É manhã de domingo, e muitas famílias e grupos de amigos começam a descarregar cadeiras, guarda-sóis, pranchas de surfe, sacolas de frutas, garrafas d’água e toda a sorte de suprimentos para passar o dia na praia. Infelizmente, nem tudo que chega à areia sairá de lá com a destinação correta. Embalagens, restos de parafina e até bitucas de cigarro invariavelmente são deixadas para trás, junto com o rastro de plástico característico da ocupação humana.
É aí que entram os voluntários do Projeto Route, uma iniciativa de conscientização ambiental e de limpeza das praias de Florianópolis. No domingo, 02, desde as 8h30min, o grupo mobilizou cerca de 50 pessoas para um mutirão de limpeza em três pontos próximos à praia da Armação: Ilha do Campeche, praia do Matadeiro e a Ilha das Campanhas.
— O local ficar mais limpo depois que saímos é apenas uma consequência da nossa ação. A intenção mesmo é impactar as pessoas, mostrar a quantidade de resíduos que é deixada e conscientizá-las sobre o cuidado com o meio ambiente — explica o advogado Pedro Guedes, de 36 anos, voluntário do Route desde 2012.
A cadeirante Denise de Siqueira foi uma das moradoras da capital catarinense que se sensibilizou com o projeto. Três anos atrás, recebeu por uma rede social o convite para participar de um mutirão de limpeza de praia e não se furtou da responsabilidade. Hoje, engrossa o coro que pede o cuidado com a natureza.
— É importante até por uma questão de preservação da Terra e da humanidade. Essa ação integra as pessoas e também delega uma responsabilidade para cada um. Sempre vale a pena levantar cedo, sentir o cheiro do mar e a vibração da galera. É mil vezes melhor do que dormir mais um pouquinho, dá outro sentido para a vida — disse.
Para embalar o início do mutirão e energizar os voluntários para a árdua tarefa de caminhar entre as pedras, na areia ou na água gelada para recolher um por um os resíduos deixados para trás, Simão Fillipe, um dos idealizadores do Projeto Route puxa uma espécie de oração, repetida em coro pelos participantes:
“Santa natureza, cheia de graça. Somos amigos, unidos pela raça. Juntos levamos uma corrente, mudando o que está à nossa frente. Por um mundo melhor, tornaremos o Route maior. A rota erguida será sempre seguida. É Route!”
— Gota a gota, tornaremos o oceano mais limpo — afirma Simão.
Plástico, o vilão dos oceanos
“A Terra é azul”, disse o primeiro homem a avistar de fora da atmosfera a terceira rocha do Sistema Solar, o cosmonauta da ex-União Soviética, Yuri Gagarin, em 1961. A cor tão característica vem dos grandes oceanos e mares que ocupam mais da metade do planeta. Esta imensidão profunda é povoada por inúmeras espécies de animais, cada vez mais ameaçadas pela ação do Homem.
E não é só a caça predatória. Segundo o projeto Tamar, que atua em prol da conservação das tartarugas marinhas, estima-se que mais de 6 milhões de toneladas de lixo são descartadas todos os anos nos oceanos e que mais de 13 mil pedaços de plástico estão, atualmente, flutuando em cada quilômetro quadrado de mar.
Confundidos com alimentos, esses resíduos são ingeridos por animais marinhos ou acabam se enroscando nos corpos, levando-os à morte.
— É triste a gente ver uma cena como essa. O impacto causado pelo descarte de lixo nos oceanos está aqui, na nossa mão — disse Márcio Gerba, um dos fundadores do Projeto Route, enquanto recolhia da água uma tartaruga morta, que tinha um pedaço de plástico preso à narina. — Nossa ação influencia toda a vida marinha. Assim como ela, têm outras tantas morrendo e milhares de outras nadando com o corpo cheio de plástico — completa.
Para alertar sobre os riscos de a humanidade seguir com a terrível mania de descartar lixo plástico nos oceanos, Márcio Gerba percorreu boa parte da América do Sul e mostrou que esta realidade permeia todo o litoral do continente e – provavelmente – do mundo. Da viagem , saiu o documentário “Uma Gota.doc”, disponível gratuitamente no site umagota.com.br.
Microlixo – o elemento “invisível”
Para quem participa ou já participou de mutirões de limpeza de praias, uma coisa é consenso: o pior que há é o microlixo. Pequenos papéis de balas, embalagens de borracha e bitucas de cigarro estão entre os resíduos comuns com esta classificação.
— Esse microlixo é o mais difícil de limpar, o mais trabalhoso, até porque muitas vezes ele está camuflado na areia ou na pedra — afirma o advogado Pedro Guedes.
Além destes resíduos, há um ainda pior entre os microlixos: minúsculos pedaços de plástico fruto da decomposição de garrafas PETs, embalagens ou ferramentas, descartadas muito tempo atrás.
— Aquele lixo de 10 anos atrás, que era “macro”, hoje virou “micro”, por causa do processo de decomposição. Esse é o lixo que o pessoal não vê, e o pior é que ele entra diretamente na cadeia alimentar, na fauna marinha, e a gente também acaba consumindo ele indiretamente — alerta Rodrigo Ferreira, o Kiko, um dos idealizadores do projeto Route.
Ao longo da manhã deste domingo, o designer gráfico Paulo Francisco, de 35 anos, se dedicou a recolher o microlixo no costão da Ilha das Campanhas, que divide as praias do Matadeiro e da Armação.
— Infelizmente, o pior são as bitucas de cigarro que o pessoal ainda insiste em jogar no chão. Eu sou fumante, mas nunca jogo lixo no chão, muito menos as bitucas. E como se não bastasse jogar o lixo em qualquer lugar, ainda tem aqueles que tentam esconder o lixo — reclama Paulo.
O trabalho voluntário de recolher o lixo nas praias pode causar indignação naqueles que vêm o descaso de alguns com o nosso meio ambiente. Afinal de contas, se pararmos para pensar, não existe “jogar fora” no nosso planeta. Tudo fica por aqui.
— O importante não é só limpar, é conscientizar as pessoas da necessidade de não sujar. A educação é uma coisa que leva muito tempo, mas tem que haver. Se todo mundo fizer um pouquinho, a praia, o mar e o planeta vão ficar limpos — arremata a voluntária aposentada Vera Lúcia Farias, de 70 anos.
Quem quiser conhecer mais sobre o projeto Route, pode acessar a página projetoroute.com.br.
(Hora de Santa Catarina, 02/07/2017)
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