A Desembargadora Federal Marga Inge Barth Tessler, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), acaba de suspender a decisão da Justiça Federal de Florianópolis que havia determinado a realização de novas audiências públicas para debater o Plano Diretor aprovado no início do ano pela Câmara de Vereadores.
A magistrada acatou os argumentos da Procuradoria-Geral do Município e entendeu que a houve “invasão à competência legislativa municipal” na decisão da Justiça Federal de Florianópolis. Em seu recurso, a Prefeitura ainda demonstrou que o Plano foi exaustivamente debatido com a comunidade e que sua aprovação na Câmara atendeu a todos os requisitos legais.
Com a decisão, o Plano Diretor volta a valer na sua integralidade, afirmou o procurador-geral Julio Cesar Marcellino Júnior.
Segue abaixo a íntegra da decisão:
Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Município de Florianópolis em face de decisão que recebeu apelação somente no efeito devolutivo (evento 96 da ação civil pública 5021653-98.2013.404.7200/SC), nos seguintes termos:
‘Recebo o recurso de apelação veiculado pelo Município de Florianópolis apenas no efeito devolutivo. Com efeito, como bem exposto na sentença, é público e notório que o processo de aprovação do Plano Diretor ocorreu de forma apressada, sem a participação da comunidade. Assim sendo, o que ocorreu na prática foi a liberação para a construção em áreas de preservação permanente pertencentes à União.
Além disso, o Sindicato da Indústria de Construção de Florianópolis veio a este Juízo comunicar que nos últimos dois meses nenhuma consulta de viabilidade de construção foi aprovada pelo Município, demonstrando que um Plano Diretor sem a participação da comunidade está acabando por prejudicar o desenvolvimento econômico do município. Assim, faz-se necessário o imediato cumprimento da sentença, a fim de que sejam sanadas falhas resultantes da inexistência de participação comunitária, que estão a prejudicar o desenvolvimento econômico da cidade.
Neste sentido, haverá prejuízos irreparáveis ao meio ambiente e ao desenvolvimento econômico da cidade se a sentença não for obedecida imediatamente, já que o Plano Diretor, da forma como foi aprovado, está a inviabilizar o desenvolvimento econômico da capital.
Isto posto, intime-se novamente o Município de Florianópolis para que cumpra o determinado na sentença no prazo improrrogável de 30 dias, sob pena de ter que pagar a multa cominada e sob pena de o Prefeito ser processado por improbidade administrativa.
Intime-se o Ministério Público Federal para que apresente contra razões ao recurso de apelação do Município de Florianópolis.
Florianópolis, 08 de abril de 2014.’
Alega o agravante que a pretensão que visa ao trancamento da tramitação, apreciação e votação do Projeto de Lei do Plano Diretor de Florianópolis, bem como sua sanção pelo Prefeito, além da adoção de medidas efetivas para a concretização da participação popular na elaboração do referido projeto, não merece prosperar. In casu, estando votado pelo Legislativo e sancionado pelo Chefe do Executivo Municipal o projeto de Lei em questão, que culminou na Lei Complementar nº 482, de 17 de janeiro de 2014, caracterizada está a perda do objeto, devendo a referida Lei ser impugnada, caso haja interesse, por meio de Ação Indireta de Inconstitucionalidade, pois não cabe ação civil pública contra lei em tese. Assim, flagrante a perda do objeto, que acarreta a ausência de interesse processual, condição da ação que leva à extinção do processo (CPC, artigo 267, VI), requer o recebimento da apelação no duplo efeito. Aponta que a União e o MPF são partes ilegítimas na demanda, o que conduz ao reconhecimento da incompetência absoluta. Diz também que a Câmara de Vereadores da cidade de Florianópolis deve ser litisconsorte passiva necessária.
No mérito, diz que a participação popular no projeto de lei em discussão foi respeitada através de uma série de medidas legitimadoras de todo o processo de elaboração da lei, que se iniciou em 2006. Citou casos de participação popular na discussão do projeto, através de seminários e reuniões, que foram realizadas em todos os principais distritos e bairros da cidade e também com todas as entidades públicas e privadas representativas da sociedade. Argumenta que obstaculizar a produção de efeitos da Lei Municipal nº 482/2014, sem a comprovação de qualquer ofensa ao processo de sua aprovação, ensejaria nítida interferência do Judiciário nas atribuições constitucionais do Poder Legislativo. Diz que a relevância das questões discutidas enseja o recebimento da apelação no duplo efeito, eis que existem riscos de prejuízos irreparáveis ao Município caso persista a insegurança jurídica sobre a lei do Plano Diretor. O perigo na demora na concessão do efeito suspensivo à apelação também é flagrante, havendo, com isso, prejuízo no desenvolvimento econômico do Município, sendo urgente o provimento que suspensa sua eficácia para que o Plano Diretor aprovado possa surtir seus efeitos, regularizando as atividades municipais.
