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“Nossa trajetória é parecida com a do Vale do Silício”

Entrevista – José Eduardo Fiates – Diretor-executivo do Sapiens Parque (DC, 26/10/2009)

O setor de tecnologia, por definição uma indústria limpa e de alto valor agregado, cai como uma luva em Florianópolis, cidade que tem na preservação das suas belezas naturais um desafio e uma fonte de recursos importante. O caminho pedregoso desta indústria rumo à consolidação de um polo de inovação à semelhança do Vale do Silício, nos EUA, guardadas as devidas proporções, é enxergado por José Eduardo Fiates, como foi publicado em reportagem no DC de ontem.

Engenheiro formado na UFSC, ele se envolveu em boa parte do processo que conduziu ao momento atual: foi diretor-executivo da incubadora Celta, superintendente de Inovação da Fundação Certi e dirigiu por quatro anos a Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec). Hoje, Fiates é diretor-executivo do Sapiens Parque, a grande aposta da Capital catarinense para o futuro, e assumiu, no fim do mês passado, a presidência da divisão latino-americana da Associação Internacional de Parques Tecnológicos (Iasp), que tem 372 empreendimentos em 72 países.

– Uma coisa é desenvolver incubadora em São Paulo capital. É fazer cócegas num elefante. Florianópolis já tem uma marca na área – diz ele.

Para Fiates, os dois eventos que a Capital recebe a partir de hoje, o Seminário Nacional de Parques Tecnológicos e Incubadoras de Empresas, e o Fórum Global de Inovação & Empreendedorismo, promoção do Banco Mundial, fazem parte desta ascensão de Florianópolis no cenário global da tecnologia. Confira os principais trechos da entrevista concedida ao DC:

Diário Catarinense – O que representa a sua escolha para a presidência da divisão latino-americana da Iasp?

José Eduardo Fiates – O fato de eu ter sido escolhido, sem nenhuma demagogia, é muito mais fruto da importância que a Anprotec assumiu no cenário latino-americano. Ela é considerada pela Iasp a melhor associação de parques tecnológicos e incubadoras do mundo – a mais organizada, a mais articulada. A Anprotec tem uma marca muito forte, e eu fiquei lá quatro anos como vice-presidente e quatro como presidente. Outro fator decisivo é exatamente o histórico de Florianópolis. Obviamente, nós somos suspeitos para falar, mas daqui a 20 anos vai ficar cada vez mais claro o que neste momento começa a ficar evidente, a construção da indústria de tecnologia que aconteceu aqui de maneira muito especial. Estamos completando 50 anos de fundação da UFSC no ano que vem. Se você pegar a trajetória do que aconteceu aqui, ela é muito parecida com a da Universidade de Stanford, nos EUA, e o Vale do Silício ao longo dos seus primeiros 50 anos, claro que guardadas as devidas proporções de investimento e cultura de país.

DC – Por isso o Banco Mundial decidiu trazer para Florianópolis o fórum global, previsto para Brasília e adiado em maio?

Fiates – Um dos motivos é que o banco ficou impressionado com o impacto do desenvolvimento da indústria de tecnologia numa cidade do tamanho de Florianópolis. Uma coisa é desenvolver incubadora em São Paulo capital. É fazer cócegas num elefante. Em Florianópolis, isso fica muito mais evidente. Florianópolis já tem uma marca na área.

DC – Qual a importância do Sapiens Parque neste contexto?

Fiates – O Sapiens Parque introduz uma inovação, porque reposicionou a estratégia do desenvolvimento de inovação em Florianópolis para não se restringir à indústria de tecnologia, mas para trazer a temática de inovação aos setores do turismo e de serviços, que são fundamentais. Todas as tendências que estudamos no início do projeto mostraram que os ambientes mais inovadores do mundo se reposicionaram ao longo dos últimos 20 anos. Além da tecnologia, tem que desenvolver fortemente setor de serviço. No nosso caso, a exemplo de Barcelona, também a indústria do turismo e não ficar só restrito, como no nosso caso, à exploração das belezas naturais. Hoje temos um turismo de grande quantidade e de baixo rendimento econômico. Porque o turista não tem muita alternativa além de praia, restaurante de média qualidade de infraestrutura e shopping. O Sapiens Parque é uma espécie de nova fronteira.

DC – O que falta para as empresas catarinenses exportarem tecnologia?

Fiates – O desafio da exportação global é muito parecido com o de se consolidar no mercado nacional, porque o mercado brasileiro é um mercado global, temos competição com empresas internacionais aqui dentro. Há 15 anos, você podia ficar tranquilo porque o mercado nacional era relativamente fechado. Hoje, temos vantagens com a promoção que o Brasil está tendo com Copa, Olimpíada e a economia se estruturando. Mas a desvantagem é que você acaba sendo alvo de concorrentes. A indústria nacional tem que se preparar para não ser engolida. Claro que tem diferenças e a principal delas, sem dúvida, é língua. Agora, um dos principais motivos que levou à criação do Sapiens Parque é que cada vez mais as empresas têm de ter projetos para serem fortes e grandes, e ser grande não significa necessariamente ser mega, ser pesado, mas trabalhar com negócios grandes. Temos que pensar em escala, pensar em redes grandes de parceria. O Sapiens tem muito mais como objetivo fazer provocações no sentido de pensar projetos desafiadores, grandes, ousados, com parceiros grandes, do que necessariamente construir três ou quatro prédios. Nosso objetivo maior é criar um novo tipo de cultura empreendedora.

DC – No futuro o senhor vê uma interiorização das empresas de tecnologia no Estado ou elas tendem a se concentrar num polo como Florianópolis?

Fiates – Sei que vai ser polêmico, mas é a minha convicção. A estratégia para desenvolver inteligência é uma estratégia de concentração, e a de desenvolvimento, de desconcentração. As duas coisas não são antagônicas. Isso tem acontecido nas principais experiências do mundo. Para gerar inteligência no nível de competição que nós precisamos no mundo hoje, temos que ter uma certa concentração para elevar o padrão, ter concorrência, competitividade, cooperação, e para isso acontecer precisa-se ainda do olho no olho. Agora, o desenvolvimento não. Você pode perfeitamente ter uma empresa de sinterizados espaciais em São Miguel d’Oeste. Aliás, na Europa e nos EUA é assim. E é isso que gera desenvolvimento, desconcentra as áreas urbanas, diminui pressão de infraestrutura e assim por diante. O desenvolvimento sócio-econômico pode e deve ser feito de maneira desconcentrada, para tornar as empresas mais competitivas.

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