A área sempre foi alvo de disputas entre empresários, políticos e ambientalistas. A recente polêmica que envolve a Ponta do Coral é apenas mais um capítulo de um passado controverso. O primeiro remonta ao início dos anos 1980, quando um abrigo de menores existia no local. Instalado há 40 anos, o espaço já havia sido visado anos antes pela especulação imobiliária.
Então, em 30 de março de 1980, o prédio foi destruído por um incêndio. A maior parte das 400 crianças que morava na instituição participava de um evento no aterro da Baía Sul e precisou ser transferida às pressas para outros locais. Semanas depois, o laudo elaborado pela polícia apurou que o fogo foi provocado intencionalmente por material inflamável. Ninguém foi preso.
Em 29 de julho, o então governador Jorge Bornhausen decretou a venda do terreno, pois pretendia construir um novo abrigo, em Palhoça. A venda foi contestada, uma vez que precisaria de aprovação da Assembleia Legislativa, o que não ocorreu. A medida era assegurada pela Constituição Estadual vigente na época. A atitude provocou revolta na sociedade, que passou a protestar considerando a venda um ato nulo.
No dia 17 de novembro, o processo licitatório foi avaliado. Quatro empresas haviam se candidatado à compra: o Iate Clube de Florianópolis, a Sociedade Nacional de Construções (SNAC), a Kobrasol Empreendimentos Imobiliários e a Nova Próspera Mineração, de Criciúma, que acabou vencendo o pleito por oferecer o valor mais alto e o pagamento à vista.
Já no ano seguinte, o novo proprietário da Ponta do Coral, o empresário Realdo Guglielmi, propôs a construção de um hotel cinco estrelas no local. Mas o projeto foi barrado pela Fatma, Capitania dos Portos e manifestações públicas. Ele desistiu da proposta e pôs o terreno à venda, mas não houve interessados. O local entrou então no processo de abandono que permanece até hoje. Em 1991, Guglielmi adquiriu novas minas de carvão mineral, equipamentos e instalações da Companhia Siderúrgica Nacional a partir de um empréstimo de 4 bilhões de cruzeiros. Como garantia, entregou a Ponta do Coral, até hoje não recuperada.
O empresário morreu e não conseguiu resolver as pendências do local. O terreno hoje está em nome da viúva, Maria Bernadette Guglielmi, irmã do atual vice-governador, Eduardo Pinho Moreira. Os tributos do terreno, algo em torno de R$ 350 mil por ano, estão em dia.
(DC, 02/06/2013)
As vantagens de ser assim
Trinta e três anos depois de ter sido ocupada pela última vez, a Ponta do Coral – mais cobiçado e controverso terreno de Florianópolis – está perto de ganhar um novo destino. Para a prefeitura, a decisão deve ser tomada até o fim deste ano. Até lá, porém, a área continuará como está há três décadas: parada e sem destino. O espaço protagoniza uma polêmica desde 2008, quando tiveram início as discussões em torno do projeto do Parque Hotel Marina Ponta do Coral.
Há 20 dias, a prefeitura determinou o arquivamento do processo que circulava há um ano na Secretaria de Patrimônio da União (SPU) e pedia a autorização para aterramento. Com isso, o projeto da Hantei Engenharia fica congelado, já que 86% do empreendimento estão previstos para ser instalados sobre área aterrada. O processo, com mais de 500 páginas, foi um pedido do ex-prefeito Dário Berger.
Com a chegada de Cesar Souza Junior ao governo, os planos mudaram. Em março, antes mesmo de a SPU procurá-lo, a prefeitura alegou falta de interesse na continuidade do processo.
– O que analisamos foi o aterro e não o empreendimento, se ele é bom ou ruim. Olhei todo o processo e entendi que ele estava indevido e sem consistência para avançar. Principalmente por causa do aterro. A prefeitura só vai pedir autorização para o aterro se perceber que há interesse público nisso – afirma o procurador-geral do município, Julio Cesar Marcellino Júnior.
