Vinicius Lummertz, ex-ministro do Turismo e ex-presidente da Embratur, conversou com o jornal *ND* e abordou temas estratégicos para o futuro de Florianópolis. Com vasta experiência em políticas públicas e uma trajetória de liderança em diversas instituições, o atual presidente do Grupo Wish se mostrou otimista com o cenário que se desenha para a capital catarinense.
Ao falar sobre os desafios locais, Lummertz destacou o potencial de Florianópolis em se tornar uma “cidade global”. Segundo ele, a cidade precisa explorar melhor suas vocações, fortalecendo-se não apenas como uma capital política, mas também como centro cultural, turístico e tecnológico. Ele mencionou a falta de infraestrutura, como o centro de eventos e espaços para grandes eventos, e a ausência de marinas que potencializariam o turismo náutico, mesmo Santa Catarina sendo responsável por 80% da produção de barcos de lazer do país.
Sobre o desenvolvimento urbano, Lummertz defendeu a criação de uma visão integrada para a cidade, que inclua um redesenho dos aterros da baía Sul e da Expressa Sul. Ele também destacou a importância da região metropolitana para atender aos desafios do crescimento de Florianópolis, sugerindo que o governador Jorginho Mello seja um “padrinho” para impulsionar projetos como o Via Mar. Lummertz defendeu ainda que Florianópolis deve buscar um crescimento sustentável, equilibrando os aspectos econômico, social e ambiental.
Passadas as eleições, como você enxerga o futuro de Florianópolis?
Com muito otimismo e entusiasmo. O prefeito Topázio agora tem uma folha em branco à sua frente. Pode escrever o futuro. Não é mais o vice; a cidade o avalizou. Agora vem a responsabilidade. Vejo claramente também que a cidade está se transformando e que está mais ativa em relação ao seu futuro — e os bons prefeitos anteriores tiveram grande parte nisso.
Quais seriam esses desafios da cidade?
O mais importante é expor uma visão da cidade do futuro para ser compartilhada. Apenas como exemplo: redesenhar a ocupação dos aterros, como o da baía Sul, que foi projetado por Burle Marx — o maior paisagista brasileiro — e hoje é um espaço caótico, até porque o futuro indesejado, esse sim, vem a cavalo. Como argumentar sobre sermos uma cidade inteligente com o aterro virando um enorme estacionamento de ônibus? O aterro da Expressa Sul não pode ir pelo mesmo caminho, até porque a soma de todos os aterros é um conjunto. A aprovação do novo Plano Diretor foi o ponto de partida.
Quem projeta esse medo do desenvolvimento?
Isso começa no ambiente da esquerda mais bolivariana da UFSC e de uma pequeníssima parte do Judiciário federal ativista. Eles não se abrem ao diálogo sobre fatos e alternativas. Apenas são contra por serem anticapitalistas. Uma esquerda moderna teria propostas concretas, e assim sairia da simples negação do que significa Santa Catarina, uma terra de empreendedores.
A visão da qual você fala é uma forma de pensar grande, projetando como a cidade seria no futuro, em detalhes?
Sim. Não adianta se encolher sob um saudosismo que se baseia num passado idílico de uma pequena cidade que não existe mais e que era, de fato, bastante pobre — que só tinha algum dinheiro por uma semana após o dia 5 do mês, pelo pagamento dos salários do setor público. As coisas não mudaram só aqui; mudaram em todo o mundo. Nossa cidade evoluiu, ganhou mais dinamismo e autonomia de forma surpreendente.
E o velho assunto das marinas: quando virão as marinas?
Virão, com certeza, porque é o normal em qualquer regime político, mesmo na China comunista (risos). Atrasar o desenvolvimento responsável da cidade é um equívoco moral. Acredito que, com mais afeto e mais diálogo, poderemos desenhar melhor o futuro e não sermos reféns do acaso.
Por que o Ministério Público Federal interfere tanto na autonomia da cidade?
A Constituição de 1988, com a redemocratização liderada pelo MDB, quis criar uma defensoria pública forte e estava certa. Na maioria dos casos, funciona muito bem. Mas, como de costume, muitas adaptações no Brasil dão errado, e conferiram-se poderes individuais aos procuradores, que alguns poucos transformaram em bunkers pessoais e ideológicos de poder. O resultado disso tem sido um desastre de “lawfare” — guerra jurídica na cidade, paga com recursos públicos, como em nenhuma outra capital do Brasil ou do mundo. Mas isso também está mudando, até porque, do lado dos desenvolvimentistas, cresceu a conscientização.
