A aprovação, pela Assembléia Legislativa de Santa Catarina, de um código (anti) ambiental, contendo diversas inconstitucionalidades propostas pelo governo estadual, é, sem dúvida, um retrocesso na política ambiental e o testemunho do desconhecimento ou da tendenciosidade dos governantes.
Muitos deles desconhecem e não se deixam esclarecer sobre as relações profundas que existem entre um ambiente degradado e a baixa qualidade de vida; entre uma paisagem frágil mal cuidada e o aumento do risco de desastres naturais; entre a inexistência de florestas conservadas e biodiversas e a ocorrência de secas, enchentes e vendavais; entre a inexistência de matas ao longo dos rios e os prejuízos com enxurradas; entre solos expostos à erosão e perda de sua capacidade produtiva e conseqüente aumento dos custos de produção; entre nascentes degradadas e falta de água; e entre ambiente urbano e ambiente rural.
A única relação não ignorada e bem utilizada como argumento pelos proponentes do código (anti) ambiental é que a exploração dos recursos naturais gera riqueza, que, se bem dirigida, gera acúmulo de capital, o que é comprovado pelos índices. O crescimento econômico estadual, de 9% em 2008, o mais alto do país, caminha paralelamente à mais alta taxa de destruição da Mata Atlântica.
A população de Santa Catarina acabou de ser penalizada, portanto, com uma lei que, se implementada, não vai lhe trazer benefícios reais. Haverá, certamente, benefícios econômicos, para poucos, e sem sustentação ao longo do tempo, dadas as demais relações desconsideradas pela nova lei.
Durante a sessão da Assembléia Legislativa, em 31 de março, em que o código (anti) ambiental foi aprovado, a platéia foi surpreendida com a manifestação lúcida do deputado Édison Andrino (PMDB), que classificou o código como sendo rural e não ambiental, que isso consistia um equívoco, trazendo consigo uma série de problemas graves para Santa Catarina, difíceis de serem resolvidos. O deputado atribuiu o fato à própria composição atual da Assembléia Legislativa, cuja base eleitoral é predominantemente rural. Mesmo assim, ele votou a favor do código. A oposição oferecida pela bancada do PT, apoiada pelos movimentos sociais e ambientalistas, surtiu pouco efeito.
É importante que se diga, porém, que esse código não é uma iniciativa isolada do governo, tanto que vimos assistindo, de forma gradativa, a uma verdadeira “erosão” da política estadual de meio ambiente e das políticas associadas.
Recentemente a Assembléia Legislativa de SC aprovou lei que mutilou a área do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, criado pelo visionário governador Konder Reis, assessorado pelo Padre Raulino Reitz, emérito botânico catarinense, reduzindo-o a um mosaico de áreas de proteção ambiental, frágeis na conservação da biodiversidade. O governo sabe que havia e há recursos financeiros depositados por conta das compensações ambientais para a indenização das terras do parque, mas isso não foi efetivado. Aprovou também lei que facilita a instalação de pequenas centrais hidrelétricas, dando o direito do uso da água (que é um bem público) a empreendedores, sem considerar diretrizes do respectivo comitê de bacia hidrográfica, ao contrário do que prega a lei das águas.
A Fundação Ambiental de Santa Catarina (Fatma), um dos primeiros órgãos estaduais de meio ambiente do Brasil e que desenvolveu ações relevantes no passado, como o programa de despoluição do Rio do Peixe na década de 1980, vem sendo sucateada há muitos anos, tendo inclusive dirigentes acusados de corrupção.
Os resultados dessa “erosão” são também evidenciados através do inventário florestal de Santa Catarina, que mostrou, recentemente, a situação degradada dos fragmentos florestais remanescentes no planalto catarinense, do Rio Iguaçu ao Rio Pelotas, região que abriga, por exemplo, o município de Curitibanos, cidade do deputado Romildo Titon (PMDB), relator do projeto de lei do código (anti) ambiental.
O plano estadual de gerenciamento costeiro, que busca o uso mais harmônico do litoral catarinense em trabalho conjunto com os municípios costeiros, encontra-se praticamente desativado. A política estadual de saneamento, sancionada em 2006, não está sendo implementada. A política estadual de recursos hídricos, que data de 1994, vem sendo praticamente ignorada, principalmente no que diz respeito à participação e à descentralização, que são seus principais fundamentos. Provavelmente outros exemplos poderiam ser acrescidos a essa lista.
Enfim, se de um lado Santa Catarina no passado foi um estado inovador na criação de políticas voltadas à proteção do meio ambiente, o retrocesso na gestão dos recursos naturais e da proteção ambiental, nos últimos anos, tem sido sistemático, articulado e extensivo, apontando no sentido do subdesenvolvimento, produzindo um estado cada vez mais terceiro mundo, em que pese o desenvolvimento tecnológico de alguns setores, inclusive governamentais.
Embora seja duro admitir, a gravidade do desastre ambiental de novembro de 2008 no Vale do Rio Itajaí é fruto desse subdesenvolvimento, resultante das ações e omissões diárias de proprietários e governos no uso do solo urbano e rural. A Defesa Civil estadual, por mais modernizada e equipada, não tem outra função do que salvar as vidas humanas. A destruição, o sofrimento das pessoas, as perdas materiais, a perda de capacidade de produção de muitos ambientes, não tem como ser mitigada pela Defesa Civil nem pelo desenvolvimento tecnológico.
O planejamento do uso dos recursos naturais e da paisagem e um sistema de gestão ambiental eficiente são requeridos para uma verdadeira prevenção. Os cofres públicos estaduais engordaram em R$ 100 milhões ao longo de 2008, mas nada disso foi aplicado ainda em melhoria da estrutura da gestão ambiental estadual na região atingida.
Essa triste evolução remete ao livro Colapso, de Jared Diamond, que analisa as estratégias adotadas por povos em diferentes épocas da história, e que levaram ao seu sucesso ou fracasso, à sobrevivência ou ao extermínio. Trata-se de uma leitura recomendável e que pode vir a abrir os olhos do leitor interessado. Diamond mostra que a capacidade de uma sociedade de reagir, de dar respostas adequadas aos problemas enfrentados, é a chave do sucesso.
Portanto, ética, acima de tudo ética, inteligência, boa-vontade, educação e muito discernimento serão requeridos para conduzir a Santa e frágil Catarina em direção a dias melhores.
(Beate Frank e Lúcia Sevegnani , O Eco, 20/04/2009)
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