Florianópolis guarda legado em meio a áreas rochosas próximas do mar
Navegando contra as ondas, o bote Mareados leva 45 minutos para chegar à praia da Ilha do Campeche, em Florianópolis. Subindo o morro, em direção ao leste, atravessa-se a mata atlântica até alcançar o topo. Descendo em direção ao costão, em meio às pedras, surgem as Máscaras Gêmeas, uma das 167 gravuras rupestres da Ilha. É como fazer uma viagem à pré-história catarinense.
Há gravuras rupestres espalhadas em todo o mundo. Em SC, são formas abstratas: círculos, pontos, triângulos e figuras de animais e de homens. Foram feitas pelos povos indígenas que habitaram o Estado antes da chegada dos europeus, há pelo menos mil anos. Ainda há mistério sobre quem as fez e, principalmente, por quê.
A nossa viagem é à Ilha do Campeche, mas poderia ser a outros locais da Ilha de Santa Catarina ou até mesmo a outras sete cidades do Estado. O DC cruzou os dados de dois livros – Panorama Arqueológico de Santa Catarina e Levantamento de Arte Rupestre na Ilha de Santa Catarina e Ilhas Adjacentes – Brasil – e fez um mapa com as localizações. Caxambu do Sul, Campos Novos, Petrolândia e Urubici são os municípios fora do Litoral que têm gravuras. As outras estão desde a Ilha João Cunha, em Porto Belo, ao Norte, até a Ponta do Galeão, em Garopaba, ao Sul, passando por outros lugares incomparáveis, como a Guarda do Embaú, a Ilha do Arvoredo e o Morro do Gravatá.
Um dos poucos lugares preparados para a visitação das inscrições rupestres é o Costão do Santinho, na Capital. A gravura, aliás, dá nome à praia.
Bem diferente é visitar a Ilha do Campeche. Tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), é considerada Patrimônio Arqueológico e Paisagístico Nacional. Acompanharam a reportagem a coordenadora do Instituto Campeche, que faz a gestão da ilha junto ao Iphan, Janice Peixoto, e o monitor Charles Gorri. Menos de dois minutos e acontece a primeira parada: é uma oficina lítica, local que servia para os indígenas polirem seus instrumentos.
– Eles usavam areia e água para polir machados e facas. Por isso, há a hipótese de que o mar estivesse mais elevado – explica Janice.
Curioso é que, na Armação do Pântano do Sul, de onde saiu o barco, o mar avançou há três anos e acabou com a praia. Hoje, ela é só pedras. Uma da trilhas leva até a pedra preta, onde há ao menos quatro gravuras rupestres. Em princípio, é difícil de enxergá-las.
Saindo dali, outra trilha leva às Máscaras Gêmeas, a mais famosa das inscrições rupestres. O lugar também conta com uma série de triângulos, pontos, círculos e linhas em um painel chamado Letreiro.
Segundo a professora Deisi Scunderlick Eloy de Farias, coautora do livro Panorama Arqueológico de Santa Catarina, a hipótese é de que elas tenham sido feitas pelos Homens do Sambaqui ou, mais provavelmente, pelos Jês Meridionais (Kaingang e Xokleng). Talvez, pelos dois povos. Podem ter servido para marcar território ou para apontar um lugar de ritual, seja de iniciação ou de sepultamento.
(Por Mauricio Frighetto, DC, 08/08/2011)
Falta conhecer a cultura
A pesquisadora Deisi Scunderlick Eloy de Farias considera que o brasileiro não conhece o seu patrimônio histórico e cultural. Para mudar isso, aposta na educação:
– Aprende-se mais sobre a história europeia do que sobre a história do Brasil. Isso gera uma espécie de invisibilidade da cultura nacional.
Deisi é professora da Unisul e doutora em História com área de concentração em Arqueologia. Escreveu o livro Panorama Arqueológico de Santa Catarina junto ao professor Andreas Kneip, docente da Universidade Federal do Tocantins. Foram listados 2.073 sítios arqueológicos em 115 cidades do Estado. Mas este número pode ser ainda maior, dada a porção do território que ainda não foi pesquisada.
– Penso que as escolas poderiam estar mais próximas deste patrimônio arqueológico. Poderiam divulgar menos a história europeia e mais a brasileira. E a história do Brasil é anterior à chegada do europeu – lembra.
De Paraíso, fronteira com a Argentina, no Extremo Oeste, a Florianópolis, no Litoral, e de Itapoá, divisa com o Paraná, a Passo de Torres, divisa com o Rio Grande do Sul, há sítios arqueológicos. As evidências mais antigas no território catarinense estão no Litoral Sul.
(DC, 08/08/2011)
Trechos do livro
“Atualmente, o que se percebe é que os homens quando ocupam um território utilizam todos os recurso, devastando grandes extensões de florestas, empobrecendo o solo e provocando diversos tipos de degradação, chegando até nós em forma de de desastres ambientais. Hoje, esse movimento é acelerado e corremos o risco de gerações futuras não usufruírem desses recursos, muito menos conhecê-los.”
“Percebemos que muitos municípios que possuem alto potencial arqueológico não possuem, de fato, leis que tornem possível a difusão e a fruição desse patrimônio pela população local. Além disso, as escolas não possuem material pedagógico compatível com a realidade arqueológica local, produzindo cidadãos que desconhecem a sua história desde os primórdios.”
“Estudar a pré-história, entre outras coisas, nos mostrará os movimentos que os diversos povos que ocuparam nosso Estado fizeram para sobreviver às mudanças cíclicas do meio ambiente, como cheias de rios, secas, solos empobrecidos e erodidos, diminuição e expansão de florestas e campos, enfim, os diversos movimentos que foram ocasionados tanto pela ação natural do planeta quanto pelas tendências culturais dos grupos humanos.”
“Consideramos que a preservação deve ser pautada em uma forte ação e educativas, envolvendo a discussão sobre a organização de políticas públicas de preservação e fruição dos sítios arqueológicos. Essas ações devem ser motivadas nos mais diversos ambientes da sociedade catarinense, primando pela reelaboração da memória coletiva e plural desse Estado, que desde a pré-história apresenta-se como um grande mosaico étnico e cultural, atraindo centenas de grupos que aqui se instalaram, vindos de diversas regiões do país.”
(DC, 08/08/2011)
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