O que mais é imprescindível além de ter uma visão de futuro?
A segunda parte, imprescindível, é liderança, mas não uma liderança solitária, heroica, e sim rodeada de outros líderes e experts. Promover a Câmara de Vereadores a ser um palco de debates construtivos será vital neste momento. Papel para o presidente João Cobalchini. Hoje, um dos principais suportes da cidade também é o movimento Floripa Sustentável, formado por mais de 40 entidades que representam a produção da cidade. Se multiplicar por dez, são uns 400 líderes que estão representados e dezenas de milhares de associados.
Visão e liderança são suficientes?
O terceiro pilar é gestão. Hoje, isso é um problema nas cidades em geral. Veja o caso do novo Plano Diretor: ele não é perfeito, mas é um enorme avanço em técnica ao projetar as multicentralidades e corrigir a insegurança jurídica que fez de Florianópolis uma cidade que castigou a legalidade e premiou a ilegalidade.
O novo Plano Diretor foi um ponto decisivo no ambiente de mudanças?
Foi, sim, inclusive na eleição do atual prefeito. Agora a prefeitura precisa de mais técnicos e mais tecnologia para fazer fluir a regulamentação e as aprovações que trazem taxas, emolumentos, contrapartidas sociais e ambientais, empregos e desenvolvimento. Então é isso: visão, liderança, gestão e um item a mais: competências. Uma gestão pública moderna não depende apenas das competências internas de uma prefeitura. Pode-se buscar a competência onde ela estiver.
Dê um exemplo na prática.
Recentemente saiu a notícia da contratação de um dos maiores arquitetos do país, Arthur Casas, para projetar a renovação da orla de Fortaleza. A nossa Jurerê também está fazendo isso. Balneário Camboriú está fazendo, e todo o litoral do Paraná também. O alargamento das nossas praias foi nessa linha. A título de comparação, a nossa Beira-Mar espera uma marina, combatida equivocadamente, e hoje é um espaço comparativamente modesto. Banheiros públicos são uma ausência que a Casan poderia suprir ali e em todas as praias pelo que arrecada da cidade. As barraquinhas de artesanato são importantes, mas ao se proliferarem e impedirem a vista do mar, indicam que algo está errado.
Como você enxerga Florianópolis no mundo, já que você representa várias instituições internacionais?
Florianópolis vai ser uma cidade global, a partir de sua conectividade aérea internacional. É também o nosso destino de colonos, para nos mostrarmos ao mundo. No entanto, nossa cidade já tem vocações de uma multicapital, cujo papel principal é constitucional, ou seja, é Capital de um Estado modelo da federação.
E como capital turística?
Evoluímos muito, sobretudo em gastronomia, mas em termos de infraestrutura e equipamentos ainda temos muito o que fazer se comparados com destinos mundiais mais qualificados. E falta adensar o calendário, que já tem alguns ótimos eventos como o Ironman. Porém, perdemos um pouco da nossa cultura de Capital do surfe e temos ainda muito potencial como Capital do tênis. Nosso centro de eventos está datado, e não temos casas de show, fora as de baladas. Como Capital tecnológica estamos indo muito bem, mas ainda há falta de mais e melhores equipamentos receptivos para receber a inteligência do mundo.
E como Capital marítima?
Fazemos pouco, ainda sem marinas, considerando que SC produz 80% dos barcos de lazer do país. Como Capital de meio ambiente, temos o maior conjunto de reservas ambientais em uma cidade Capital em todo o planeta, mas isso ainda não é nosso produto de marketing ambiental para sermos a maior Capital verde do planeta. Além disso, a questão do saneamento é crucial: Casan e Comcap estão à altura? Se a resposta for sim, ótimo; se não, isso confronta diretamente o desejo de transformação e defesa da cidade.
Sua conclusão é de que Florianópolis pode se desenvolver sem sacrificar suas qualidades?
Sim, este é o desafio dos adultos. Não há como fazer o desenvolvimento sustentável sem o fator econômico como central na equação do social e ambiental – essa era a visão do professor Ignacy Sachs, um dos autores do conceito. Ele conheceu bem Santa Catarina e acreditava no nosso diferencial frente à homogeneização do Brasil. Mas, como todo o desenvolvimento é primeiramente territorial, cabe a Florianópolis apontar a direção em conjunto com os municípios da região metropolitana. O governador Jorginho poderia ser o grande padrinho, ligando ao projeto Via Mar. Com isso, Florianópolis será de fato a Grande Florianópolis.
(ND, 09/11/2024)
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