A nova lista de peixes ameaçados de extinção, válida desde janeiro, turbinou as multas aplicadas pelo Ibama nos três primeiros meses do ano em Santa Catarina. Foram R$ 7,4 milhões em autuações até 14 de março, quase cinco vezes mais do que no mesmo período do ano passado e um recorde desde 2012, último ano disponível no sistema do órgão ambiental.
Dois fatores influenciam diretamente nos resultados da fiscalização. De um lado, as novas regras impostas pela Portaria 445, também conhecida como “lista vermelha de peixes”, que autuam por unidade pescada, e não apenas por peso. De outro, mudanças no modelo de atuação do Ibama, que uniu a tecnologia disponível, com acesso ao rastreamento via satélite de embarcações e a análises de probabilidade, para garantir a eficiência das operações. O foco está na identificação de grandes carregamentos, que causam um enorme prejuízo ambiental e resultam em autuações pesadas.
– Passamos a priorizar ações que tenham relevância. Se nossos recursos materiais e humanos são finitos, temos necessariamente que direcionar as ações – diz Sandro Klippel, coordenador do Ibama em Itajaí, maior polo pesqueiro do país e principal foco de apreensões em Santa Catarina.
A ocorrência mais significativa ocorreu há duas semanas, quando o Ibama identificou, em Porto Belo, uma embarcação de espinhel de fundo de Itajaí – que captura pescado a grandes profundidades – carregada com sete toneladas de cherne poveiro, cherne verdadeiro e batata. Eram mais de mil peixes, todos integrantes da “lista vermelha” de animais ameaçados de extinção. A multa para a empresa ou dono do barco ultrapassou os R$ 5,5 milhões.
Polêmica, alvo de críticas entre os pescadores e empresários da pesca, a lista de 2014 foi definida com base em pareceres de pesquisadores de todo o país, que determinaram espécies vulneráveis por diversos motivos, entre eles a captura descontrolada. A portaria é para ter começado a valer em janeiro de 2015, quando pescadores e armadores de pesca organizaram um protesto e fecharam o canal de acesso aos portos de Itajaí e Navegantes por dois dias. Um navio de cruzeiro ficou parado no píer, e os navios comerciais não puderam ser manobrados.
A pressão fez o governo federal protelar a lista e chamar representantes de toda a cadeia da pesca para uma discussão, ainda em 2015. Nos meses seguintes a Portaria 445 seria alvo de uma série de decisões judiciais que a fizeram valer e a derrubaram por duas vezes – até a última sentença, no fim do ano passado.
O problema visto pelos pescadores é que há diversos peixes e crustáceos bastante apreciados na lista, e não poderia ser diferente: quanto maior a procura pela espécie, maior o risco de extinção. A portaria inclui algumas espécies de garoupas, cações e bagres que frequentam a mesa dos catarinenses, além das raias, exportadas para a Ásia, onde têm alto valor comercial.
O que potencializa as multas pela captura ilegal é o valor estabelecido na nova portaria: R$ 5 mil para cada peixe. Caso o pescado tenha sido capturado em área de preservação, a autuação é ainda maior.
Penalizações ficam no papel
Os valores podem parecer exorbitantes, mas foram definidos de forma a coibir a comercialização dos peixes proibidos diante de uma fiscalização ainda insuficiente, e de consumidores que, em sua maioria, desconhecem a condição legal do pescado que encontra à venda. O problema é que multas com valores mais altos não costumam ser pagas – ou têm o valor reduzido drasticamente pela Justiça. No ano passado inteiro, por exemplo, o Ibama emitiu 6,9 milhões em autuações. Até o início deste mês, apenas R$ 601 mil haviam sido pagos, menos de 10% do total.
A legislação permite que o armador questione os valores junto ao Ibama. Quando a multa é alta demais, a ponto de comprometer seriamente a saúde financeira da empresa, por exemplo, uma comissão dentro do órgão ambiental reavalia os autos e pode reduzir o valor.
