Uma lista com 25 nomes de jovens marcados para morrer, condenados pelos chefes do tráfico de drogas no Alto da Caieira, deu início ao projeto social que retirou o maior número de crianças da criminalidade até hoje em Florianópolis. A maioria era de estudantes da Escola Básica Lúcia Livramento Mayvord, de 13 a 15 anos, membros de gangues que disputavam a influência no morro. Com a notícia de que os jovens eram procurados por bandidos da comunidade, os colaboradores do Centro Cultural Escrava Anastácia (CCEA) ofereceram a oportunidade de abandonar a criminalidade e participar de atividades esportivas e culturais. Era o começo do projeto Procurando Caminho na região do Alto da Caieira, em 2008.
Desde então, o programa acolhe crianças e adolescentes ligados ao narcotráfico, embora muitos participantes não tenham envolvimento com qualquer tipo de crime. A iniciativa já alcança todas as comunidades do Maciço do Morro da Cruz. Em uma das unidades onde o programa é oferecido, no Mont Serrat, passaram cerca de 70 alunos do Procurando Caminho até hoje. Eles deixaram de gastar seu tempo livre nas ruas para praticar surfe, fazer trilhas na mata, rafting e outros esportes.
O CCEA surgiu como uma união de escolas e creches do Maciço, com a finalidade de oferecer cultura e lazer aos jovens da comunidade fora do horário da escola. Sua sede está instalada aos fundos da capela de Mont Serrat, onde também funcionam o Centro Social Marista Mont Serrat e a Casa de Acolhimento Darcy Vitória de Brito. É ali também onde mora o Padre Vilson Groh, brusquense que se mudou para Florianópolis há 28 anos e desde então trabalhou a frente de projetos sociais para levar emprego, educação e cultura à população dos morros. O CCEA é a entidade mais estruturada de uma rede de organizações não-governamentais que cooperam entre si, atuando na cidade sob a tutela de Padre Vilson. A entidade é a única que possui uma assessoria de imprensa e tem o maior número de colaboradores.
Como em qualquer iniciativa do terceiro setor, o dinheiro que mantém essa rede de entidades vem de doações do setor privado e convênios com o governo federal, do estado e do município. No caso do CCEA, a maior parte dos seus projetos é financiado pelo governo de Santa Catarina. Quando faltam verbas em uma das instituições para uma finalidade específica, o dinheiro pode ser repassado por outras integrantes da rede. Isso evita que projetos como o Procurando Caminho fiquem sem atividade.
Os articuladores são obrigados a improvisar atividades quando as condições não são ideais, que é o caso do projeto atualmente. Apesar do convênio com o governo já ter sido renovado, o dinheiro para o Procurando Caminho ainda não foi depositado. O CCEA espera a verba para esta semana. A situação é pior na unidade Alto da Caieira, onde o Programa esporte e Lazer das Cidades, o PELC, foi cancelado em junho e não houve nenhuma outra atividade para substituí-lo.
A finalidade do projeto não é apenas tirar os jovens da rua, mas também dar a eles um novo rumo. À medida que envelhecem, conseguem um emprego formal e dão lugar a novas crianças no programa, os alunos são incentivados a continuar praticando os esportes em que se destacam e buscar profissionalização. Os articuladores ficam responsáveis por cuidar para que cada aluno compareça, convencendo o jovem e sua família de que é melhor estar ali do que na rua. Mesmo com esse trabalho, nem todos os alunos que se inscrevem nos projetos continuam a frequentar as aulas. “O nosso maior desafio é explicar a importância do trabalho aos pais, que muitas vezes se conformam com o fato de os filhos estarem nas ruas, ou também são traficantes” Luciana Varella, articuladora do Mont Serrat. A parte mais importante, para ela, é não deixar que o projeto fique sem atividade por um dia sequer.
(Por Tulio Kruse, Cotidiano, 19/08/2011)
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