Mais de 40 mil pessoas vivem em estado de alerta nos morros da Capital, e mesmo sabendo disso, se negam a deixar suas casas
Um em cada 10 moradores de Florianópolis vive em áreas que oferecem riscos de deslizamentos de terra. Na região central da Capital, em uma das comunidades mais perigosas, no Maciço do Morro da Cruz, Ágata Moraes da Silva, de apenas dois anos, integra a quarta geração da família Pereira, que há mais de 20 anos saiu do Oeste catarinense para tentar uma vida nova na localidade conhecida como Alto da Caieira.
A história da família começou com Valíria Graéffe Pereira, hoje com 62 anos, quando saiu com o marido de São Miguel do Oeste rumo à Capital. Um a um começaram a vir os filhos. Depois os netos, como a mãe da pequena Ágata, Idiane Moraes, 23, que conheceu Djunatan Douglas da Silva, 21, e formou mais uma família. Hoje, os Pereira já são mais de cem no local conhecido como Buraco do Alto da Caieira. Uma região que oferece sérios riscos e que não deveria estar habitada.
– Medo a gente tem, mas fazer o quê? Quando chove forte vamos para uma casa mais segura. Mas não queremos sair daqui – conta o pai da pequena Ágata.
Há duas semanas, um pequeno deslizamento atingiu parte da área onde vive a família Pereira. Ninguém se machucou. Mas uma das servidões feitas pelos moradores ficou interditada. Assim como eles, mais de 41 mil pessoas vivem em estado de alerta nos morros espalhados pela Capital. Mas se há tanto perigo nas encostas de Florianópolis, por que estas pessoas não são removidas? O secretário municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano (SMDU), José Carlos Rauen, diz que a situação esconde uma controvérsia:
– Em primeiro lugar, todas estas áreas não são públicas. Elas são particulares. Os proprietários não se preocupam em retomá-las porque elas são consideradas Áreas de Preservação Permanente (APP). As pessoas vão ali, se instalam e o proprietário não faz nada porque não pode usar a terra. Assim, ele passa esta responsabilidade para os administradores da cidade – explica.
Depois do desastre que atingiu SC em 2008, deixando 135 mortos no Estado, a maioria soterrada, a Defesa Civil municipal passou por uma reestruturação. Aumentou o número de agentes, que hoje conta com sete funcionários e 40 voluntários, ganhou viaturas equipadas e está organizando os Núcleos Comunitários de Defesa Civil, formados por moradores das comunidades.
– Estamos no início do trabalho. É preciso mudar a cultura das pessoas. Elas não querem deixar suas casas porque não têm para onde ir. Vamos precisar trabalhar muito na parte da percepção dos riscos – disse o coordenador da Defesa Civil municipal Luiz Eduardo Machado.
Este ano a Defesa Civil municipal interditou 30 moradias na Capital. Outras 197 estão fechadas desde 2009. Ou, pelo menos, deveriam. A urbanização do Maciço do Morro da Cruz prevê a remoção de 438 famílias dos pontos perigosos. Segundo a prefeitura, novas casas e apartamentos vão abrigar este moradores. Parte dos imóveis populares será construída nos próprios morros, mas em terrenos planos escolhidos pelo poder público.
Este processo envolve R$ 30 milhões e está atrasado há cerca de um ano e meio. Três licitações já foram feitas, mas não apareceram interessados em executar as obras. Agora, a prefeitura está refazendo a licitação e vai dividir o projeto em partes menores para que pequenos empresários também possam participar.
– Por mais que a gente interdite, se as pessoas não querem sair não há como tirá-las. O risco é uma responsabilidade dela e não pode ser do poder público. E não é o número de fiscais que vai resolver isso, mas a cultura das pessoas – disse o secretário da SMDU José Carlos Rauen.
Segundo explicou, para resolver o problema é importante uma união de fatores, além de ações estaduais e federais:
– Nas áreas onde fizemos obras de urbanização, garantimos a segurança, mas onde não mexemos, a responsabilidade é das pessoas que estão lá.
Quando chove forte vamos para uma casa mais segura. Mas não queremos sair daqui. Conhecemos todo mundo e é um lugar bom de viver.
Djunatan Douglas da Silva, 21 anos, morador do Maciço do Morro da Cruz
Elas não querem deixar suas casas porque não têm para onde ir. Vamos precisar trabalhar muito na parte da percepção dos riscos.
Luiz Eduardo Machado, coordenador da Defesa Civil de Florianópolis
Nas áreas onde fizemos obras de urbanização, garantimos a segurança, mas onde não mexemos, a responsabilidade é das pessoas que estão lá.
(Por Nanda Gobbi, DC, 25/04/2010)
NAS ÁREAS DE RISCO – Obras dependem de recursos federais
Depois das fortes chuvas que castigaram SC em novembro de 2008, e da queda de uma encosta que levou parte do terreno de João Fernandes, 50 anos, tudo continua igual na Rua da Apicultura, no Bairro Saco Grande, região central de Florianópolis. Há um ano e cinco meses, a casa recém-construída da filha do aposentado, localizada atrás da dele, está interditada pela Defesa Civil.
