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Os bons exemplos do uso racional e reaproveitamento da água em Florianópolis

A maior parte do território florianopolitano está numa ilha, cercada de água salgada e pontilhada por lagoas, córregos e cursos de água doce. Mesmo com a onipresença do líquido, a água potável que abastece moradores e turistas não é tão abundante quanto possa parecer. Além de o recurso ser finito, já é possível perceber certa escassez, seja em São Paulo, que passa pela maior crise hídrica da história do Estado, ou em pontos de Florianópolis, onde as torneiras secam em determinados períodos do dia. A realidade atual acende o alerta e adverte a sociedade de que é preciso cada vez mais usar a água de forma racional. Para isso, além de poupar, é fundamental reaproveitar a água. Pode ser da chuva, do chuveiro, da pia, do tanque ou da máquina de lavar roupas.

Reaproveitamento que além de gerar um consumo consciente, também ajuda a economizar dinheiro. A conta teve redução de 60% a 70% na Dígitro Tecnologia, empresa da Capital que implantou há seis anos um sistema de captação com capacidade para armazenar 60 mil litros de água para fins não potáveis, como descargas de vasos sanitários e irrigação dos jardins do prédio sede da companhia. “A implantação do sistema encareceu 15% na construção do prédio, mas esse valor se pagou em três, quatro anos. Depois, é só lucro, sem falar que o desperdício é zero”, diz o diretor administrativo Luiz Aurélio Baptista.

E o desperdício é fator decisivo para os problemas atuais e futuros em relação à água. Divulgado em 2013, estudo do Instituto Trata Brasil mostra que quase 40% da água tratada no Brasil é desperdiçada.

Em Florianópolis, cidade que não é autossuficiente quanto ao abastecimento de água – o que a obriga a importar de mananciais de Santo Amaro da Imperatriz e Palhoça -, os 120 mm de chuva que caíram na cidade nos 24 primeiros dias de outubro poderiam ser reaproveitados para fins práticos e cotidianos, como nos sanitários. “Se as pessoas não tiverem consciência do problema, e não tomarem iniciativas para mudar, a água potável vai encarecer bastante nos próximos anos”, alerta Daniel José da Silva, professor do departamento de engenharia sanitária e ambiental da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).

Bons e raros exemplos

Com a proximidade do verão e o consequente aumento no consumo, os raros e importantes bons casos de uso da água viram exemplos da consciência que todos devem ter em relação ao recurso hídrico. Em Florianópolis, o edifício-sede da Dígitro Tecnologia, construído no bairro Capoeiras há seis anos, é um exemplo de sustentabilidade da água que deu certo. “Em duas horas de chuva o nosso reservatório, que tem 60 mil litros, fica cheio. Essa água reaproveitada pode ser utilizada durante uma semana e meia, apenas nas descargas dadas por mais de 500 funcionários no prédio”, explica o diretor administrativo Luiz Aurélio Baptista.

Na construção do prédio sustentável, que também reaproveita a energia solar, Baptista afirma que o custo do empreendimento ficou 15% mais caro do que se fosse feito sem soluções sustentáveis. Mas o retorno foi garantido. “Recuperamos isso muito rapidamente. Há três anos só lucramos com nosso investimento”, comemora.

Baptista lembra o quão simples pode ser a instalação de um sistema de captação de água da chuva. “A calha no telhado recebe a água, que desce por gravidade em canos até chegar ao filtro, já na parte térrea do prédio. No filtro, fazemos uma primeira limpeza. Depois, a água vai para um desses quatro tanques de 15 mil litros cada, onde um novo tratamento com cloro e outras soluções é feito”, explica. Em 2015, a empresa pretende adquirir mais dois tanques de 15 mil litros, o que aumentará a capacidade de armazenamento dos reservatórios em 30 mil litros. “Ficaremos com 90 mil litros”, prevê.

Do Continente, onde fica a Dígitro, ao Cacupé, na Ilha, o modo de reutilizar a água é parecido. No condomínio Vivá Residence Cacupé, onde moram cerca de 200 pessoas, a água da chuva é reaproveitada para irrigação de jardins e da horta e para limpeza das áreas comuns e dos vasos sanitários.

O empresário Luiz Augusto Marchi, 44, que há dez anos vive no terreno onde hoje se erguem as 43 casas do condomínio, conta que desde que chegou àquela área passou a reaproveitar a água da chuva. “A água da Casan não chegava aqui, tive que me virar na época com um sistema bem rústico, com filtro anaeróbico”, lembra.

Marchi reaproveita a água da chuva em quase tudo, menos para beber. “Cozinho, tomo banho, lavo roupa…”, conta A economia chega a 80%, aponta o construtor. Ele gastou de 2% a 3% a mais na obra para implantar o sistema, pago em quatro anos. “No condomínio todas as casas foram planejadas com o sistema de captação, que permite reservar 7.000 litros nos reservatórios das casas”, destaca.

