Da Coluna de Fabio Gadotti (fabiogadotti.net, 19/02/2024)
O advogado Nabih Chraim, de Florianópolis, tem usado as redes sociais para esclarecer sobre as questões que envolvem os terrenos de marinha. Como ele mesmo ressalta, apesar de não ser novo, o assunto ainda é cercado de desinformação e desconhecimento. “Mesmo hoje, com uma legislação ultrapassada, usar terreno de marinha pode ser descomplicado, não caia em narrativas terroristas ou na mão de aventureiros”, avisa. Nesta entrevista, ele fala sobre a legislação que envolve o tema e dá orientações a proprietários que receberem notificações da Secretaria de Patrimônio da União (SPU).
Quantos são em Florianópolis os imóveis considerados terrenos de marinha e por quê estão na lista de notificações da SPU? Ainda há muita confusão e desconhecimento sobre o assunto, não?Conceitualmente, segundo a legislação, os terrenos de marinha são as terras em uma profundidade de 33 metros, medindo horizontalmente, para a parte da terra da posição da linha preamar médio de 1831, terrenos situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés, bem como os terrenos que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés.
A Secretaria do Patrimônio da União (SPU) é responsável pela gestão dos Terrenos de Marinha. Nesse contexto, a SPU conduz o processo de demarcação em todo o país. O procedimento demarcatório da Ilha de Santa Catarina deu início em 2007 e tem como objetivo identificar todos os imóveis na área em questão.
O processo de demarcação foi concluído, porém as linhas demarcadas não produzem efeitos jurídicos até o presente momento, pois os particulares atingidos pela demarcação não haviam sido notificados individualmente para, eventualmente, impugnar a linha. A etapa que se dá neste momento é a notificação para que os particulares tomem conhecimento da demarcação e garantam seu direito constitucional à ampla defesa e ao contraditório se assim quiserem, ou passem a se regularizar perante a SPU.
Assim não há nova demarcação como alguns, equivocadamente, estão dizendo. Na realidade, a SPU deverá concluir essa identificação até 31 de dezembro de 2025, abrangendo terrenos marginais de rio federal navegável, bem como terrenos de marinha e seus acrescidos em todo território nacional.
Contudo, por determinação em uma Ação Civil Pública, as primeiras 611 notificações foram emitidas para os bairros em torno de Jurerê. Ao todo na Ilha de Santa Catarina, serão expedidas cerca de 23 mil notificações.
Gostando ou não isto, é o que a legislação traz como propriedade da União. Assim só quem pode alterar esta realidade são os nossos legisladores do Congresso Nacional. Apesar do assunto não ser novo, há muita desinformação e desconhecimento sobre o tema, em meu Instagram de uma forma “caseira” eu tenho desmistificar o tema, quem tiver interesse é @nabih.advogado
Como está a discussão sobre o assunto no Congresso e o que pode mudar na prática?
Existem inúmeros projetos em curso no Congresso Nacional propondo especialmente alteração do artigo 20, VII da Constituição. Sinceramente não sei se este é o melhor caminho, vez que uma PEC vai alterar o tema, porém ele continuará engessado, mas agora de uma forma diferente. Não acredito na extinção do instituto dos terrenos de marinha, uma vez que representaria um impacto de mais de R$ 1 trilhão nos bens da União. Obviamente o governo não vai renunciar a algo tão significativo.
Para se ter uma ideia, a PEC 39 que tentou abordar o tema teve seu texto original alterado, sendo que neste momento ela não trata mais da extinção dos terrenos de marinha, mas sim na transferência da propriedade da União para os particulares, de forma compulsória e onerosa em até dois anos. O que obviamente causa mais insegurança do que certezas.
A meu ver, uma PEC mais simples, ou partindo para uma consolidação e modernização de toda legislação infraconstitucional existente sobre o tema traria efeito mais rápido e prático para o tema.
Obviamente isso daria mais trabalho, porém poderiam ser criados vários gatilhos, para modernizar as medições, não ser mais o ano de 1831 como de referência, por exemplo. Trazer atualizações de datas e critérios de demarcação, datas para comprovar o efetivo aproveitamento etc. Inclusive pegando alguns dos temas que são tratados em instrução normativa da SPU e trazer para legislação, e nesta colocar limites para a SPU emitir Instruções Normativas, o que geraria segurança jurídica.
O proprietário do imóvel tem que fazer o que ao ser notificado pela União?
Como dito, entre as etapas do processo de regularização, está a notificação dos indivíduos que ocupam, parcial ou integralmente, propriedades situadas em terrenos de marinha e suas áreas adicionais. Ao ser notificado, o cidadão passa a ter ciência de que está ocupando uma área considerada patrimônio da União, e pode tomar medidas a fim de salvaguardar seus interesses, dentro de um prazo de 60 (sessenta dias) se assim desejar.
A SPU pode expedir edital para os “incertos” ou não localizados. Ao constatar que está em terreno de marinha, o particular tem basicamente duas opções. A primeira é apresentar uma impugnação à demarcação da LPM1831, evidenciando através de estudos técnicos e processo administrativo que a demarcação está equivocada. A segunda é optar por regularizar-se perante o Patrimônio da União para poder utilizar o terreno de marinha com segurança jurídica.
O que considera primordial esclarecer a respeito do tema?
Importante dizer que sendo ou não ser terreno de marinha em nada impede o uso da terra. Quem determina o que pode ou não ser construído em cima é o plano diretor da cidade, basta olhar para cidades como Balneário Camboriú e outras para isto saltar aos olhos. Zoneamento urbano compete às cidades e não à União.
O que acontecia em Florianópolis era um erro grosseiro ao classificar terrenos de marinha como áreas não edificantes, este erro foi consertado com o Plano Diretor de 2023 ao estabelecer que os terrenos de marinha seguirão o zoneamento da região em que estiverem inseridos.
Quem estiver em um terreno de marinha precisa estar em conformidade ambiental, com construção dentro do ordenamento da cidade e regular perante a SPU, assim evitará surpresas e dores de cabeça.
Mesmo hoje, com uma legislação ultrapassada, usar terreno de marinha pode ser descomplicado, não caia em narrativas terroristas ou na mão de aventureiros.
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