Especialistas comentam falta de gestão
Embora tenha sido definida com base em dados de diversos pesquisadores e tenha sido revisada por uma comissão que reuniu especialistas e representantes do setor pesqueiro antes de entrar em vigor, ainda em 2015, a “lista vermelha” das espécies em extinção não é vista como uma solução definitiva para a pesca brasileira – mas como um “mal necessário”.
– A 445 não é o problema, nem a solução. Esperamos que a principal causa da portaria, que é a falta de gestão pesqueira, seja sanada, e que através de monitoramento, pesquisa, ordenamento científico e participativo e fiscalização eficiente, possamos recuperar os estoques sobrepescados, e torná-los saudáveis e abundantes – diz a bióloga Monica Peres, diretora geral da organização Oceana no Brasil, entidade que atua na promoção da pesca sustentável em todo o mundo.
O Brasil nunca teve uma base de dados confiável para medir os estoques pesqueiros. Há estatísticas pontuais, mas faltam números e políticas públicas para gerir adequadamente a pesca. Prova disso é que parte dos comitês de espécies, previstos em lei, jamais chegaram a ser 100% implementados.
– A portaria, em relação às espécies de aproveitamento comercial, é consequência da falta de ordenamento das pescarias. A metodologia usada para essas avaliações considera também as tendências de as políticas de gestão pesqueira não acontecerem – diz o pesquisador Roberto Wahlish, professor da Univali.
Outro problema a ser enfrentado é a instabilidade política do setor. A pesca ganhou status de ministério no governo Lula (PT), e foi transformada em secretaria, subordinada ao Ministério da Agricultura, no final de 2015, no governo Dilma Rousseff (PT). A mudança teve grande impacto na emissão de licenças e documentos para exportação, o que causou prejuízos ao setor.
Instabilidade política afeta setor no país
A pesca vinha finalmente ganhando espaço na Agricultura quando, na semana passada, o presidente Michel Temer (PMDB) emitiu uma portaria que transfere a Secretaria de Pesca e Aquicultura para o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, uma área que não dialoga com o setor. A alteração teria sido feita por pressão política do PRB, partido que integra a base do governo, e tem causado grande apreensão na pesca.
A estimativa é que, com controle, boa parte das espécies que hoje integram a lista poderão se recuperar com facilidade em até 10 anos. Com gestão eficiente, os peixes poderiam ser capturados novamente.
Proibição é alvo de boatos no Estado
Desde que passou a valer, em janeiro deste ano, a Portaria 445 enfrenta oposição ferrenha dos pescadores e é alvo de uma série de boatos entre os consumidores. Um deles é de que um terço dos peixes que até então eram vendidos nas peixarias não podem ser comercializados, o que não é verdade.
A confusão ocorre porque há, de fato, espécies bem conhecidas na lista. É o caso das garoupas, que provocaram polêmica no Mercado Público de Florianópolis logo após a entrada em vigor da lista vermelha. Há espécies que estão proibidas, mas não são todas.
É o mesmo caso do cação. Foi proibida a pesca do cação-bagre, do cação-listrado e do bico-doce. Mas outros, como o cação-frango, continuam tendo a captura permitida. Na prática, o quilo do peixe pode até aumentar, já que a oferta será menor – mas ele não vai desaparecer por completo das prateleiras.
O apelo comercial, no entanto, motiva a captura ilegal. Embora tenha se posicionado contra a portaria quando ela foi anunciada pela primeira vez, ainda em 2015, o Sindicato dos Armadores e da Indústria da Pesca de Itajaí e Região (Sindipi), maior entidade pesqueira do país, tem orientado os associados para que respeitem a lista e descartem o peixe ilegal, orientação que também foi repassada pelo Ibama.
O Sindipi também informou que os armadores que são flagrados com pescado ilegal precisarão se defender por conta própria, sem apoio do sindicato.
Presidente do Sindipesca Laguna, Gilberto Fernandes da Silva diz que a lista traz prejuízo a SC e afirma que faltaram estudos para definir as espécies que foram proibidas.
– Tem pescador que investiu R$ 4 mil em iscas para garoupa e está há três meses sem trabalhar. Estamos apavorados – afirma.
(DC, 28/03/2017)
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