Quando tira do rancho a velha canoa esculpida em tronco de garapuvu e começa a remar rio abaixo, passado e presente se misturam nas lembranças de Nestor da Silva, 62, que começou a pescar aos sete anos, quando os botos ainda subiam o Ratones atrás de cardumes de tainhas ovadas. Os olhos atentos de quem sabe observar a natureza sem pressa brilham quando fala do tempo em que, mirradinho, deitava na proa da canoa e era levado pelo falecido pai, o velho Fernando, para “pescar sem fazer força”.
Era tanta fartura que bastava duas pessoas esticarem um pedaço de rede ou tarrafa pelas extremidades e remexerem as raízes submersas do mangue, ou bater com a vara de bambu na água junto às margens. “Os peixes pulavam, se enroscavam nas malhas e caiam no fundo da canoa, que logo ficava cheia”, recorda. A safra era dividida entre parentes e vizinhos, o que sobrava era vendido na própria comunidade
Hoje, antes de saber se voltará para casa com pelo menos o almoço da família, Nestor precisa se esquivar de galhadas e ilhotas então inexistentes, fugindo dos trechos cada vez mais rasos e menos sinuosos do rio. Com a paciência de quem aprendeu a esperar o movimento da maré, o pescador rema no fio d’água entre os bancos de areia que se formaram ao longo dos 6,25 quilômetros de extensão. “Temos de ir cada vez mais longe para matar alguma coisa, peixes e camarões estão escasseando nos últimos dez anos”, constata.
As causas do desaparecimento dos peixes, assim como Nestor, todos os outros pescadores do rio Ratones sabem. Na década de 1960, o ex-governador Celso Ramos (1961-1966), dono de uma fazenda de gado leiteiro e de corte na Vargem Pequena, determinou a instalação de comportas sob as pontes da atual SC-402 (acesso a Jurerê) e a mudança do curso original do rio desde a nascente, para evitar inundações das terras por água salobra em períodos de maré cheia.
Ocupação acentua emissão de esgotos
Para o oceanógrafo Silvio Souza Júnior, chefe da Estação Ecológica Carijós, área administrada pelo ICmBio (Instituto Chico Mendes da Conservação e Biodiversidade), qualquer ação para salvar e proteger o rio Ratones é bem vinda. “Desde que acompanhada de estudos de viabilidade e impactos ambientais”, ressalta.
Preocupado com os reflexos na área da reserva, Souza alerta para os riscos da ocupação desordenada no entorno do rio, especialmente nos trechos não protegidos pelos limites da reserva”, alerta.
A emissão de esgoto, principalmente por meio do rio Papaquara, também compromete a qualidade da água. Segundo a Casan (Companhia de Água e Saneamento), o projeto para despoluir a bacia do Ratones foi contratado em 2010 e está na fase final de execução. Está orçado em R$ 201.564,86. Cerca de 15 mil pessoas vivem no entorno da bacia, a maioria absoluta sem tratamento dos dejetos domésticos.
(Edson Rosa, ND, 01/10/2011)
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