Requer a antecipação da tutela recursal.
É o relatório. Decido.
O MPF ajuizou a presente ação civil pública contra o Município de Florianópolis e a União, com o objetivo de determinar à Câmara de Vereadores a devolução do Projeto de Lei do Plano Diretor ao Poder Executivo Municipal (obrigação de fazer), bem como seja determinado à Prefeitura (obrigação de fazer) que proceda à oitiva devidamente informada da população para elaboração do texto final que deverá ser novamente encaminhado ao Legislativo após identificação e a apresentação das diretrizes resultantes do processo de participação popular nos Distritos e no Núcleo Gestor municipal, bem como das propostas específicas do Executivo, a serem analisadas em 13 audiências Distritais e em audiência geral (amplamente divulgadas com atendimento aos prazos previstos regularmente), esta última a ser coordenada em conjunto entre a Prefeitura e o Núcleo Gestor do Plano Diretor Participativo de Florianópolis. Requereu também fosse condenada a União a orientar e fiscalizar o estrito cumprimento da Lei do Estatuto da Cidade e das Resoluções relacionadas ao processo participativo para elaboração do Plano Diretor de Florianópolis – obrigação de fazer -, adotando as providências extrajudiciais e judiciais necessárias para tanto. Requereu também a fixação de multa pelo descumprimento da medida.
Em decisão do evento 19 da ACP, o pedido de antecipação de tutela formulado pelo autor da ação foi deferido.
Sobreveio sentença julgando procedente o pedido. Fixou multa de 10.000.000,00 (dez milhões de reais) para a hipótese de descumprimento da sentença, salientando que o Prefeito Municipal incorrerá em improbidade administrativa em caso de descumprimento.
Pois bem.
A questão urbanística é tratada pela Constituição Federal nos artigos 21, IX e XX, 30 e 182 e dá conta da necessidade de criação de planos urbanísticos e atenção à função social e ambiental da propriedade.
Cabe ao município legislar sobre o direito urbanístico local (art. 30, VIII, CF). O Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/2001, comete ao município a política de desenvolvimento urbano e o plano diretor deve ser aprovado pelo legislativo municipal, a câmara de vereadores. Como se vê, a União, ré na ação, dificilmente terá o que fazer quanto ao processo legislativo municipal, tampouco, neste momento, o Poder Judiciário Federal.
Neste quadro constitucional e normativo, sem enfrentar as demais questões envolvidas na ação civil pública em epígrafe e considerando que, acaso inobservada a Constituição Federal e a legislação federal pertinente, a lei instituidora do Plano Diretor de Florianópolis poderá ser fulminada em ação específica, considerando ainda que se alega na inicial a violação do princípio da participação popular, pois as audiências públicas teriam sido realizadas de forma apenas formal, a sentença, coberta de bons propósitos, investe contra a tramitação e votação do Plano Diretor, impedindo o normal exercício do devido processo legislativo pelo poder competente (art. 2º, CF), investindo de igual modo sobre o poder sancionatório do executivo municipal. Nessa seara especialíssima é apreciável uma certa contenção judicial.
Assim, verifico presente a verossimilhança da alegação de invasão à competência legislativa municipal, além do perigo de dano de difícil reparação ao devido processo legislativo, que se vê impedido de operar, retardando-se ainda mais a difícil tarefa de construir um plano diretor atualizado e necessário a regrar aspecto vital para a existência da comunidade. Neste momento, impõe-se assegurar o normal exercício dos poderes municipais.
Ante o exposto, defiro o pedido de antecipação da tutela recursal de agravo de instrumento para o fim de atribuir efeito suspensivo ao recurso de apelação apresentado no evento de nº 92 da ação originária.
Intimem-se, sendo que o agravado aos fins do artigo 527, V, CPC.
Porto Alegre, 29 de abril de 2014.
Desª. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Relatora
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