O último poste da iluminação pública da rua Tolentino dos Santos, defronte ao mar, no Morro das Pedras (Sul da Ilha), é referência para o técnico em refrigeração Ademir Antônio, 54 anos, que não escolhe a claridade só por questão de segurança. É lá que ele brinca com o molinete para superar estresse do dia a dia e, dependendo da sorte, levar peixes frescos para casa. “Sempre pego, principalmente cocoroca e papa-terra. Mas, depois que colocaram as pedras, os peixes ficaram mais raros. Robalos, linguados e corvinas nunca mais fisguei”, diz.
Mesmo sem comprovação científica, Ademir atribui a redução da pescaria às mudanças ambientais depois das obras de enrocamento para recuperação da orla da Armação, destruída pelas ressacas de 2010. Ele aponta o acúmulo de areia entre a parte final do calçadão, na Armação, e o último trecho da barreira de pedras, já diante da restinga do Morro das Pedras. “Mexeu com o ecossistema, o barranco ficou mais íngreme. Até as tatuíras desapareceram”, completa.
Mais desconfiado, o aposentado Manoel Limas, o Dequinha, 83, que mora a 80 metros da praia, teme que se repita no Morro das Pedras o que aconteceu na Armação, onde 30 famílias foram desalojadas pelo mar. “Nas marés de lua cheia, a água bate forte nas pedras. A manta plástica que colocaram como isolante até já se rompeu”, diz. E aponta a área de restinga do Morro das Pedras para avisar: “O mar já começou a cavar lá e, aos pouquinhos, avança para cima”.
A preocupação de Dequinha faz sentido. Para o geólogo Rodrigo Sato, do Crea/SC (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia), o avanço gradativo do mar coloca em risco também a potabilidade da Lagoa do Peri, que abastece a costa Sul e Leste da Ilha. Cada vez mais estreita, a faixa de restinga que separa o espelho de água doce da preamar na praia do Morro das Pedras, em alguns pontos, é de apenas 250 metros.Das pistas de rolamento da SC-406, a distância é de pouco mais de 50 metros.
O poder público, segundo o geólogo, deveria estar mais preocupado com a ação da água salgada sobre o manancial. “Se erodir e avançar pela restinga, contaminará a água doce. E será inútil qualquer tentativa de dessalinização”, confirma Sato.
Interferência humana causa efeito dominó
A interferência humana no mar, alerta o geólogo, causa instabilidade ambiental e efeito dominó. “Estoura mais cedo ou mais tarde em outros pontos da orla”, avisa Sato. Pela dinâmica natural, o mar avança alguns centímetros por ano, chegando a 70 centímetros nos dois últimos séculos, no fenômeno conhecido como transgressão. “Depois, naturalmente, há o ciclo de regressão. Mas é praticamente impossível recompor o terreno avançado e as condições originais do ecossistema”, diz.
Sato alerta, também, para o perigo de salinização do manancial da Lagoa do Peri por meio do lençol freático. “Atualmente, é maior a pressão da água doce sobre a salgada no subsolo. Mas, se houver excesso de captação sem a reposição necessária, a água do mar acaba invadindo a lagoa por baixo”, explica.
Segundo ele, estudos da capacidade de reposição da bacia das cachoeiras Grande, Pequena e do rio Sertão, que abastecem a lagoa, são indispensáveis para evitar o desastre. “Pode parecer uma previsão sombria e distante, mas o poder público precisa olhar com seriedade para o manancial que abastece o Sul da Ilha.”
Estudos em fase de licitação
Na prefeitura, as dúvidas de Dequinha e Ademir Antônio não serão respondidas tão cedo. De acordo com a assessoria do secretário de Obras Domingos Zancanaro, em 60 ou 90 dias deverá ser aberta licitação para contratação da empresa especializada que terá um ano para conclusão dos estudos ambientais daquele ecossistema.
Neste período, serão avaliadas as correntes marinhas, a dinâmica das marés e dos ventos e a influência da lua, características que se alteram em cada uma das estações. Depois disso, ainda serão necessários EIA-Rima (Estudos-Relatório de Impactos Ambientais) e elaboração do projeto de engenharia, para recuperação da faixa de areia e outros melhoramentos na orla.
Cemitério histórico das baleias caçadas na região até a década de 1960, a enseada da Armação seria parcialmente aterrada para engordamento da faixa da praia. Antes da elaboração do projeto, técnicos do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) também devem ser consultados sobre prováveis impactos da intervenção humana naquela área.
Entenda o caso
Em 2010, série de ressacas deixa rastro de destruição na costa Sul da Ilha. A força do mar atinge e danifica 30 casas e mais de 1.700 metros da orla, na praia da Armação, em Florianópolis, e parte da restinga no Morro das Pedras.
Procuradoria Geral do Município pede ao Ministério Público Federal “segurança jurídica” para a realização de obras e contenção da orla, com aterro e barreira de pedras para enrocamento do trecho afetado.
Apesar da falta de EIA-Rima e de engenharia obrigatórios, obra tem parecer favorável da Procuradoria Geral da República em Santa Catarina em razão da situação de emergência.
O acordo define que as obras emergenciais de contenção do avanço do mar começassem a partir da liberação emergencial das licenças, e grandes pedras são transportadas de caminhões aos pontos mais críticos da orla.
Posteriormente, após os procedimentos legais de licenciamento e do estudo de impacto ambiental, novas medidas seriam adotadas, conforme termo de ajustamento de conduta firmado entre prefeitura, MPF, Ibama/SC e Fatma.
Em 2012, prefeitura perde R$ 13 milhões solicitados ao governo federal para recuperação da praia. Outros R$ 3 milhões viriam de contrapartida do próprio município.
Em 2013, é concluída a urbanização em 600 metros do trecho protegido com pedras. Com R$ 600 mil são construídos deque de madeira e rampa de acesso à praia, calçadão com ciclovia, gramado, bancos e iluminação.
(Notícias do Dia Online, 24/09/2014)
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