Por Juliana Gomes, de Florianópolis, especial para Gazeta do Povo Publicado em 14/02/2018)
Além de passar o dia pescando, o chef Narbal Corrêa serve iguarias, como ouriço do mar e ovas de tainha, moqueca de lagosta e receitas caseiras de família
Na segunda temporada da série Chef’s Table, do Netflix, o episódio dedicado ao cozinheiro Alex Atala causou alvoroço. Ao contrário dos outros chefs da série, o brasileiro mostrou que entende exatamente a origem dos ingredientes que usa na sua cozinha. Além de caçar, Atala mostrou que também pesca os próprios ingredientes e sabe identificar plantas exóticas no meio da Amazônia.
Em Florianópolis, o chef manezinho Narbal Corrêa vai além. A profissão de mergulhador subaquático, com direito a títulos no exterior, lhe conferiu uma enorme bagagem sobre tudo o que vem do mar. Narbal sabe com precisão a profundidade exata para pescar uma vieira, conhece toda a diversidade marinha presente no litoral catarinense e sabe identificar exatamente quando o mar está para peixe.
Por conta do mergulho, prática que aprendeu com a família, já morou nos Estados Unidos, Caribe e Mônaco e participou de diversos projetos de arqueologia subaquática no Brasil. Mas a cozinha surgiu na sua vida depois da pesca. Aos 24 anos, depois de uma infância e adolescência focadas em assistir à mãe e a avó na frente do fogão, começou a preparar pequenos jantares para ganhar uns trocados. Para Narbal, cozinhar sempre foi um meio de se sustentar para continuar pescando.
Além dos restaurantes que já teve na cidade, também atuou como consultor gastronômico e ainda realiza festivais e eventos fechados. Na Rita Maria Lagosteria, restaurante que comanda hoje ao lado da filha mais velha, no Centro de Florianópolis, o chef só vende frutos do mar frescos inspirados em receitas de família ou criações suas.
Entre os destaques da casa, estão os seis pratos à base de lagostas e outros que contam com a marca criativa. O tartar de peixe leva caviar de tapioca. No cardápio também se destacam a moqueca de lagosta, os mariscos à la crema e o festival de frutos do mar com lagosta. A decoração da antiga casa açoriana também é um dos pontos fortes do restaurante. Nas paredes, fotos e objetos que contam a história da relação entre o cozinheiro e o mar.
Confira a entrevista com o chef Narbal Corrêa
Por que as suas ostras gratinadas não levam queijo?
O queijo acaba com o gosto de qualquer fruto do mar. Se as pessoas comem algo gratinado, só se sente gosto de queijo. É um desperdício. Eu faço um gratinado com farinha panko, então você consegue sentir o frescor da ostra, o gosto de mar. E a ostra que eu sirvo não é de baía. Compro da Praia do Sonho, de Palhoça. A qualidade lá é outra.
Você disse que os peixes de Santa Catarina são os melhores. Por quê?
Os peixes mais saborosos gostam de água gelada. E nós temos as águas mais frias do Brasil. No Rio Grande do Sul os peixes são muito magros, têm pouca gordura. E onde tem gordura é que está o sabor. Eu também só compro e faço peixe que está com a boca fechada. Esses são os bons. E também tem que ser os peixes que se alimentam do que está acima deles. Corvina e bagre, por exemplo, comem o que está no fundo do mar, qualquer coisa, por isso, não são bons. Gosto de garoupa, um dos melhores peixes da nossa região, sem dúvida. Também sou fã do badejo, robalo, olho de boi, olhete, atum.
Quais os ingredientes locais que você mais gosta de usar na cozinha?
Sou especialista em ovas. Aproveito todas. Ovas de ouriço, camarão, lula, polvo, tainha.
Tem algum ingrediente que você nunca cozinhou mas tem vontade?
Patê de ouriço.
Agora eu inventei de querer fazer testes com caramujo. Eu sempre estou inventando alguma coisa. Mas ainda está muito longe de ficar bom. Vamos ver.
Você é o coordenador da confraria de chefs da ONG FloripAmanhã, responsável pelo projeto que levou a capital catarinense a ganhar a chancela de Cidade Criativa da Unesco na categoria Gastronomia. O que falta para a gastronomia de Floripa avançar mais?
Apoio político, sem dúvida. É um absurdo a gente ser proibido de servir o que pesca e sermos obrigados a comprar tudo da indústria por conta de um selo, uma certificação. Basta que haja fiscalização e pronto. Não faz o menor sentido o dono de um restaurante da Costa da Lagoa vender um peixe capturado a 17 mil quilômetros de Florianópolis, que não vai chegar fresco, e não poder servir o que ele acabou de pescar ali na frente. Estamos trabalhando pra mudar essa legislação, porque ela precisa valorizar o pescador artesanal.
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