Construções de propriedades particulares em costões, dividindo praias e até sobre o mar têm gerado polêmica em Florianópolis. Em um dos casos, há uma quadra de esportes erguida sobre o mar, na região continental, como mostrou o Jornal do Almoço deste sábado (14).
No Norte da ilha, um muro erguido sobre pedras vai até a beira do mar e dificulta a passagem dos banhistas que caminham entre as praias da Daniela e do Forte. O advogado Arildo Rodrigues da Silva costuma deixar o carro da praia da Daniela e caminhar até a praia do Forte.
Quando a maré está alta, ele diz que é impossível fazer o percurso pela areia. “A não ser que você saiba nadar, ou se você tem uma lancha pra andar por aqui, né?”, diz o banhista.
Já na praia de Canasvieiras, também no Norte, muros em cima da faixa de areia impossibilitam que os banhistas fiquem no local quando a maré está alta. “O turista não tem nem onde se bronzear mais, aproveitar a praia, fica complicado”, reclama o visitante paulista Reinaldo Elias. “Acho que tem que ser tomada uma decisão porque um dia vai acabar, se continuar assim”, diz Valdenir de Sá, também de São Paulo.
Coqueiros
A situação também se repete na parte continental de Florianópolis. Em Coqueiros, um muro dentro do mar bloqueia a passagem pela orla e impede a circulação de moradores e pescadores. Por causa disso, o pescador Ricardo Alexandre não pode repetir com os filhos as atividades que tinha na infância com seu pai.
“Eu com 7 anos pescava com meu pai aqui, eu saía com meu pai às vezes de mãos dadas, ele me deixava na pedra ‘tarrafeando’, Hoje em dia não tem acesso nenhum”, diz ele.
Além de bloquear a passagem na orla, o muro de Coqueiros impede o acesso a um dos principais pontos do bairro, o parque. O muro também interfere na vista para a ponte Hercílio Luz e o mar da Baía Norte, cartão-postal da cidade.
“A gente quer olhar para a ponte e encontra um muro olhando pra nós”, diz o morador Renato Miguel de Souza. “É um acesso público, as pessoas deveriam ter o direito de ir e vir”.
Também em Coqueiros, um morador foi ainda mais longe e ergueu colunas de concreto dentro do mar para construir uma quadra de esportes.
Fiscalização
O diretor de fiscalização da Floram, fundação do meio ambiente de Florianópolis, afirma que a orla de Coqueiros está sendo investigada pelo Ministério Público Federal e pela Floram. ”Já identificamos alguns casos, alguns mais gritantes, como uma quadra de esportes, que já é objeto de inquérito civil que questiona aquela ocupação”, afirmou o diretor de fiscalização da Floram, Bruno Palha.
Em relação às construções em Canasvieiras, o diretor da Floram considera que elas são uma afronta à legislaçào ambiental. “No caso em que tem o muro quase impedindo a passagem dos banhistas na praia, ele já foi objeto da Secretaria de Urbanismo tempos atrás. Entretanto, por economia processual, deixamos eles agirem, mas hoje o entendimento é que, em razão da competência ser do meio ambiente, a Floram já determinou a lavratura de auto de infração para chama-los [os donos] a explicar de que forma chegaram ali.
Já o caso do muro que divide as praias da Daniela e do Forte, segundo a Floram, é investigado há quase uma década. “No ano de 2007 foi lavrado um auto de infração pra retirada daquele muro. Contudo, até o momento não foi feito. Então foi determinado que se faça um novo auto de infração por descumprimento, com celeridade no processo administrativo”, completou.
Demolições legais
Para a advogada Rode Martins, especialista em direito ambiental construções em áreas de preservação permanente ou dentro do mar, mesmo sendo antigas, podem ser demolidas legalmente. “A discussão é: essa construções foram feitas de acordo com a lei da época? Se elas foram, e o poder público entende que é indispensável o acesso ao mar, compete ao poder público desapropriar e liberar aquele espaço de livre circulação à praia”.
A advogada diz ainda que qualquer pessoa pode acionar o Ministério Público e denunciar uma construção que impeça o acesso ou a passagem nas praias. “Se o muro tem muito tempo, mais de cinco anos, o poder público nao tem mais condições atraves de um auto de infraçào buscar pela via admionistrativa demolir as edificações.
Segundo Rode, compete ao poder público entrar com uma acão civil pública ou o Ministério Público ingressar com uma acão civil pública. “Ou mesmo uma pessoa entrar com uma açào popular visando a demolição. Propvavelmente vai ter êxito”, disse a especialista.
Área de marinha
De acordo com a RBS TV, há quase um ano uma liminar do Ministério Público Federal determinou ao município de Florianópolis que expedisse novas licenças e alvarás, considerando a região entre as Praias da Daniela e do Forte como área de marinha e preservação permanente, inclusive fixando multa diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento.
Tanto o município quanto a Floram contestaram e pediram um prazo pra conversar com os interessados, no caso, os donos de construções possivelmente irregulares, pra fazer um acordo.
O prazo foi aceito, e foi solicitado que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) colhesse uma prova pericial para identificação e delimitação das áreas de preservação permanente irregularmente ocupadas nas áreas em questão.
A RBS TV tentou contato com o Ibama em Brasília, mas não teve retorno.
Versão dos proprietários
Os donos de todas as construções mostradas na reportagem também foram procurados. Sobre o muro em cima do costão, entre as praias da Daniella e do Forte, o dono do imóvel mora fora do Brasil e os caseiros disseram que, após a gravação, ele foi autuado pela Floram. Os empregados, porém, não souberam informar o que ele pretende fazer.
Já um dos os muros em Canasvieiras. o que fica na faixa de areia, pertence a um residencial, mas ninguém foi encontrado no local. No outro caso mostrado na reportagem em Canasvieiras, a responsável pelo imóvel informou que a casa foi comprada 26 anos já com o muro, e que só há três meses a Floram autuou o dono, que é cunhado dela e deverá contestar a determinação.
Em relação às construções em Coqueiros, a RBS TV conseguiu contato por e-mail com a secretária do dono do imóvel cuja quadra de esportes foi erguida sobre o mar. Ela informou que, quando a casa foi comprada, a quadra já estava nesse local.
A reportagem não conseguiu contato com o antigo dono da casa no número fornecido pela secretária do atual proprietário.
Sobre o muro que bloqueia a passagem dos pedestres, também em Coqueiros, a reportagem só conseguiu contato com funcionários do dono do imóvel, mas não obteve retorno dele até este sábado (14).
(G1 Santa Catarina, 14/05/2016)
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