O plano diretor é o instrumento para regular o uso do solo nas cidades, evitar a ocupação desordenada e a especulação imobiliária em áreas de interesse social e ambiental, mas ainda não é levado a sério em muitos municípios. Quase um terço das cidades (29,5%) com mais de 20 mil habitantes de Santa Catarina está com o documento defasado ou ainda não o aprovaram.
Prestes a completar 16 anos de vigência, o Estatuto da Cidade determinava que até 2008 todos os municípios com mais de 20 mil habitantes deveriam ter criado seus planos e que, após a aprovação, as leis municipais deveriam ser atualizadas no máximo em 10 anos, após discussões constantes com a comunidade.
O documento é um grande esboço do que as pessoas esperam da cidade no futuro. Trata-se de uma lei municipal que rege a expansão urbana, as construções e indica como o município deve crescer na próxima década. Sem ele, defende a arquiteta e urbanista da Associação de Municípios da Grande Florianópolis, Valesca Marques, as cidades correm o risco de ter crescimento desordenado, sem sustentabilidade e de não atender às demandas dos moradores.
– É a lei primordial de um município. Ao lado do código de posturas, ele junta todas as questões que dão estrutura para as demais leis da cidade. Ela democratiza o uso da terra e a ocupação, postula normas e regras para todas as pessoas, norteia os novos empreendimentos e traz uma série de normas para que a cidade seja ocupada de maneira democrática.
A situação mais crítica do Estado é a de Capinzal, no Oeste, que tem mais de 22 mil habitantes e ainda não aprovou a lei municipal. Segundo Marcos Antunes da Costa, responsável pela fiscalização do município, o projeto de lei foi encaminhado para votação na Câmara de Vereadores no final do ano passado. Desde 1992, a prefeitura trabalha apenas com o Plano Físico Territorial, que define basicamente zoneamentos.
SÃO JOSÉ TEM PLANEJAMENTO MAIS DEFASADO
Entre as maiores cidades do Estado, o cenário mais urgente é o de São José. O município foi visionário no passado, mas hoje tem o plano mais antigo de Santa Catarina, aprovado em 1985, quando tinha cerca de 60 mil habitantes. Hoje, com mais de 235 mil _ quarta maior população do Estado _, a lei que rege a ocupação do solo é a mesma de 30 anos atrás, está cheia de emendas e não contempla mais a realidade.
Em 2004, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) chegou a elaborar com a prefeitura um novo plano, que não foi adiante. Entre idas e vindas, o tema voltou à discussão em 2014 com o plano diretor participativo e está na última etapa, a de audiências públicas, antes de ser enviado à votação. O secretário de Serviços Públicos Urbanos, Matson Luiz Cé, afirma que a atualização é urgente para estimular o crescimento da cidade de forma estruturada, equilibrada em todas as localidades e ter mais investimentos.
_ O plano que ainda está em vigor deixa o gestor com dificuldades para concessões e autorizações e para fomentar alguns setores do município, até mesmo para implantar aparelhos públicos. E não dá amparo legal para algumas situações, pois toda hora tem de se criar lei específica para liberar um empreendimento.
Um dos pontos que carecem atualização diz respeito a bairros como Sertão do Maruim, por onde passará o Contorno Viário da Grande Florianópolis, atualmente em obras. A característica da vizinhança é rural, mas com o fluxo de veículos a tendência é atrair investimentos e as terras valorizarem, com isso, a característica da localidade deve mudar.
A demora para atualização do plano em São José gerou gargalos no desenvolvimento da cidade, que cresceu muito nos últimas décadas e é a porta de entrada para a capital do Estado. Para o presidente da Associação de Moradores do Bairro Campinas, Érico Koenig, não ter um plano de acordo com a evolução da ocupação gerou aberrações, como empreendimentos instalados em locais estritamente residenciais e prédios de alturas diferentes.
– Em muitas construções que saem na cidade, o fiscal é o próprio vizinho, que percebe não estar dentro do padrão e aí avisa a prefeitura – aponta Koenig.
Valesca, entretanto, ressalta que tão grave quanto ter um plano defasado, é o fato de muitas prefeituras não disporem de um corpo de arquitetos e engenheiros para monitorar a implantação dos planos com rigor e delegarem a função a outros servidores sem conhecimento técnico.
Mesmo pequena e sem obrigação, Aurora aprovou um plano
Aurora, no Alto Vale do Itajaí, tem apenas 5,6 mil habitantes, mas decidiu ainda cedo planejar o crescimento da cidade. Desde outubro de 2014, o município conta com plano diretor. Prefeito na época, Valmir Zandonai (PP) diz que a mobilização começou porque a prefeitura percebeu o crescimento desordenado no centro da cidade e em áreas rurais.
O plano diretor foi elaborado em discussão com a comunidade, mas teve pontos polêmicos, como o aumento da largura das ruas em áreas rurais – ninguém queria perder parte do terreno para ceder ao passeio público –, obrigação dos proprietários em manter as calçadas no centro e mudança no limite de andares para prédios em alguns bairros.
– Não era obrigatório a gente fazer o plano diretor, mas o prefeito tem que tomar uma posição pensando o futuro. Aí, o administrador vai gerir sempre dentro das regras, porque quando não tem, muitos vão tomar decisões da forma que quiserem – considera.
Aurora é um dos 192 municípios de Santa Catarina que não são obrigados a ter um plano diretor, conforme as determinações do Estatuto da Cidade. Mas ao lado de 109 cidades desse grupo, tem a norma atualizada. Outras 20 cidades com menos de 20 mil habitantes já criaram a lei, mas há mais de 10 anos. Em Anita Garibaldi o decênio vence neste ano.
Planejamento em cidades com risco de deslizamentos e inundações
Além das cidades com mais de 20 mil habitantes, integrantes de regiões metropolitanas, áreas de interesse turístico ou que tenham zonas vulneráveis a deslizamentos de terra ou inundações _ característica frequente em SC _ também devem ter plano diretor atualizado, conforme o Estatuto da Cidade. Segundo a Defesa Civil do Estado, 77 delas estão nesta relação, 39 são as mesmas já obrigadas a ter o documento por ter mais de 20 mil habitantes, e 38 são cidades que variam de 2,3 mil a 19 mil moradores.
Destas últimas, apenas Três Barras, Turvo, Maracajá e Timbé do Sul não têm planos aprovados. Em Governador Celso Ramos, Correia Pinto, Ponte Alta e Rancho Queimado os planos têm mais de 10 anos e estão desatualizados. Em Luiz Alves e Ilhota, ambos no Vale do Itajaí, vence em dezembro o prazo de 10 anos para atualização.
A exigência foi incluída no Estatuto da Cidade em 2012 para garantir que os municípios restrinjam a ocupação em áreas de risco, além de garantir espaço em seu território para áreas de construção de moradias populares.
Para Sonia Rabello, professora de Direito Urbanístico da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e do Instituto Lincoln de Políticas do Solo, cabe à população ficar atenta e acionar o Ministério Público caso perceba que a prefeitura não está cumprindo o Estatuto da Cidade.
( Diário Catarinense, 11/04/2017)
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