Arquipélago de Moleques do Sul, em Palhoça, é o único lugar onde habita uma espécie de preá
Ele é simpático e sociável. Vive em grupos, mas isolado em uma pequena ilha do litoral catarinense, em Palhoça, há 8 mil anos. Da família do porquinho-da-índia, o preá do Arquipélago de Moleques do Sul é considerado o mamífero mais raro do planeta.
Primeiro, porque o único lugar de que se tem notícia que ele habite é a ilha de 9,86 hectares localizada em Santa Catarina. Segundo, porque o total de indivíduos da espécie não passa de cem.
A reportagem do DC, em busca do preá de Moleques, viajou na companhia do biólogo Carlos Henrique Salvador para conhecer e fotografar o animalzinho catarinense.
Salvador fez seu mestrado estudando a espécie e, por isso, já conhecia a ilha. Durante a pesquisa, ele precisou acampar 17 vezes no local.
Para enfrentarmos a aventura, o biólogo nos orientou a levar capa de chuva, roupas e calçados extras, toalha de banho e lanches.
Partimos de barco da Caieira da Barra do Sul, no Ribeirão da Ilha, em Florianópolis, às 14h. A viagem entre a Ilha de Santa Catarina e a de Moleques do Sul leva aproximadamente uma hora e meia.
Durante a ida, descobrimos que dependendo das condições do mar, precisaríamos deixar o barco a alguns metros da ilha e seguir nadando até lá. Por sorte, a maré estava baixa e isso não foi necessário.
Chegando à Moleques do Sul (sãos, salvos e secos!!), saímos à procura do preá. De acordo com Salvador, o período mais fácil para encontrá-los é o final da tarde.
Eles se escondem geralmente embaixo das vegetações mais altas e saem para comer em áreas onde predomina a grama.
Caminhamos pela ilha até uma das áreas onde os pequenos roedores costumam se alimentar. Durante o trajeto, podíamos ver por entre a vegetação alguns deles correndo, provavelmente assustados.
Para encontrá-los, é preciso ficar imóvel e em silêncio. Depois de um tempo esperando, conseguimos avistar um deles saindo dos arbustos para comer. Ao longo da tarde, continuamos explorando a ilha e, aos poucos, eles apareciam pelos gramados.
Missão cumprida. Encontramos o mamífero mais raro do planeta nascido em terras catarinenses e fizemos belas fotos. Partimos de Moleques do Sul às 18h, deixando o bichinho em paz no seu hábitat natural.
Como só existe nesse ambiente, o Cavia intermedia é extremamente vulnerável e qualquer interferência em sua “casa” pode levá-lo à extinção. Melhor deixá-lo quietinho e admirar sua beleza apenas pelas fotos.
(Por Mayara Rinaldi, DC, 13/06/2010)
Isolados, eles ficaram mais tolerantes
O preá de Moleques do Sul foi reconhecido oficialmente pela comunidade científica em 1999. Ainda há poucas informações sobre a espécie.
A pesquisa mais recente está sendo realizada pela bióloga Nina Furnari, do Laboratório de Psicoetologia da Universidade de São Paulo (USP). Para seu trabalho de doutorado, Nina fez o primeiro estudo sobre o comportamento do roedor catarinense.
– É interessante saber como os animais vivem e do que eles precisam. Conhecendo a espécie, teremos dados para poder conservá-la.
O levantamento de dados para a pesquisa foi feito durante 25 viagens à ilha, feitas entre novembro de 2007 e dezembro de 2009. No período em que ficava acampada, ela capturava os animais com armadilhas para fazer a marcação de cada indivíduo.
Na sequência, soltava-os e passava de seis a oito horas observando como eles se comportam. Hoje, ela está em fase de análise das informações coletadas. As primeiras avaliações indicam que o Cavia intermedia possui um comportamento semelhante a seus parentes do continente, com algumas adaptações ao ambiente de ilha. Uma delas é a necessidade de serem mais tolerantes uns com os outros por habitarem um espaço pequeno.
Nina chegou a ver um grupo de 17 animais comendo juntos, mas o mais comum é ver grupos de quatro e cinco indivíduos. A pesquisadora observou que os animais capturados em pontos distintos da ilha tinham atitudes diferentes. Isso leva a crer que os preás não circulam por toda a ilha, mas se dividem em grupos e cada um habita uma área.
Além de observação de comportamento, Nina fez a recontagem da população por amostragem. O método utilizado em 2006 para a pesquisa de mestrado do biólogo Carlos Henrique Salvador apontou que a quantidade de roedores da ilha varia mensalmente entre 30 e 60. Pelos dados da pesquisadora da USP, esse número pode ser um pouco maior, mas não deve passar de cem.
A ameaça de extinção não teve influência do ser humano, mas se dá pela raridade da espécie. O mamífero de Moleques está extremamente vulnerável porque qualquer acontecimento diferente que ocorra na ilha – a introdução de um animal que possa se tornar seu predador, como um cachorro, por exemplo – pode exterminá-lo. Para os pesquisadores, a única forma de conservar a espécie é manter o ambiente da ilha intocado.
Em extinção no Estado
Em maio, o preá catarinense ganhou destaque em uma página da revista National Geographic, uma das mais importantes revistas de jornalismo científico.
* Onça-pintada (panthera onca): vivia em florestas de todo o Estado, mas, se ainda existir alguma, estará restrita ao Norte
* Lobo-guará (chrysocyon brachyurus): vive no Oeste de SC. Sua população foi perdendo área devido à influência humana
* Bugio (alouatta caraya): vive no Oeste do Estado e está ameaçado, especialmente por causa do desmatamento.
* Queixada ou porco-do-mato (Tayassu pecari): vivia em florestas de todo o Estado, mas hoje está restrito a alguns pontos do território catarinense
* Cachorro-vinagre (speothos venaticus): vivia em florestas de SC, mas só teve um registro nos últimos 50 anos.
(DC, 13/06/2010)
O maior lar catarinense de pássaros
O arquipélago de Moleques do Sul pertence ao Parque Estadual da Serra do Tabuleiro e é considerado como “zona intangível”, ou seja, o acesso é restrito. Apenas pesquisadores com autorização da Fatma podem visitar o ambiente para trabalho.
Ele é formado por três ilhas localizadas a sudeste de Florianópolis e está distante 8,25 quilômetros da Ilha de Santa Catarina e 14 quilômetros do continente, em Palhoça. A maior ilha de Moleques do Sul, onde vivem os preás Cavia intermedia, possui 710 metros de comprimento e 200 metros de largura. Não há praias no local.
Aproximadamente 75% do solo é coberto por vegetação herbácea e arbustiva. O restante é formado por rochas expostas.
A fauna do arquipélago é composta por inúmeras espécies de insetos e aranhas. Entre os vertebrados, há 31 espécies de aves, uma espécie de mamífero – o preá – e uma espécie de cobra-de-duas-cabeças.
Em Santa Catarina, as ilhas concentram a maior quantidade de ninhos de aves, contando com cerca de 600 casais. No Atlântico Sul, o principal ninhal das aves chamadas fragatas fica em Moleques do Sul.
O clima da região é mesotérmico úmido, com chuvas distribuídas ao longo de todo o ano. Não há fonte natural de água doce na ilha, exceto pequenas poças que se formam após as chuvas mais intensas.
(DC, 13/06/2010)
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