Demora no tombamento de prédios e especulação imobiliária colocam em risco a história da arquitetura recente da Capital
Os pilares em formato de “v” do Edifício Mussi, uma das características da arquitetura modernista, agora só podem ser vistos nas imagens dos estudos de doutorados de Arquitetura da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Cada detalhe do prédio que lembrava a época áurea da década de 1950 de Florianópolis virou entulho.
Outros imóveis desse e outros períodos já se perderam em todo o Estado por ainda não estarem tombados. A morosidade para o tombamento somada à ânsia da especulação imobiliária são apontados pelo presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) em Santa Catarina, Edson Cattoni, como motivos que fazem o Estado perder os símbolos da história recente.
– Muitas pessoas em cargos públicos se mostram aliados aos interesses privados, interpretando a lei de forma a autorizar a demolição de um bem com valor social – observa Cattoni, ao falar do Edifício Mussi, posto abaixo pela empresa Hantei no final de semana de 23 e 24 de outubro.
O arquiteto salienta que esse não foi o único patrimônio em fase de tombamento destruído. No caso do Mussi, datado de 1957, o Ministério Público Federal tinha recomendado paralisar a intervenção, já que o Instituto Nacional de Patrimônio Histórico (Iphan) se mostrou interessado em tombar o imóvel, mas a solicitação foi ignorada. A entidade deve entrar com ação civil e penal contra a prefeitura. Enquanto o Executivo garante que agiu dentro da lei, a empresa não quis se pronunciar.
Na tentativa de evitar uma lacuna na história, o Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade da UFSC começará um levantamento de dados e análise crítica do patrimônio do período modernista.
– Se continuarem as demolições de prédios antigos, a cidade vai ficar toda igual, cheia de palitos – critica o professor Luiz Eduardo Teixeira, autor de tese sobre o Edifício Mussi.
Para o pesquisador Nereu do Vale Pereira, o valor de um imóvel para a cultura do Estado se deve mais à sua história do que aos elementos arquitetônicos.
Ele defende que o tombamento deva levar em conta, além do tempo de existência, a representatividade do prédio.
Como o tombamento é um processo administrativo, a avaliação é de responsabilidade dos órgãos de patrimônio público municipal, estadual e federal.
O Serviço de Patrimônio Histórico, Artístico e Natural de Florianópolis (Sephan) e o Iphan não quiseram falar sobre os procedimentos de multas para os que desrespeitam as regras de preservação de patrimônio.
Mais um edifício pode sumir do mapa da Capital
O pesquisador cita o Edifício Normandie, em Coqueiros, como um exemplo de imóvel que tem grande valor histórico para a cidade.
– É um símbolo muito maior do que o Mussi – acredita.
O Normandie pode ser um dos próximos a ser demolido. O prédio modernista, de 1964, foi feito para ser um hotel, mas acabou virando um condomínio. História é o que não falta entre aquelas largas paredes. Dizem até que o prédio foi construído para ser um cassino.
– Fui criada aqui, ficarei muito triste se for demolido – lamenta Gabriela Julia Bastos, 27 anos.
Gabriela conta que um grupo de moradores quer vender o prédio para construtoras. O síndico Newton Rodrigues diz que ainda não foi decidido em assembleia se o imóvel será negociado ou não.
Rodrigues lembra que não existe nenhum tipo de apoio para restaurações por parte da prefeitura. Ele diz que a manutenção é muito cara. Esse pode ser um dos grandes empecilhos para que o prédio continue de pé.
O Normandie não é tombado, mas como tem mais de 30 anos, precisa de autorização do Sephan para ser demolido.
(Por ROBERTA KREMER, DC, 03/11/2010)
Lagoa Iate Clube no caminho oposto
Após ser descaracterizado aos poucos ao longo dos últimos 40 anos, o único prédio projetado pelo famoso arquiteto Oscar Niemeyer em Santa Catarina deve voltar a sua aparência original.
A diretoria do Lagoa Iate Clube (LIC), no Canto da Lagoa, em Florianópolis, começou a planejar o trabalho de recomposição do prédio-sede, cuja a forma imita o contorno da Lagoa da Conceição.
Nas três últimas semanas, uma arquiteta ficou responsável por juntar todo o material sobre o prédio e digitalizar os slides, fotos, plantas e documentos da construção. O presidente administrativo do LIC, Ernesto Seibert, informou que o clube criou uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) para recolher os recursos para a restauração.
– O prédio é de 1964 e foram fazendo puxadinhos até ficar descaracterizado. Outras gestões já tentaram vender o espaço do clube que tem 60 mil metros quadrados para construtoras, mas entendemos que toda essa obra é um bem da sociedade em geral. Vamos recuperá-la e pedir o tombamento – planeja Seibert.
Para o presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil em Santa Catarina (IAB), Edson Catonni, a pressão de reconstruir a cidade, faz com que não se valorizem exemplares mais recentes da arquitetura, mesmo que sejam únicos.
– A história é feita com o tempo. As pessoas acham que prédios que não completaram o centenário perdem a relevância por serem mais atuais do que os casarões coloniais – analisa Catonni.
O presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon) da Grande Florianópolis, Hélio Bairros, acredita que os prédios de 50 anos atrás ainda não alcançaram o valor histórico e cultural que justifique a sua preservação.
O representante da entidade explica que a manutenção de edifícios com mais de meia década é muito cara, sendo mais interessante ambientalmente erguer novos prédios nos locais dos antigos.
– Hoje, a construção civil conta com materiais modernos, mais leves e eficientes, passíveis de receber tecnologias, como a captação de energia solar e individualização de hidrômetros de água (no caso de apartamentos). É mais sustentável e se torna mais barato – defende Bairros.
(DC, 03/11/2010)
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