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Saudades do Mercado

(Por Sérgio da Corta Ramos, DC, 04/05/2015)

O friozim moderado convida a esperar tainha. Aos poucos, o seu corpo prateado, de listras escuras no dorso, começa a frequentar o imaginário das gentes – e já sinto vontade de repetir o ritual de minha avó: apertar o peito oliváceo das tainhas migrantes, num tabuleiro do Mercado ou ainda na areia da praia, depois da rede.

Quase levo um susto quando uma tainha pisca um olho pra mim ainda estrebuchando numa rede da Armação, como quem seduz:

– Sou gostosa, assada ou frita! Aliás, meu nome – do grego Tagenias – diz que sou boa pra fritar, mas também pra ser tostada num braseiro. E às minhas ovas, então, quem resiste? Elas humilham até o caviar.

Fritas. As ovas e as postas. É como gosto de comê-las, umas como aperitivo, outras como peixe nobre, embora um tanto gorduroso.

Ovas de tainha são prêmios, especiarias inigualadas por qualquer outro fruto do mar, aí incluídas as outras espécies de fina estirpe, como as de esturjão, muito salgadas, transformadas em caviar. Entre as ovas da nossa tainha mané, que vêm ali da Lagoa dos Patos, e as ovas dos esturjões do Báltico, meu palato é mané e não abre – ou, por outra, a única coisa que abre é a boca – só que para comer mais.

Saudades do Mercado Público, de onde emergiam cheiros da Provence – a terra que trata os prazeres da mesa, do prato e do copo com a devoção digna de um sacramento.

Todo o sul da França é considerado um mercado ao ar livre, o próprio ar recende a orégano, alecrim, funcho, alfazema e tantas especiarias herbáceas que qualquer matinho tanto pode esconder um mero jardim quanto um fornido guarda-comida.

Nosso Mercado Público promete ressuscitar em julho e deverá zelar por esses cheiros e por esse colorido provençal. Tomara que, a pretexto de organizar um novo mix – e de promover uma democracia licitatória – não acabem estragando o que já era bom. E que não encontremos ali, no futuro, algo antinatural, como alguma filial de muambas do Paraguai.

O Mercado é para provar e para cheirar – êpa!, no bom sentido, é claro.

Não é para a venda de produtos sintéticos e falsificados, importados da República dos Contrabandos. São boxes talhados apenas para a antiga missão de abrigar os frutos do mar e os alimentos da terra.

Ser um tabuleiro de legumes, verduras, frutas, peixes, carnes, víveres – e bistrôs para se viver a vida, consumindo umas e ostras.

 

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