Fernandes reclama da demora da obra para conter a encosta, a poucos metros da sua casa. Ele diz, ainda, que a filha está tendo prejuízos com o pagamento do aluguel e espera uma solução da prefeitura.
– Na época, tivemos que abandonar as duas casas e ficamos seis meses na casa de um amigo. Eram seis pessoas em 16m2. Nem a rua que ficou interditada a prefeitura limpou – relembra Fernandes.
No último ano, obras foram feitas pela prefeitura para evitar futuros desastres, num investimento de R$ 4 milhões, de acordo com a Secretaria de Habitação. No Maciço do Morro da Cruz, alguns muros de contenção já foram levantados. Novos projetos estão sendo elaborados para as áreas consideradas de alto risco e muito alto risco de deslizamento, como no caso do aposentado Fernandes. Mas a execução das obras depende de recursos solicitados no Ministério da Cidades.
A casa de Marly Ribeiro, 44 anos, ainda não foi contemplada pelas obras de prevenção. E nem deve ser. A diarista vive em uma área do Maciço do Morro da Cruz conhecida como Morro do Macaco e classificada como Área de Proteção Ambiental (APP).
O terreno onde a casa foi construída é tão íngreme que, para chegar até lá, é preciso subir uma escada posicionada em um ângulo de quase 90° em relação ao chão.
O local tem três residências, onde vivem Marly, o marido e mais 10 familiares. Há dois anos, parte de uma pedra com mais de dois metros de altura se deslocou e rolou.
– Ninguém se machucou, mas tivemos que construir um muro. Esperamos a prefeitura resolver, mas como demorou demais, resolvemos investir na nossa segurança. Gastamos mais de R$ 5 mil – contou.
Ocupação dos morros começou no final da década de 1970
Três eventos marcam o processo de desenvolvimento da cidade e o boom ocupacional dos morros de Florianópolis. Segundo o secretário municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano, José Carlos Rauen, a construção da Ponte Hercílio Luz, na década de 1920, o início das atividades da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em 1960, e a chegada da Eletrosul, em 1978, mudaram o perfil populacional da Capital e aumentaram o fluxo de pessoas nas ruas da cidade.
– Os funcionários da Eletrosul tinham um grande poder aquisitivo e necessitavam de mão de obra para a construção das suas casas. Surgiram vários loteamentos e as ocupações começaram a ser mais frequentes. Além disso, a cidade começou a ficar mais conhecida, atraindo turistas, e trabalhadores vieram para cá atrás de serviços durante o verão. Gente que veio e não foi mais embora – detalhou Rauen.
(DC, 25/04/2010)
NAS ÁREAS DE RISCO – Aumento de ocupação com a SC-401
A fórmula não é matemática, mas a soma dos fatores determina um resultado previsível. Casas de madeiras aglomeradas, construídas em terrenos muito inclinados, em solo com formações superficiais grossas e muita chuva é sinal de risco de deslizamento. A explicação é da professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Maria Lúcia de Paula Herrmann, integrante do Grupo de Estudos de Desastres Naturais (GEDN).
– Na Ilha, todas as nossa encostas têm estas características. Há muita ocupação desordenada, e o problema é que ela está atrelada ao desmatamento. As pessoas fazem o calçamento, as casas são muito próximas umas das outras e não há lugar para a água se infiltrar. Por isso, quando chove muito, sempre há risco de deslizamentos – explica.
A professora também destaca a falta de infraestrutura destas comunidades, que não têm acesso ao saneamento básico e nem coleta de lixo adequada, que causa problemas na manutenção dos bueiros. Segundo ela, uma das áreas mais preocupantes da cidade é o Bairro Saco Grande, que, segundo o Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (Ipuf), teve uma aumento populacional de mais de 77% desde 1991.
– Depois da construção da SC-401, o número de ocupações aumentou. A região ganhou com a rodovia, que deixou o bairro mais perto do Centro.
Segundo Maria Lúcia, neste ponto Florianópolis se assemelha ao Rio. Há um descaso com as áreas que oferecem riscos. A fiscalização tem que ser rigorosa e as pessoas que infringirem as determinações devem sofrer medidas de punição – sugere.
(DC, 25/04/2010)
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2 Comentários
A culpa não é do povo sem poder aquisitivo.
Cabe aos Prefeitos criar uma política de assentamento e habitações, sejam nativos ou não. Por que eles são condenados?
Ao invés dos Prefeitos embolssarem as verbas para suas campanhas eleitorais, deveriam cumprir suas obrigações de mandatários. Qualquer deslizamento com mortes em Florianopolis , os movimentos sociais estão prontos para mobilizar os sobreviventes para entrar com uma ação penal contra a Prefeitura.
Dra. Catarina
Quando os Prefeitos do Rio ou daqui ficam com as verbas ,o que é um fato verídico, permitam-me dizer que isso caracteriza um dolo passível de uma ação penal aos mandatários que não tem coragem de gastar o dinheiro aplicando medidas de contenção dos morros. A imprensa é livre no Estado Democrático de Direito.
Catarina