Quem trabalha ou mora no centro de Florianópolis passa diariamente por pelo menos um grande exemplar da arquitetura modernista e provavelmente nunca se deu conta da importância de sua presença. Ameaçadas pelo desinteresse da população, e principalmente pela falta de manutenção adequada, as construções modernas e pós-modernas da Capital contam parte importante da história da cidade a partir de sua ruptura com o passado. O tema há alguns anos já é objeto de estudo de profissionais da área, que hoje buscam formas de ajudar a preservar uma fase relevante da biografia do município, erguida entre as décadas 1930 e 1980.
Os professores do curso de arquitetura da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Gilberto Yunes e Luiz Eduardo Teixeira, começaram uma série de pesquisas por volta de 2007. Delas partiram encontros que reuniram dezenas de arquitetos interessados em estudar e debater o modernismo, além de uma ideia que poderá mudar o panorama atual: um guia, com distribuição física e on-line para moradores e turistas, que mapeia os principais edifícios modernos da cidade. Ainda sem data para ser lançada, a publicação ganhou interesse do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico Nacional), que liberou recursos para bolsistas da universidade poderem trabalhar na produção.
As paredes envidraçadas, o concreto em evidência, os pilares que liberam espaço no térreo e a ausência de ornamentos, que agora dão lugar a figuras geométricas definidas, são algumas das características utilizadas pelos arquitetos modernos que deixaram Florianópolis com um semblante diferente. “Essas construções são um resultado de uma nova imagem que a cidade queria para si, após a inauguração da ponte Hercílio Luz”, explica Yunes.
Hoje dois fatores colocam em risco parte desse patrimônio: a demolição para dar lugar a novos empreendimentos e a descaracterização. O aumento dos cômodos, o fechamento de áreas ao livre e a instalação de divisórias são algumas das intervenções que os prédios acabam sofrendo ao longo dos anos e que mudam sua concepção original. Um dos principais exemplos desse processo é o LIC (Lagoa Iate Clube), localizado na Lagoa da Conceição, de 1969. De acordo com Yunes, o projeto assinado por Oscar Niemeyer sofreu uma série de alterações que modificaram tanto sua fisionomia interna quanto a externa. “Mas ainda assim, mesmo descaracterizado, o LIC tem todo o potencial para receber turistas e ser uma referência moderna na cidade”, defende.
A cidade como museu
Um dos grandes objetivos por trás do material que está sendo desenvolvido pela dupla de professores é direcionar os olhos das pessoas para a arquitetura moderna que as rodeia, partindo da ideia de que Florianópolis pode ser um grande museu a céu aberto. “Queremos poder olhar para a cidade como se ela fosse uma grande exposição, mostrando de que época é cada construção”, projeta Yunes.
Eles ressaltam que a ideia não é barrar novos empreendimentos no município e que muito menos se trata de nostalgia. “A finalidade é fazer as pessoas olharem para esses prédios. E manter o patrimônio incólume”, frisa Luiz Eduardo.
Entre as dezenas de exemplares mapeados para o guia, que dá mais espaço aos edifícios públicos, eles destacam além do LIC, o Edifício das Diretorias, na rua Tenente Silveira; o Instituto Estadual de Educação, na avenida Mauro Ramos; a sede da Eletrosul, na rua Deputado Antônio Edu Vieira; e o clube Penhasco, na Prainha.
Preservação
De acordo com a superintendente adjunta do Ipuf (Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis), Vanessa Pereira, o Sephan (Serviço de Patrimônio Histórico), que é vinculado ao órgão, já possui um estudo envolvendo o cadastramento de edificações modernas de maior relevância. “Nas grandes cidades essas construções são encontradas em maior quantidade, já que era uma época de grande desenvolvimento. Aqui, como não há muitos desses exemplares, temos que salvar os que existem”, afirma.
Com base nesse estudo, o edifício Normandie, localizado em Coqueiros, na região continental de Florianópolis, já está em processo de tombamento. Datado de 1964, o condomínio foi projetado pelo arquiteto gaúcho Roberto Félix Veronese para ser o mais badalado empreendimento da região: O Coqueiros Cassino Hotel. O plano não se concretizou, mas o imóvel é hoje o mais importante modelo residencial do modernismo no município.
A intenção do IPUF é que ele não tenha o mesmo o destino do edifício Mussi, derrubado em 2010 enquanto seu tombamento ainda era examinado. O prédio de 1957 ficava na rua Presidente Nereu Ramos e foi para o chão após os proprietários conseguirem uma autorização, que segundo Vanessa não era a correta. “O caso corre hoje na justiça”.
No Plano Diretor vigente, os proprietários de construções com mais de 30 anos precisam da autorização do Sephan para demolir os imóveis. No novo Plano proposto, aumenta para 50. Vanessa explica que a mudança se deu principalmente pela grande quantidade de pedidos que se acumulavam e empacavam outros procedimentos. “Chegavam muitos pedidos de proprietário de casas que apesar de terem mais de 30 anos, não tinham nenhum valor histórico, o que prejudicava o andamento dos processos”.
Casas em áreas nobres
Com a abertura da avenida Rio Branco, na metade do século 20, iniciou o processo de modernização da região central da cidade, onde hoje se encontra o maior número de casas com os traços da época. A influência do modernismo nessa região já foi tema de pesquisa da arquiteta Josicler Alberton, quando era mestranda na UFSC. “Durante a minha análise, realizada em 2006, algumas casas já estavam sendo derrubadas e na época eu percebi que a tendência era isso continuar acontecendo. Essa é uma área nobre da cidade e naturalmente se torna alvo da especulação imobiliária”, conclui.
Entre os principais exemplares destacados por ela na época estava a casa Zipser, localizada na rua Barão de Batovi, e que hoje dá endereço a um futuro condomínio. Datada de 1959, tinha o projeto assinado pelo arquiteto Hans Broons, austríaco radicado no Brasil, autor de algumas das mais importantes obras do país no período moderno. De acordo com Josicler, era a casa que mais preservava as características originais.
Ainda no panorama residencial, há um grande exemplar bem longe do centro. O projeto do loteamento da Praia do Forte, região hoje conhecida como Jurerê Tradicional, também da autoria de Niemeyer, é de 1959 e ainda conserva boa parte de seus atributos. De acordo, com o professor Gilberto Yunes, atualmente a comunidade tem feito esforços para tornar a região patrimônio histórico material.
(ND, 30/11/2013)
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