Quando Graciela Correa Fagundes, de 36 anos, conseguiu um emprego para o filho Tiago, de 17 anos, achou que se veria livre das preocupações sobre a ociosidade do rapaz. Com o trabalho durante o dia e a escola de noite, Tiago estaria distante das tentações do crime que rondam as comunidades carentes. O que Graciela não esperava é a tremenda dificuldade para encontrar uma instituição de ensino que acolhesse seu filho.
Moradora do entorno da comunidade do Siri, nos Ingleses, em Florianópolis, Graciela vai todos os dias à Escola de Educação Básica (EEB) Intendente José Fernandes na esperança de escutar dos funcionários que abriu uma vaga para Tiago. Menos mal que seus outros dois filhos – um de 10 anos e outro de dois anos – já estão matriculados na rede pública municipal.
– Preciso ocupar o Tiago. Consegui trabalho para ele durante o dia, agora estou tentando uma vaga para ele na escola à noite. Tenho ido lá todo dia para ver se abre alguma vaga. Eu quero que ele trabalhe e estude, que é pra não ficar muito solto, pensando bobagem sem ocupar o tempo – afirma.
A preocupação de Graciela não é à toa. O Atlas da Violência 2017, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, aponta que homens, jovens, negros e de baixa escolaridade são as principais vítimas de mortes violentas no país. Em estudo recente, o sociólogo Júlio Jacobo cruzou dados dos Atlas da Violência de 1998 a 2016 e mostrou, por exemplo, que a chance de um jovem com idade entre 15 e 19 anos e com apenas três anos de estudo morrer assassinado é 4.473% maior de quem estuda 12 anos ou mais.
– Essa situação da falta de vagas nas escolas acarreta em muitas outras situações, como, por exemplo, crianças sozinhas em casa porque os pais estão trabalhando. Não tendo escola, a criança fica sozinha ou apenas com o irmão, em grave situação de vulnerabilidade. A falta de vagas é uma violação dos direitos das crianças e adolescentes – critica a conselheira tutelar Olga Iung, que atua no norte da Ilha.
Solução das secretarias
Atualmente, são 17.458 matriculados na rede municipal (Fundamental) e 27.484 na rede estadual (Fundamental e Médio). Entre mães e pais que ainda procuram vagas para os filhos em todos os níveis de ensino – infantil, fundamental e médio –, o Conselho Tutelar do norte da Ilha contava com uma lista de mais de 200 pessoas no início da semana passada. Na última quarta-feira, 130 crianças foram matriculadas.
A Secretaria de Estado da Educação afirma que não há lista de espera no momento, ao passo que a Secretaria Municipal afirma que das 500 crianças e adolescentes que aguardavam por uma vaga desde janeiro, 430 tiveram a situação resolvida em Florianópolis. Além disso, aponta que a recorrente falta de vagas decorre do aumento populacional da cidade.
– O número de pessoas que chegam para morar no norte da Ilha é maior do que o número de crianças que nascem lá. É complicado, porque a fila sempre continua crescendo, mas obviamente não há nenhuma discriminação nesse particular. Atendemos a todos igualmente. A prefeitura está resolvendo a situação dos outros 70 estudantes para que todos comecem o ano letivo o mais rápido possível – afirma o secretário municipal Maurício Fernandes Pereira.
Mesma visão tem a Secretaria de Estado da Educação, que aponta como maior dificuldade o “crescimento urbano e populacional desordenado no norte da Ilha, que em virtude da especulação imobiliária na região não reservou áreas públicas para construção de equipamentos públicos como creches, escolas, postos de saúde, delegacias, etc”.
– Porém, mesmo assim, os estudantes não estão desassistidos. Caso o aluno não consiga vaga na escola próxima da sua residência ele é encaminhado para outra. Se houver necessidade os estudantes recebem vale-transporte gratuito para o deslocamento até esta unidade escolar – disse o diretor de articulação com os municípios Osmar Matiola.
Mães estudam acionar a Justiça
A dificuldade para encontrar uma vaga em escolas resulta em outro problema: a evasão escolar. Em 2013, por exemplo, uma pesquisa do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento mostrou que um a cada quatro alunos que inicia o ensino fundamental no país abandona a escola antes de completar a última série. O Brasil figurava no estudo com a terceira maior taxa de abandono escolar.
Este é o medo da técnica em enfermagem Luciana Silva Rangel, de 34 anos, moradora dos Ingleses. A filha Laura, de cinco anos, está matriculada em uma creche, mas Ana Clara, de 11 anos, não conseguiu vaga em nenhuma escola do norte da Ilha. Com salário médio de R$ 1.500 e gasto de R$ 1.100 de aluguel, Luciana não tem dinheiro para pagar uma escola particular.
– Eu vou procurar o Ministério Público, ver se tem jeito de matricular a Ana Clara. Não posso deixar uma criança do 7º ano fora da escola. Ela é muito estudiosa, passava a tarde comendo os livros, tem um monte de sonhos, desejos e vontades. Não posso deixar essa criança à mercê da prefeitura ou do governo estadual – afirma Luciana.
Patrícia do Amaral, de 39 anos, era vigilante em Caxias do Sul (RS). Depois de chegar em Florianópolis há alguns meses, tem feito bicos “do que aparecer” para bancar a criação dos filhos Dener, de três anos, e Valentina, de oito. Patrícia também estuda fazer uma representação no Ministério Público.
– É nosso direito como cidadão. Não tem coisa mais triste do que uma pessoa que não sabe ler e escrever. Nossos governos estão fazendo de tudo para a próxima geração ser refém da ignorância, querem criar um povo decadente e deprimido. O que vai ser da nossa população? – questiona Patrícia.
Direito garantido
As 15ª e 25ª Promotorias de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC) têm recebido as queixas de mães e pais que vivem em Florianópolis e ainda não conseguiram matricular seus filhos na rede pública de ensino. Ressaltam que a vaga em escola é direito constitucional de toda criança e adolescente.
“O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional estabelecem que a criança e o adolescente têm assegurado o acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência. Em casos de descumprimento desse dever pelo poder público, poderão ser tomadas medidas extrajudiciais e judiciais para assegurar esse direito”, informou em nota.
O MP afirma que durante todo o ano recebe queixas sobre a falta de vagas, mas que, naturalmente, no início do ano letivo o número de reclamações é maior. De acordo com a 25ª Promotoria de Justiça, que tem atribuição para atuar nos casos que envolvam escolas particulares e públicas estaduais, o maior gargalo é o norte da Ilha
“Há um número maior de pedidos de vagas para esta região. É importante frisar, nesse aspecto, que os pais ou responsáveis pelos estudantes devem procurar em primeiro lugar o próprio estabelecimento escolar. Somente em caso de não obtenção de vaga é que deverão procurar a Promotoria de Justiça de Defesa da Educação”, completa o MP em nota.
(Hora de Santa Catarina, 06/03/2018)
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