do empreendimento, Rode Anélia Martins, explica que o acordo firmado há 20 anos não previa o uso dos ranchos para atividade comercial por parte do Costão do Santinho Resort, assim como também não continha nada que impedisse a atividade.
— Em momento algum esse debate, se pode ou não ter uso complementar, esteve no acordo judicial, isso é uma novidade. Tem uma regra no Direito que diz que tudo aquilo que não é proibido é permitido — afirma.
Ela alega que o uso compartilhado dos ranchos no local era permitido por lei municipal por ser uma área verde de lazer e, inclusive, o projeto de uso da área para atividade comercial foi aprovado pela prefeitura logo após ser firmado o acordo judicial, em fevereiro de 1998.
— O empreendimento sabia de antemão que poderia ser dado um uso admissível dentro do que o Plano Diretor permitia, e isso foi feito, só que também agregou e manteve o uso pela colônia de pesca. O que se utiliza aqui são os momentos ociosos e na temporada de verão. Os ranchos continuam guardando apetrechos de pesca e durante a pesca da tainha, nos meses de inverno, toda a atividade do restaurante cessa e o espaço é utilizado exclusivamente pelos pescadores — completa.
A defesa da empresa vai recorrer da decisão e pedir esclarecimentos por parte do judiciário. Segundo Rode, a decisão ficou confusa, pois ao mesmo tempo em que a juíza pede a demolição dos restaurantes, ela diz que os ranchos podem ser mantidos. Acontece que eles e os restaurantes funcionam no mesmo espaço, porém suas atividades são exercidas em período diferentes.
O proprietário do Costão do Santinho Resort, Fernando Marcondes de Mattos, diz que os restaurantes que funcionam no mesmo local dos ranchos são um dos principais atrativos do Resort e que seu fechamento vai impactar diretamente no turismo.
— Ficamos perplexos, isso aqui é o ponto alto do Costão, é um atrativo. Esperamos que a Justiça se sensibilize e mude esta decisão, estamos falando em mil empregos, que atinge de forma direta e indireta três mil famílias.
(Hora de Santa Catarina, 16/10/2018)
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