O aterro previsto pela Hantei, de 34,6 mil metros quadrados, é duas vezes maior do que a área total da Ponta do Coral hoje, cerca de 14,9 mil metros quadrados. Todo o espaço aterrado sobre o mar seria destinado à instalação de nove praças públicas abertas à população, que contornarão o hotel e darão continuidade à Avenida Beira-Mar Norte. O complexo teria ainda uma marina, dois estacionamentos e um hotel de luxo com 661 apartamentos.
Para o prefeito, o assunto está encerrado: o aterro não entrará mais em discussão. Ao negar a continuidade do processo, ele aguarda uma contraproposta da Hantei. Se nada for ofertado, Cesar Souza Junior não descarta a possibilidade de desapropriação. Segundo ele, ainda este ano a Ponta do Coral terá um destino definido.
– Ou se faz um empreendimento privado, com o que terreno que se tem lá, ou se parte para uma eventual negociação para uso público. Foi isso o que dissemos à empresa. Se eles reapresentassem um projeto que coubesse no terreno deles, a prefeitura teria a maior boa vontade. Uma marina, um complexo de restaurantes, algo que caiba no Plano Diretor, e que não precise duplicar a área com aterro – afirma Cesar Júnior.
(DC, 02/06/2013)
Hantei diz que há interesse público no complexo turístico e de lazer
Embora ainda não tenha sido notificada oficialmente, a Hantei Engenharia não se diz preocupada com o arquivamento do processo do aterro na Ponta do Coral. E é contundente ao afirmar que não vai desistir do projeto do complexo turístico e de lazer, orçado em R$ 350 milhões. O cercamento do terreno, na semana passada, é um dos sinais dessa persistência.
Já são cinco anos brigando pelo empreendimento e mais de R$ 22 milhões gastos só com estudos de impactos. Para o diretor-executivo da Hantei, Aliator Silveira, o terreno é privado, e é a isso que ele se detém.
O projeto prevê a construção de um hotel de frente para o mar com 661 apartamentos, uma marina com 247 vagas molhadas, dois estacionamentos (um interno, com mil vagas, e um externo, com 120) e nove praças públicas que irão contornar o empreendimento e dar continuidade à Beira-Mar Norte – praça dos ventos, das rendeiras, esportiva, dos eventos, do pôr-do-sol, do ócio, da gastronomia (com restaurantes e café), caminho literário e anfiteatro ao ar livre. Pelo projeto, todas as praças estarão instaladas na área aterrada e serão abertas à população, o que justificaria o interesse público. O hotel será construído no miolo, na área de terra privada já existente.
– Sem aterro não há praças. Por que nós as construiríamos dentro do nosso terreno privado, que já é pequeno? Isso não faz sentido. Vamos construir por conta do quê? Pedimos esse aumento de terra justamente para oferecer espaços públicos para a comunidade. E nós vamos em frente com essa ideia – argumenta Silveira.
Caso o complexo não saia do papel, a construtora já tem um plano B: irá instalar um prédio residencial no local, com a área de que dispõe. A Hantei entrou no negócio em 2008, quando fechou uma parceria com os proprietários do terreno, uma família do Sul do Estado, administradora de empresas de mineração em Criciúma.
O empresário Realdo Santos Guglielmi comprou a área em novembro de 1980 em uma licitação autorizada pelo governo do Estado, após oferecer, à vista, o valor de 91,9 milhões de cruzeiros – algo, hoje, em torno de R$ 4,1 milhões.
(DC, 02/06/2013)
Única proposta alternativa está nas mãos de um movimento da sociedade civil
No outro extremo do projeto do complexo de lazer há um movimento contrário à proposta da Hantei. Para essa corrente, a Ponta do Coral deve ser pública, como uma continuação da Avenida Beira-Mar. O grupo tenta na Justiça reverter a venda do terreno, feita nos anos 1980. Sugere, inclusive, que a área é mantida em situação de abandono de forma proposital, para que a população se comova e opte por um destino privado. Apontam ainda a suposta venda irregular de ranchos de pesca artesanal para profissionais que não são do setor.
