Da Coluna de Fabio Gadotti (ND, 12/11/2017)
O presidente da Comissão de Direito Urbanístico da OAB-SC, Pedro de Menezes Niebuhr defende o reinício do processo de revisão do Plano Diretor, agora sob a égide do Ipuf, com planejamento estruturado para produção de um material técnico apropriado que dê “suporte aos diagnósticos, discussões e construção das soluções”. “Aprendeu-se muito com esse litígio, tanto no que deve quanto no que não deve ser feito”, afirma, referindo-se à ação civil publica do Ministério Público Federal que questionou a falta de participação popular na elaboração do anteprojeto. Com a decisão do Superior Tribunal de Justiça, na semana passada, o município voltou a ter autonomia para conduzir o assunto. “Em certo ponto, a visão de cidade do MPF estava sendo imposta aos planejadores urbanos do município que, pressionados para contemplar as alterações exigidas pela procuradoria, chegaram inclusive a recusar oficialmente a responsabilidade técnica pelo trabalho”, lembra o advogado. O professor da UFSC também pondera sobre a sentença dos ministros do STJ: “Não significa dizer que o tribunal considerou válido o processo legislativo que culminou com a aprovação do Plano Diretor, em 2014. Apenas entendeu que a prerrogativa para questionar o processo de planejamento não era do MPF”. Em entrevista exclusiva à coluna na semana passada, o superintendente do Ipuf, Ildo Rosa, disse que a prefeitura pretende começar a enviar à Câmara até o final do mês os primeiros projetos de lei para ajustes do plano.
Como a comunidade jurídica avalia a intervenção do Ministério Público Federal e da Justiça Federal no processo de revisão do Plano Diretor?
Pedro de Menezes Niebuhr – A percepção de parcela quase unânime dos colegas especialistas e atuantes na área é que a intervenção do Ministério Público Federal e da Justiça Federal foi equivocada, desde o início. O fundamento da ação judicial, tecnicamente, parece ser correto. O Plano Diretor de 2014 não foi participativo como determina o Estatuto da Cidade. Mas no meio jurídico sempre houve muita dificuldade em entender os fundamentos que levaram à definição da competência da Justiça Federal e ao reconhecimento da legitimidade do Ministério Público Federal para atuar nesse processo. Muitos dos advogados que atuam na área também não concordavam com a excessiva interferência judicial na definição da forma de como a participação popular deveria ser conduzida pelo município e no próprio mérito da atividade de planejamento urbano. Em certo ponto, a visão de cidade do Ministério Público Federal estava sendo imposta aos planejadores urbanos do município que, pressionados para contemplar as alterações exigidas pelo Ministério Público Federal, chegaram inclusive a recusar oficialmente a responsabilidade técnica pelo trabalho.
Qual lei está valendo?
Niebuhr – Diante da ausência de decisão judicial que suspenda ou declare a invalidade da Lei aprovada em 2014, ela remanesce integralmente válida. O Plano Diretor de 2014 deve ser aplicado pelo município nos licenciamentos e fiscalizações, até que seja editada uma nova lei, alterando ou substituindo o Plano de 2014, ou até que se instaure uma nova discussão judicial, promovida por autores legítimos e na instância competente, com nova decisão judicial de suspensão dos efeitos da lei.
Alguém pode questionar novamente a validade do Plano Diretor de 2014?
Niebuhr – Em tese sim. A decisão do Superior Tribunal de Justiça admite, por exclusão, que o Ministério Público do Estado e outros legitimados poderiam propor ação judicial discutindo a constitucionalidade da lei de 2014, inclusive repetindo o argumento do Ministério Público Federal, isto é, a ausência de participação popular naquele processo. Não esperamos que isso ocorra, diante de toda insegurança jurídica e desgaste que a ação judicial causou. É hora de olhar para frente, aprender com os erros praticados no passado e conceber um modo novo, mais sofisticado, de interação com a população para planejar o desenvolvimento da cidade.
O que acontece agora?
Niebuhr – Apesar do Plano Diretor de 2014 estar vigendo, muitos servidores municipais reconhecem que sua edição não foi participativa e que a lei pode ser muito melhorada. O ideal seria reiniciar o processo de revisão o quanto antes, agora com calma, moderação, sem a pressão absurda que estava sendo imposta ao Ipuf. Aprendeu-se muito com esse litígio, tanto no que deve quanto no que não deve ser feito. É hora de fazer um planejamento adequado, estruturado. Conceber, primeiro, o que deve e o que não deve ser objeto do Plano Diretor. Na sequência, produzir um material técnico apropriado, confiável, que irá dar suporte aos diagnósticos, discussões e construção das soluções. É necessário reestruturar o Núcleo Gestor e definir com clareza o escopo da participação popular no processo. A participação popular nas audiências públicas não deve ser vista como forma de transferir uma responsabilidade, que é do município, para grupos de pressão, sejam eles empresariais, populares, ambientalistas ou profissionais. É um canal de diálogo, de compartilhamento das expectativas, de comunicação dos cenários e de construção de soluções. A divisão da sociedade, a oposição entre classe política, empresários e população, não interessa a ninguém. A cidade deve acolher a todos, deve viabilizar, na maior medida possível, a convergência dos interesses de todos.
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