Uma mesa com ostra e cachaça pode dizer mais sobre Santa Catarina do que se imagina, mais especificamente sobre as cidades de Florianópolis e Luiz Alves, no Vale do Itajaí, a cerca de 135 quilômetros da Capital. Comprovar que esses produtos têm suas peculiaridades e são diferentes do que se encontra no mercado é um dos objetivos de um projeto da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em parceria com o Sebrae – o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. Com ferramentas da genética e da biotecnologia, os cientistas têm encontrado respostas que chamaram a atenção de outras regiões do país. A pesquisa é coordenada pelo professor Valdir Stefenon, do Laboratório de Fisiologia do Desenvolvimento e Genética Vegetal.
O pontapé inicial do estudo envolve uma proposta do Sebrae de buscar entender por que a iguaria produzida em Luiz Alves é especial. “Os produtores locais diziam que a cachaça era diferente e que isso já vem acontecendo há cinco ou seis gerações, mas queriam provar que era isso mesmo”, conta. O segredo, na verdade, estava na caracterização biológico-molecular da levedura de fermentação de cachaça e aguardente utilizada pelos alambiques da cidade, conforme aponta o relatório das análises.
Após realizar o sequenciamento comparativo de regiões genômicas barcode, os cientistas confirmaram que as leveduras utilizadas pelos alambiques pertenciam à espécie Saccharomyces cerevisiae, de cepas diferentes das que costumam ser utilizadas em outras cachaças levadas ao laboratório para a comparação. “Basicamente o que fizemos foi como se fosse um teste de paternidade – comparamos as características do DNA da levedura utilizada com uma levedura comercializada no Brasil inteiro. Assim, identificamos que as características genéticas do DNA da levedura em Luiz Alves são realmente peculiares”, explica.
O trabalho com o barcode – que consiste em verificar a ordem de distribuição das bases nitrogenadas (A, C, T e G) no DNA – foi realizado em amostras coletadas em seis alambiques da cidade. Além de constatar a diferença com relação à espécie envolvida no processo de fermentação, as análises também permitiram que se descobrisse grande variedade e diversidade, ainda que os fabricantes compartilhassem a levedura. “A ideia que tínhamos era de que todas as amostras tivessem exatamente a mesma levedura, o mesmo código de barras genético. Mas descobrimos que temos diferença entre os alambiques e cada um também tem sua peculiaridade, o que torna o produto da região mais rico em questão de sabor e qualidade”, argumenta.
Os trabalhos em parceria com o Sebrae serviram de exemplo para outras regiões do país. Como foi a primeira vez que investiram na estratégia de genética molecular como subsídio para fazer a identificação dos produtos, a técnica foi apresentada também ao Sebrae Nacional. O professor destaca a importância da aplicação da pesquisa, que, com equipamentos de ponta, consegue ter um impacto direto entre os produtores, na economia e na sociedade. “As ferramentas da biotecnologia que utilizamos servem para as mais diversas aplicações, envolvendo também um trabalho de formação de recursos humanos, com alunos da graduação e da pós que poderão utilizar esse conhecimento e essas ferramentas para prestação de serviços, para fazer aquilo que a comunidade precisa”, resume.
Tecnologia de ponta e aplicação prática
O trabalho de aplicação da biotecnologia e da genética na identificação dos traços que diferenciam um produto tipicamente local de tantos outros envolve equipamentos e tecnologia de ponta, que compartilham de uma metodologia que não deixa de ser um grande diferencial. De acordo com Stefenon, entre as vantagens da genética molecular está o fato de que a técnica é a mesma para todos os organismos.
No caso do laboratório que promove os estudos, a ideia de trabalhar com plantas por meio de técnicas de sequenciamento de DNA e genotipagem com marcadores moleculares avançou para o mar, na caracterização das ostras de Florianópolis. A caracterização genética dos moluscos leva em conta que o produto comercializado e consumido na capital do Estado tem particularidades, pois passou por uma série de processos de aperfeiçoamento e melhoramento desde o início do cultivo de sementes chilenas.
“Foi feito todo um trabalho de seleção, de melhoramento, e agora a ideia é mostrar que, por causa disso, também ao manejo e seleção que os produtores fazem, geneticamente esta ostra é diferente de qualquer lugar do mundo”, explica. O trabalho também passa pelo reconhecimento da participação do Laboratório de Moluscos Marinhos da UFSC, referência no cultivo e produção de sementes.
Outra proposta do Laboratório é resgatar um antigo título do Estado que ficou esquecido no passado. De acordo com o professor, Santa Catarina já foi destaque na produção de alho, mas perdeu a posição para a região Centro-Oeste e para a China. Diferentemente dos trabalhos de caracterização genética, a proposta, também em parceria com o Sebrae e com o professor Leocir José Welter, da UFSC Curitibanos, é selecionar os melhores alhos e investir no seu melhoramento, para alavancar a produção. “É um cultivo feito por pequenos produtores e fonte de renda para muitas famílias, daí a importância de se investir nisso”, explica.
(UFSC, 08/04/2021)
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