O bairro que recém completou 180 anos na visão de seus moradores
Enquanto caminha pela praça da Igreja de São João Batista, Jaime Evilásio Soares, 88, diz que sente saudades. A falta é da mãe, do pai, da esposa e de um tempo diferente, quando o bairro florianopolitano do Rio Vermelho, que esta semana completou 180 anos, ainda não tinha visto o asfalto e nem os problemas sociais.
Com 13.513 habitantes, contados pelo último Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia Estatística), o Rio Vermelho mantém poucos moradores nativos como o aposentado Jaime, filho de João Gualberto Soares, um dos entusiastas do bairro homenageado com o nome da principal rodovia que interliga o Rio Vermelho. “Aqui a gente produzia por dia 500 litros de leite, além de café, amendoim, cenoura, beterraba e alho”, enumera Jaime enquanto folheia sua inseparável pasta alaranjada, onde guarda todas as recordações da família e do bairro.
Entre as memórias do Rio Vermelho, apenas as de famílias nativas como a dos Soares ainda permanecem, afinal, muita coisa foi perdida com o tempo. O historiador Carlos Wendt, lembra que a colonização do bairro foi feita basicamente por índios e açorianos.
A sobrinha de Jaime, a professora aposentada Clara Alice Soares de Meneses, 53, também mantém as memórias do pai em três cadernos que pretende transformar em livros. “Apesar das mudanças do Rio Vermelho, nossa vida se construiu aqui, amamos esse lugar”, define.
Uma terra de engenhos
As gigantes engrenagens, os bois e os tanques para secar a mandioca eram comuns no bairro Rio Vermelho, em Florianópolis. No começo da colonização, em meados de 1831, os engenhos de farinha começaram aparecer e durante a Guerra do Paraguai, em 1864, tiveram seu auge porque Florianópolis era referência para envio de alimentos para o fronte de guerra. “O declínio dos engenhos no Rio Vermelho aconteceu em 1920, quando houve a revolução industrial e com ela, a entrada da farinha de trigo no país”, destaca o historiador Carlos Wendt.
Em 2011, são apenas três.Um deles é do morador Ermínio Euclides dos Santos, 55, que aprendeu com os pais a técnica de transformar a mandioca em farinha. O engenho de Ermínio, construído há três anos, é o único do bairro que ainda é movido pela força do boi. “Construí ele para resgatar um pouco da cultura e da memória da minha família”, conta orgulhoso.
Este ano, Ermínio fez a quarta farinhada desde a criação do engenho. Para completar o processo, ele leva dois dias e ainda conta com a ajuda de outros moradores.
Uma terra de todas as culturas
Na sala de aula da professora Viviane Maria Nunes, 37, os pequenos alunos não são mais apenas filhos e netos de antigos moradores. “Ensino crianças de todos os estados brasileiros e até argentinos que se mudaram com a família para o Brasil”, diz a professora que vive desde a infância no bairro.
Tantas pessoas e culturas diferentes trouxeram ao Rio Vermelho a insegurança. “Sou de um tempo em que conseguia deixar o varal cheio de roupas e a porta aberta quando fazia compras”, recorda a professora aposentada Clara Alice Soares de Meneses, 53. Hoje, a regra do bairro é evitar sair à noite sozinho.
As terras vendidas a um preço barato e a proximidade com as praias, talvez sejam alguns dos motivos que atraem novos moradores ao Rio Vermelho. O historiador Carlos Wendt explica que no fim da década de 90, terrenos de 400 m² eram vendidos a R$ 1.500. “Isso trouxe uma massa mais carente da população que vinha de outros Estados e precisava de um lugar para viver”, lembra.
Hoje o bairro recebe outro perfil de moradores, que procuram terrenos maiores, extintos em outras localidades de Florianópolis. “Os valores chegam a ser 50% mais em conta em relação a outros bairros como o João Paulo, Itacorubi e a própria Lagoa da Conceição”, pontua.
Uma terra verde e vermelha
Não poderia ser diferente, o bairro Rio Vermelho foi batizado devido suas águas que na época da colonização ganhavam nas nascentes uma coloração avermelhada. Hoje, a Fatma (Fundação do Meio Ambiente) ainda não tem idéia de quantas nascentes existem na região do Rio Vermelho. “Para determinar isso, estamos realizando estudos que estão em fase final”, confirma Fávio Victoria, gerente de licenciamento em recursos hídricos da Fatma.
Apesar de ainda não constarem números das nascentes, a chefe da unidade de conservação do Parque Estadual do Rio Vermelho, Elaine Zuchiwfchi, lembra a importância da região para a manutenção do meio ambiente de Florianópolis. “A própria nascente do Rio Vermelho é uma das responsáveis por abastecer, ainda que de forma singela a Lagoa da Conceição”, destaca.
Em seus 1.532 hectares, o Parque abriga 160 espécies de vegetais nativas, além de 106 espécies de aves silvestres, 15 de répteis e outros 25 mamíferos.
(Por Saraga Schiestl, ND, 14/08/2011)
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