Presidente confirmou mudanças de trechos que beneficiam produtores, o que provocou retaliações da bancada ruralista
Ao vetar nove pontos do texto do Código Florestal aprovado na Câmara, a presidente Dilma Rousseff modificou trechos que beneficiavam produtores rurais e, como resposta, recebeu ameaças de retaliação de ruralistas.
À frente de um dos grupos mais influentes do Congresso, formado por 215 deputados e 15 senadores, o líder da Frente Parlamentar da Agropecuária, Homero Pereira (PSD-MT), classificou as mudanças como um golpe do Palácio do Planalto.
– Não foi cumprido o acordo que tínhamos com os líderes do governo. Quando não se cumpre um acordo, está se dando um golpe – reclamou.
Segundo o deputado, a regulamentação da lei ainda será analisada de forma mais detalhada e, se forem confirmados prejuízos graves à produção rural, haverá reação.
– Podemos tomar medidas jurídicas, políticas ou legislativas – disse.
Para Enori Barbieri, presidente da Cidasc, órgão estadual de desenvolvimento agrícola, os vetos da presidente poderão ser revistos no Congresso.
– A presidente se equivocou com estes vetos, porque eles vão prejudicar a agricultura familiar que, em SC, tem as suas principais áreas nas várzeas de rios ou ao redor deles. Se tivermos que aplicar a lei como ela está agora, perdemos pelo menos 20% da agricultura catarinense – projetou.
Conciliação foi feita na marra
Apesar de mais resignada por considerar que pelo menos passa a haver segurança jurídica, a senadora Kátia Abreu (PSD-TO), presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), não descarta uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF), caso estudos mostrem prejuízos significativos. Para Kátia, o pior foi o descumprimento do acordo fechado entre os ruralistas e as lideranças do governo no Congresso.
O cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília (UnB), entende que, apesar das ameaças, a bancada ruralista mostra sinais de divisão e boa parte dos deputados consideraria ter questões mais importantes a tratar com o governo. Para Fleischer, Dilma fez na marra a conciliação possível entre produção e conservação da natureza, e os vetos foram a saída devido às negociações fracassadas na Câmara.
O NOVO DESENHO
Como ficaram alguns dos pontos principais do novo Código, após os vetos:
Alteração das áreas consideradas áreas de preservação permanente: a lei reduz as áreas que são consideradas como ÁPPs. Deixam de estar nesta categoria os olhos da água intermitentes, os reservatórios artificiais da água decorrentes de barragens ou represas e reservatórios naturais com superfície inferior a um hectare. Também é alterada a forma de medição de áreas de preservação permanente, principalmente no entorno de cursos da água. Antes a medição era no nível máximo de cheia dos rios e agora será medida pelo leito médio do curso da água.
Regularização de atividades agrossilvopastoris em APPs e reserva legal: regulariza as atividades que estavam sendo realizadas até 22 de julho de 2008. Antes, não havia possibilidade de regularização e a nova lei permite esta correção das atividades consolidadas até a data a partir da assinatura de um termo com os órgãos ambientais. Os proprietários terão que comprovar a atividade neste período. O que foi plantado após esta data é considerado ilegal e deve ser removido.
Recuperação das APPs escalonadas, a chamada Escadinha: os produtores que implantaram atividades antes de 22 de julho de 2008 terão que fazer uma recuperação mínima da faixa de proteção que varia com a quantidade de módulos.
Soma das áreas de APPs para cálculo do montante da reserva legal: antes era preciso ter 20% da área de reserva legal e mais área de preservação permanente. Agora, será possível computar a área de preservação permanente para fechar o total de reserva legal. Mas as áreas de reserva legal não podem ser somadas na conta das APPs.
Criação do Cadastro Ambiental Rural: todos os imóveis rurais vão precisar fazer um cadastro eletrônico junto aos órgãos ambientais. Neste cadastro, estarão todas as informações a respeito do cumprimento das regras de proteção ambiental, como o registro da reserva legal e as necessidades de recuperação de áreas. O registro vai informar a situação das APPs e das reservas legais. Se identificada a necessidade de recuperação, o produtor terá de aderir ao Programa de Regularização Ambiental e assinar um termo de compromisso com o órgão ambiental onde vai definir provas e prazos desta recuperação.
Frases
“A presidente se equivocou com estes vetos. Se tivermos que aplicar a lei como ela está agora, perdemos pelo menos 20% da agricultura catarinense.” ENORI BARBIERI, Presidente da Cidasc
“Precisamos resolver isso ou parar com o plantio de arroz e usar as várzeas brasileiras. A presidente tomou essa decisão errada e, com certeza, vai ter de corrigir seu erro.” VALDIR COLATTO, Deputado federal pelo PMDB-SC
(DC, 19/10/2012)
Lados opostos descontentes
Lados opostos na trincheira dos debates sobre o Código Florestal, ambientalistas e ruralistas se uniram ontem no coro de descontentamento com a versão publicada ontem no Diário Oficial da União. Dificuldades na aplicação das normas e questionamentos jurídicos futuros são argumentos apresentados.
– É só uma lei de legalização do desmatamento. Não é uma lei florestal. Boa parte dos produtores rurais, quando tiver de implementar essa lei, perceberá o quão complexa e contraditória é – ressaltou o ambientalista Raul do Vale, membro do Instituto Sócio Ambiental.
Para o deputado federal Valdir Colatto (PMDB-SC), integrante da Frente Parlamentar da Agropecuária, um dos pontos problemáticos da legislação diz respeito às áreas de várzeas. O parlamentar catarinense alerta que o veto torna ilegal todas as atividades econômicas desenvolvidas nas áreas alagadas, o que tem impacto direto nas lavouras de arroz.
– Precisamos resolver isso ou parar com o plantio de arroz e usar as várzeas brasileiras. A presidente tomou essa decisão errada e, com certeza, vai ter de corrigir seu erro.
(DC, 19/10/2012)