Falta de políticas públicas também atrapalha reuso da água

“Imagine quanta água teríamos se todos os prédios de Florianópolis captassem água da chuva por um ano?”, questiona o professor do departamento de engenharia sanitária e ambiental da UFSC, Daniel José da Silva. Mas isso é relegado em boa parte das políticas públicas, municipais, estaduais ou federais. “Quem toma essa iniciativa geralmente faz sozinho, pois não recebe nenhum tipo de incentivo do poder público”, afirma.

O engenheiro sanitarista e ambiental Paulo Belli Filho avalia que além da falta de políticas públicas o país é carente de programas voltados ao uso consciente da água, bem como da preservação de nascentes, rios e cursos d’água. O que existe, segundo o professor da disciplina de reuso da água na UFSC, “são experiências isoladas, feitas por conta de pessoas, empresas ou instituições de ensino”.

Não é apenas o reaproveitamento da água da chuva uma medida prática e fácil de preservar os recursos hídricos. Segundo Belli Filho, é essencial a população perceber definitivamente a necessidade de se preservar os rios e qualquer curso d’água, “sob pena de perdermos a água que já temos”. “Não adianta só reaproveitar, é preciso cuidar e manter nossas fontes de água”, diz.

O professor classifica como grave a realidade vivida por São Paulo, onde a estiagem representa riscos iminentes de desabastecimento da população. “Em São Paulo, não respeitaram a lei 9.433/97, que trata da política nacional de recursos hídricos, pois há meses se tinha conhecimento de que a situação poderia chegar a esse nível. Em Santa Catarina, é bom as autoridades ficarem atentas, pois aqui também costumamos enfrentar períodos de estiagem”, alerta.

Outro exemplo citado por Belli Filho é o de reusar a água que geralmente vai parar no esgoto. O sistema, explica, pode ser feito a partir da construção de uma segunda rede de esgoto, que serviria para coletar, tratar e distribuir a água de reuso. Outra opção é tratar o esgoto de forma que ele possa retornar à rede já existente. “Há ainda soluções mais simples, como separar a água da máquina de lavar roupas, para lavar calçadas ou carros”, conclui.

Desperdício por todos os lados

Tida por especialistas como “bem comum” da população, a água muitas vezes é renegada em situações de desperdício que se repetem, não apenas por parte dos consumidores como também da Casan (Companhia Catarinense de Águas e Saneamento). A empresa perde 40% da água captada, seja por defeitos na rede de distribuição, por falta de hidrômetros em residências ou pela utilização, por parte da companhia para manutenção do próprio sistema, segundo relatório do TCE (Tribunal de Contas do Estado). A Casan reconhece as perdas, mas garante que os percentuais são menores. “Não chega a 25%”, diz o superintendente regional de Negócios da Região Metropolitana da Casan, Carlos Alberto Coutinho.

As perdas na rede e nas residências podem acelerar uma realidade já constatada pela ONU (Organização Mundial das Nações Unidas), que prevê, segundo levantamento publicado em março deste ano, que a população mundial precisará de 40% a mais de água em 2030. A entidade lembra que no centro da crise estão questões de comportamento e atitudes da população. Questões que podem ser vistas facilmente nas ruas da Capital, com pessoas lavando carros e calçadas com água potável.

De acordo com o professor Daniel José da Silva, da UFSC, é justamente “essa mudança civilizatória” que precisa se aliar ao comportamento cotidiano das pessoas em Florianópolis ou qualquer outro lugar. A prática do reuso de água, além de não desperdiçar o líquido, evita que a água tratada seja utilizada para irrigação de jardins, áreas públicas, entre outras. “A mudança é pequena, mas precisa começar. Depois de passar a fazer o reuso da água, as pessoas se perguntam ‘por que fiquei tanto tempo sem fazer isso’. O cidadão se sente satisfeito”, avalia Silva.

Escassa e ruim

Muitos moradores da Capital já se depararam com água saindo da torneira em tons escuros, suja. As causas podem ser a falta de tratamento de esgoto e a poluição advinda da indústria e agricultura, principais ameaças à qualidade da água. Levantamento da ONG SOS Mata Atlântica revela que a água é ruim ou péssima em 40% dos 96 rios, córregos e lagos avaliados em sete Estados, entre eles Santa Catarina. “Em áreas urbanas a qualidade de água é pior ainda, pois os rios recebem muito lixo”, diz o professor Daniel José da Silva, da UFSC.

A Agesan (Agência Reguladora de Serviços de Saneamento Básico de Santa Catarina) reconhece o problema. “Existe um problema relacionado ao tratamento da água, e a agência acompanha as obras previstas para captação e tratamento racional do recurso hídrico, como a da ETA (estação de tratamento de água) em Morro dos Quadros, que deve ficar pronta no final de 2015”, afirma Sílvio Cesar dos Santos, diretor de regulação e fiscalização da agência.

(Notícias do Dia Online, 29/10/2014)

 

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