A ideia mais avançada para a utilização da área é a criação do Parque Cultural das Três Pontas, do Movimento Ponta do Coral 100% Pública. Por meio de um site na internet e da organização de um abaixo-assinado, o grupo expõe a ideia de unificar as pontas do Coral, do Lessa e do Goulart, espaços de terra que ainda resistem no mar da Baía Norte.
– A Beira-Mar permite que a população faça exercícios em sua extensão. Um dos benefícios que a gente vê, e isso já foi conversado com a UFSC, que é tutora legal da Ponta do Lessa, é a instalação de uma unidade da biometria para orientar as pessoas. Além de equipamentos de exercícios para o cidadão. Afinal, ele paga impostos. Isso sem ser intimidado ou constrangido por equipamentos de um hotel internacional – comenta o professor e ecologista Lúcio Dias da Silva Filho, um dos integrantes do movimento.
O parque contará ainda com um centro de informações culturais, serviços de atendimento aos esportistas com instrutores e os equipamentos de biometria, quatro cooperativas voltadas para arte e artesanato da atividade pesqueira, gastronomia tradicional, barqueiros e pesca.
Segundo Lúcio, as três pontas formam um complexo ambiental, que envolve também o mangue do Itacorubi, onde estão resguardadas a fauna e a vegetação. O projeto é formado por uma equipe multidisciplinar – ambientalistas, biólogos, arquitetos, sociólogos, historiadores, artistas, militantes, sindicalistas e moradores das proximidades – e apoiado por pelo menos 15 instituições da Capital.
(DC, 02/06/2013)
“O mesmo hotel pode ser instalado em outro local”
Para o professor e ecologista Lúcio Dias da Silva Filho, integrante do movimento de instalação do Parque Cultural das Três Pontas, a venda do terreno deve ser revista e a prefeitura tem obrigação de gerir o local, junto com os pescadores artesanais.
Diário Catarinense – Por que a proposta do Parque Cultural até hoje não foi levada por vocês à prefeitura?
Lúcio Dias da Silva Filho – Indiretamente já foi. O Dalmo Vieira Filho (secretário municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano) conhece o projeto.
DC – Essa proposta não acaba sendo um entrave ao desenvolvimento turístico?
Lúcio – Um fator importante no turismo é a preservação do ambiente natural e cultural. Marina é superimportante, mas não pode ser construída em todos os lugares. Somos a favor do turismo cultural e ecológico na Ilha, com qualidade e sustentabilidade. O mesmo hotel pode ser instalado em outro local, que vai gerar renda igual, e ainda vai salvar a Ponta do Coral.
DC – Mas as nove praças públicas não justificam interesse público?
Lúcio – O projeto em si é inadequado porque descaracteriza a paisagem. O local merece a contemplação de área verde, de um projeto peculiar. Queremos harmonia total entre os elementos da natureza evitando tudo o que é pesado.
DC – E se a Ponta do Coral permanecer nas mãos da iniciativa privada?
Lúcio – Temos que esperar a definição do novo Plano Diretor para, daí, decidir o que pode ser construído. Só depois podemos pensar em um projeto. Enquanto isso não estiver definido, não temos como responder.
DC – Para o senhor, quanto de interesse político envolve o terreno?
Lúcio – Está fortemente caracterizado pelas pessoas envolvidas, como o Vinicius Lummertz (Secretário Nacional de Políticas de Turismo) e o Eduardo Pinho Moreira (vice-governador de SC), que são da família proprietária. Eles têm interesse no projeto da Hantei. Você se apropria de uma área pública, toma ela numa operação ilegal, que precisava da autorização da União e também não teve. Veja o lucro que tem isso aí.
DC – De que maneira seria gerenciado o parque cultural?
Lúcio – A gestão do parque pode ser voltada 100% pelos pescadores artesanais e suas famílias. Mas acima deles, quem gestiona é o poder público em parceria com cooperativas, viabilizando programas, injetando recursos.
