Do quarto andar da sala de audiências no prédio da Justiça Federal em Florianópolis a procuradora Analúcia Hartmann faz uma pausa, olha pela janela e aponta para uma edificação inacabada: “A construção civil na cidade não está parada como afirmam, basta olhar. A cidade está crescendo sem nenhum planejamento. Não temos esgoto e as praias estão praticamente todas comprometidas”. Na mesa de conciliação, ao lado do juiz federal Marcelo Krás Borges, representantes da prefeitura e do Sinduscon (Sindicato da Indústria da Construção Civil) mais uma vez discutiam sobre os critérios que devem ser obedecidos para a finalização do Plano Diretor Participativo. E pode não parecer verdade, mas depois de 11 anos desde o início da discussão da matéria, por volta das 20h do último dia 22 de maio, Prefeitura e MPF (Ministério Público Federal) apresentariam teses antagônicas e sairiam daquela sala sem um acordo.
O Plano Diretor de Florianópolis voltou a ser uma incógnita. De um lado, o município recuou em se comprometer diante da Justiça com prazos e critérios que acredita serem atribuições exclusivas do Executivo e Legislativo. Do outro, o MPF aponta que existe sentença que determina a conclusão do Plano e que o rito não pode sofrer “inovações” sem consulta popular.
No meio dessa confusão, interesses dos mais diversos, que vão de vontades particulares a pretensões de setores econômicos, transformam o processo em uma discussão quase interminável sobre como deverá ser o planejamento da ocupação do solo nos próximos 20 anos. O texto já chegou a prever 3 milhões de habitantes em 2030. Agora, fixa o número de moradores em 750 mil.
Em fevereiro deste ano, diante da 6ª Vara da Justiça Federal, tinha ficado acordado entre município e MPF que até 31 de março seria feito o rebatimento dos 522 artigos da minuta do anteprojeto, e no dia 15 de maio seria realizada a audiência final. Mas o aparecimento dos “dissensos” sobre o texto final motivou nova interferência da Justiça. Mais uma vez, segundo o MPF e membros do próprio Núcleo Gestor, o Plano trazia alterações que não foram objeto de discussões públicas.
A Justiça Federal chegou a condenar o prefeito Gean Loureiro (PMDB) pelo descumprimento do acordo, mas o município conseguiu a suspensão da decisão no TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), o que não anula a já sentenciada decisão de 2015 para realização de audiências e elaboração da minuta do projeto, que segue sem ser cumprida. Com a decisão mais recente, no entanto, a prefeitura passou a questionar a legitimidade do MPF para intervir no processo.
Prefeitura tem 30 dias para última audiência
Sem acordo que estabelecesse prazos e métodos na audiência de conciliação do último dia 22, o juiz Marcelo Krás Borges voltou a emitir novas decisões na sentença 50.252.99-48.2015.4.04.7200/SC do Plano Diretor de Florianópolis. Na primeira, retira o Sinduscon como parte no processo; na segunda, determina que o município realize a última audiência pública no prazo improrrogável de 30 dias, “sob pena de aplicação e cobrança da pena pecuniária prevista na sentença, no valor de R$ 10 milhões, e restar caracterizada a improbidade administrativa e crime de responsabilidade do prefeito, ficando sujeito a processo de impeachment, em face da comprovada e reiterada desobediência ao comando sentencial”. O juiz cobra ainda que o município divulgue a conclusão do rebatimento dos 522 artigos da minuta do Plano e dê publicidade aos demais documentos relacionados aos trabalhos, incluindo mapas e planilhas.
Para Ildo Rosa, superintendente do Ipuf (Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis) diz que o prazo de 30 dias para resolver todos os dissensos e preparar o texto final da minuta é apertado, mas que empregará todo seu corpo técnico nesta tarefa. Por outra via, a Procuradoria-Geral do Município voltará a acionar o TRF4, em Porto Alegre, para tentar nova suspensão da decisão, a exemplo do que já ocorreu este mês. “Solicitamos um prazo de 60 dias, que achávamos razoável para fazer o trabalho dentro do Ipuf. De qualquer forma vamos reunir o Núcleo Gestor e dar os encaminhamentos necessários”, afirma.
Ildo retornou aos trabalhos do Plano Diretor este ano. No entanto, em 2006, também foi ele quem deu o pontapé inicial ao processo. Ao retornar ao Ipuf, não escondeu a sensação de desafio em concluir o processo e disse que para isso ocorrer leitura técnica e comunitária precisariam caminhar juntas.
Após concluído os trabalhos no Núcleo Gestor, o projeto segue para a Câmara de Vereadores, onde poderá inclusive receber novas emendas. No entanto, a expectativa é de que sofra o mínimo de modificações no Legislativo. Na votação de 2014, os vereadores incluíram 305 emendas, que segundo a Justiça desfiguraram projeto inicial.
Leia na íntegra em Notícias do Dia Florianópolis, 30/05/2017.
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