Todos os anos, nas praias da ilha, as comunidades de pescadores se mobilizam para a captura da tainha, que nos meses de maio a junho, abasta as mesas da cidade de Florianópolis (SC). Nas correntezas frias, os cardumes descem da Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, rumo às águas cariocas. Durante a passagem, a comunidade vai à pesca: os chamados vigias observam a cor, o crespo das ondas e a batida do peixe no mar, até identificarem as tainhas aos montes para, então, os grupos de pescadores partirem em canoas e suas redes. Um conjunto saberes sobre o mar e o peixe viabiliza a captura da tainha. E, para garantir a reprodução da atividade que mantém a tainha na mesa, os pescadores ampliaram esse arcabouço de saberes.
A Pesca Artesanal da Tainha no Campeche é registrada como Patrimônio Cultural de Santa Catarina. E para o ano de 2020 estava previsto o início das ações de salvaguarda participativa, que envolveria as comunidades pesqueiras de Florianópolis. A pandemia de Covid, porém, colocou em risco todo o cronograma de atividades: articulações com os pescadores, reuniões de salvaguarda e – o principal – a cartografia social da pesca, que desenharia roteiros, práticas e significados da atividade. A solução era começar, da estaca zero, uma política de salvaguarda por meio de plataformas online. E elas começaram!
Elas – apenas mulheres – são as componentes do coletivo Tekoá Pirá, que há anos vem realizando ações de turismo de base comunitária e reconhecimento das práticas e saberes associados à pesca da Tainha em Florianópolis. O coletivo é o responsável pela ação intitulada Patrimônio Cultural e Turismo de Base Comunitária (TBC): a metodologia do Projeto Tekoá Pirá para a preservação da cultura tradicional da Ilha de Santa Catarina, que foi uma das 12 vencedoras do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade de 2021, na categoria “iniciativas da pandemia”, segmento de redes e coletivos não formalizados.
“A gente criou a metodologia de trabalho online, que foi a ação premiada. A metodologia era composta por reunião semanal online, muitas transações, acordos e comunicações pelo Whatsapp”, explica uma das integrantes do coletivo, Gisele Ramos, que é neta de pescadores. “Durante um ano, desde o começo da pandemia, a gente conseguiu manter todas as nossas propostas de trabalho para 2020 e 2021. Isso resultou na cartografia social do Campeche, mais uma camada que hoje está sendo usada como ferramenta para muitas ações em prol da pesca da tainha.”
Às redes, camaradas!
Na safra da tainha, começa a operação. Depois que o vigia reconhece os cardumes, ele acena com um pano – e avisa com um radinho – para o povo na praia. As canoas partem rumo ao mar com seis pescadores cada, fazendo um cerco com as redes. Terminada a tarefa, é hora de agirem os camaradas – como são conhecidas pessoas que ajudam a puxar a rede na areia. Tudo é feito de maneira completamente artesanal, sem uso de motores, por exemplo. Além disso, com a malha larga, só pegam peixe grande; os pequenos podem seguir seu curso. Ao final, tem tainha pra todo mundo: pescadores e camaradas recebem o pescado. E, caso ainda sobre peixe, é que o produto é comercializado. “É nesse período que a comunidade se encontra, não só pra pesca em si, mas pra se comunicar, brincar, conversar. É a pesca que movimenta a comunidade”, contextualiza Gisele.
A pesca artesanal enfrenta suas dificuldades. Floripa é uma cidade muito visada pela especulação imobiliária, avalia Gisele, que também é guia turística. “Com um boom desde a década de 1980, nossa cultura está concretada”, diz ela. A travessia para a ilha do Campeche, por exemplo, que ocorria apenas na alta temporada, agora é realizada o ano inteiro – o que impacta a atividade da pesca artesanal. “Com o registro da pesca, com a salvaguarda, conseguimos dar um pouco mais de vida para essa atividade.” Mas acordos são possíveis. Durante a temporada da tainha, quando o mar está pra peixe, não está pra surfista – os praticantes de surfe cedem espaço para os pescadores exercerem sua atividade. E sempre em rede, presencial ou virtualmente, as tainhas seguem alimentando os lares da ilha, sejam recheadas, na brasa ou fritas com pirão d’água.
Conheça as redes sociais do projeto:
https://www.instagram.com/projetotekoapira/
Realizado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o Prêmio Rodrigo tem como objetivo valorizar e promover ações que atuam na preservação dos bens culturais do Brasil. Este ano, foram escolhidos 12 projetos vencedores. Dez delas são contempladas com R$ 20 mil, e duas são reconhecidas com menção honrosa. A cerimônia de entrega dos prêmios será realizada nesta quarta-feira, 13, a partir das 15h, com transmissão online.
(Assessoria de Comunicação Iphan, 13/04/2022)
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