DC– Mas o senhor acha que a prefeitura teria condições financeiras para isso?
Lúcio– Temos certeza de que a prefeitura pode e deve manter o parque. Há recursos para este fim em pelo menos cinco ministérios.
(DC, 02/06/2013)
“Posso dizer que 80% da população são favoráveis ao projeto”
O diretor executivo da Hantei, Aliator Silveira, que responde pelo projeto do Hotel Marina Ponta do Coral, afirmou não saber do recente arquivamento pela União do pedido de aterro da região, iniciado pela administração municipal anterior.
Diário Catarinense – Por que é necessário um aterro desse tamanho?
Aliator Silveira – Porque toda a parte aterrada será pública. Vamos fazer uma continuação da Beira-Mar, um troço lindo, e as pessoas não perderão o contato com o mar. Hoje, quem passa ali tem medo. Há mendigos morando, pessoas usando drogas. Por que iam querer deixar assim?
DC – Mas por que o proprietário do terreno não mantém tudo limpo e organizado?
Silveira – Roçamos há um mês e procuramos mantê-lo sempre limpo. O local agora foi cercado.
DC – E por que não fizeram antes sendo a família dona do local há 33 anos?
Silveira – Justamente por causa da polêmica do empreendimento. Se a gente deixa aberto, cria polêmica. Se fecha, também cria. As pessoas vão olhar e criticar.
DC – O interesse político pode ajudar a tirar o projeto do papel?
Silveira – Não sei. O que posso dizer é que 80% da população são favoráveis ao projeto. Os que batem contra são sempre os mesmos, não passam de 10. Imagina: terá uma marina que todo mundo quer, terá emprego que todo mundo quer, terá R$ 25 milhões em arrecadação ao governo e ainda vai trazer grandes eventos, que hoje não temos.
DC – Se há tanta coisa boa, por que o senhor acha que há tanta gente contra?
Silveira – Os que são contra, cada dia têm um argumento diferente. É como querer invadir a casa do outro e achar que tem razão. Aquilo é um terreno privado e ponto. Tinha que ser público? Tinha, mas não é. O Estado devia ter feito algo? Devia, mas não fez. Por que não compraram lá em 1980, quando teve licitação? Compra e faz o que quer.
DC – Há como garantir que o aterro será público depois de pronto?
Silveira – É só a prefeitura exigir da Hantei uma declaração em cartório dizendo que o protocolo de intenções publicado no Diário Oficial garante que o aterro será para uso público. Só isso.
DC – As pessoas vão se sentir à vontade de frequentar as praças dentro um hotel de luxo?
Silveira – O mundo é assim. Pobre, rico, todos estão perto um do outro. A Praça XV é assim. O nosso projeto é uma continuação da Beira-Mar e todo tipo de gente anda hoje pela Beira-Mar.
DC – Por que não construir em outro lugar?
Silveira – Nem cogitamos. O terreno é privado. Se não quiserem aterro, praças, nada público, deixamos assim. A gente constrói um prédio residencial, que é o possível naquele espaço. E acabou.
(DC, 02/06/2013)
Embates semelhantes espalhados pelo mundo
A exemplo do Hotel Marina Ponta do Coral e da polêmica envolvendo o terreno à beira-mar, em Florianópolis, outros projetos semelhantes também causaram controversias pelo mundo. Em alguns casos, o desenvolvimento turístico se baseou na construção de empreendimentos como hotéis, cassinos e shoppings centers. Projetos de instalação de marinas e aterramentos permitiram a renovação de áreas muitas vezes degradadas e sem o acesso da população Em outros, as manifestações públicas contrárias conseguiram impedir o avanço dos empreendimentos. Para quem defende essa ideia, a criação de um parque público é uma alternativa para trabalhar o turismo, já que ele não seria capaz de atrair apenas a população local, mas também quem costuma visitar as cidades.
O DC exemplifica esse impasse com quatro emblemáticos projetos: dois deles viraram parques públicos e dois tiveram mais sucesso com a instalação de empreendimentos.
(DC, 03/06/2013)
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