O Estado possui 130 pedaços marinhos de terras privilegiados, e alguns deles estão sendo comercializadas, como a Ilha das Cascas, em São José, e uma em Governador Celso Ramos
Qual seria o preço de um mundo particular? Os vendedores das cessões de uso das ilhas catarinenses tentam calcular isso. E arriscam alto. Para desfrutar de uma pequena porção de terra em Governador Celso Ramos, com uma casa em estilo rústico, por exemplo, o comprador terá que desembolsar até R$ 5 milhões.
O atual “dono”, que não quer que o lugar e nem o seu nome sejam identificados por questões de segurança, só viu vantagens nas quase três décadas em que mora na ilha.
– Desde que viemos, nunca mais conseguimos ficar longe por muito tempo. A ilha é tão fascinante que venceu todas as outras vantagens que outro lugar pudesse ter – garante.
Ele se refere ao privilégio da privacidade e à vista. Com o mar cercando os 4,5 mil metros quadrados e atraindo os olhares, a família criou quatro filhos. Para o “dono” da ilha, qualquer isolamento das crianças foi compensado pela grande aula de independência que a dificuldade em conseguir auxílio impõe.
– Até chegar alguém demorava tanto que, desde pequenos quando alguma coisa quebra, eles logo dizem, “eu conserto” – comemora o pai.
O paraíso está distante 800 metros do Continente e, agora, está à venda.
– Só temos lembranças boas daqui. Eu e minha mulher não queremos sair muito velhos. Queremos sair bem. Também desejamos dar oportunidade de morar aqui para outras pessoas – explica.
Existem 130 ilhas marinhas no Estado – incluindo a Ilha de SC –, número pequeno comparando-se com o Estado do Rio, que conta com 365. E a oportunidade de se ter uma ilha está cada vez mais reduzida. Não há um levantamento de quantas porções são ocupadas. Porém, daqui para a frente, só serão dadas permissões referentes a ocupações anteriores ao ano de 2006, como explica a superintendente da Secretaria do Patrimônio da União do Estado (SPU), Isolde Espíndola.
– Antes, a pessoa ia ocupando, agora, não é mais assim. Quem não ocupou até 2006, não terá a inscrição da SPU – destaca.
A corretora de imóveis de Florianópolis, Regina Rodrigues da Silva, que vem trabalhando na venda da Ilha das Cascas, em São José, aponta algumas dificuldades na venda de um imóvel como este.
– Além do preço – R$ 6 milhões –, há muitas taxas e existe uma certa burocracia para conseguir autorizações dos órgãos e se reformar as construções que já existem – destaca.
Por isso, são ainda mais caras as ilhas com construções novas e que são mais perto da praia, como explica o diretor de uma imobiliária multinacional, com sede em São Paulo, Celso Pinto. No momento, o empreendimento trabalha com 20 imóveis desses por todo o país – com preços entre R$ 6 milhões e R$ 30 milhões. Para o corretor, o principal fator que movimenta esse setor e que faz com que a imobiliária venda até quatro ilhas por ano é o simbólico.
– É um imóvel que significa uma porção de beleza, um pequeno universo. É o sonho de muita gente, e ainda traz status – explica Celso.
(Por Gabrielle Bittelbrun, DC, 04/09/2011)
Licença para ocupação antes de 2006
As ilhas à venda, na verdade, não são propriedade particular. São imóveis que têm autorização para uso, concedida pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU). Como explica o advogado e autor do livro Dos Terrenos de Marinha e Seus Acrescidos, Roberto Pugliese, a maioria das ocupações nas ilhas ocorreu há algumas gerações, sem autorização prévia. A legalização, nesses casos, viria depois, pelo tempo de ocupação. Foi o que aconteceu com o morador de uma ilha de Governador Celso Ramos, que há 38 anos descobriu a porção de terra.
– Cheguei procurando um terreno de frente para o mar. Um funcionário meu disse “aqui, todo mundo pega, só que todo mundo já pegou”. Então, ele sugeriu a ilha que viemos a “desbravar” – conta.
Para Pugliese, não se deveria privatizar essas áreas privilegiadas, com alto valor econômico, histórico e turístico. Na tentativa de garantir a preservação desses espaços, atualmente a SPU dá permissão de uso apenas para quem ocupou ilhas anteriormente a 2006. É considerado também, antes de se fornecer a permissão, se essa ocupação causará agressão ao meio ambiente, se atingirá área de preservação ambiental e se concentra prédios históricos. O que pode ser vendido, então, mediante taxas, é essa cessão e não a ilha em si.
Além da cessão, o “proprietário” pode requerer o registro em cartório, para oficializar o uso. Mesmo assim, como explica a superintendente da SPU, Isolde Espíndola, a permissão não é permanente.
– Pode-se decidir transformar a área em unidade de preservação, por exemplo. A autorização é um título precário – explica.
Em caso de irregularidades, os ocupantes podem ter que pagar multa – de valor variável, conforme o tipo de infração – ou até deixar os locais. Também são passíveis de sanção, por parte da SPU, os ocupantes que proibirem o acesso à praia.
– A pessoa pode ter autorização para ocupar a parte de dentro da ilha, a praia continua de uso comum – explica a superintendente Isolde.
Há uma série de órgãos ambientais do município, do Estado e do país para avaliar a regularidade da ocupação das ilhas. Mas, de acordo com o superintendente substituto do Ibama, Kleber Isaac de Souza, além de serem cercadas por mar, as ilhas são cercadas por “um emaranhado de competências”, o que dificulta o trabalho de fiscalização e o cumprimento da lei.
(DC, 04/09/2011)
Questão ambiental preocupa
Um estudo finalizado no ano passado deve ajudar a fiscalizar o uso e dar um retrato fiel das ilhas catarinenses. De todas as 130 ilhas marinhas, o Projeto Ilha, com o apoio do Ibama, analisou as características de 52 pelo Estado, durante quatro anos. Desse universo, além de 38% terem cessão de uso, 15% têm ocupação irregular.
A ocupação e o uso indevidos preocupam o executor do projeto, Alexandre Felipinni.
Segundo o pesquisador, 11% das ilhas têm elementos arqueológicos que devem ser preservados, como a Ilha de Anhatomirim e a do Campeche. Além disso, as ilhas são áreas onde ocorre especificação, ou seja, com espécies únicas, formadas pelo isolamento e por condições típicas de meio ambiente. É o caso da espécie de preá que existe apenas na Ilha Moleques do Sul.
Qualquer intervenção não planejada pode causar a extinção de uma espécie única ou que nem ao menos foi descoberta ainda. O estudioso destaca duas espécies de marsupiais – animais com uma bolsa abdominal para parte do desenvolvimento dos filhotes – que estão em extinção na Ilha do Campeche. A ameaça foi causada pelos quatis que foram introduzidos na área e que se alimentam dos marsupiais.
Ele explica, ainda, que a ocupação sem autorização, como ocorre na Ilha do Campeche, pode atingir ainda mais o ambiente. Ações como a colocação de fogos de artifício na Ilha das Cabras, em Balneário Camboriú, nos finais de ano, também traz impactos ambientais.
Mesmo assim, o pesquisador avalia como relativamente preservadas as ilhas catarinenses e espera que o levantamento sirva para que todos os órgãos fiscalizadores notem a riqueza dos pequenos ecossistemas.
– Cada ilha é um mundo, nenhuma ilha é igual a outra – destaca.
(DC, 04/09/2011)
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