Para promover o desenvolvimento urbano sustentável, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) criou, em 2014, uma plataforma global de cooperação entre cidades que identificam a cultura e a criatividade como fatores estratégicos de desenvolvimento em seus aspectos econômicos, sociais, culturais e ambientais: a Rede de Cidades Criativas da UNESCO.
As cidades criativas que integram esta rede global estão conectadas por seus objetivos em comum, como unir forças, aprender em conjunto e colaborar para, principalmente, estimular o surgimento de soluções criativas para os principais desafios urbanos contemporâneos. Tudo isto enquanto salvaguardam a cultura e o patrimônio destes territórios.
A rede é considerada pela organização um “laboratório de ideias e uma incubadora de práticas inovadoras”, fazendo com que as cidades-membros, espalhadas pelos cinco continentes, assumam a missão de utilizar a indústria criativa como um meio para tornar as cidades mais inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis.
Em 2021, com 246 cidades-membros, das quais 10 são brasileiras, a rede se estrutura em sete áreas criativas: artesanato e arte popular, mídia, cinema, design, gastronomia, literatura e música. Abaixo, conheça cinco das cidades criativas da UNESCO: Carrara, Berlim, Norwich, Lodz e Florianópolis!
1 ARTESANATO E ARTE POPULAR: CARRARA, ITÁLIA
A cidade de Carrara, ao norte da Toscana, entre o mar e os Alpes de Apuan, na Itália, tornou-se célebre por suas pedreiras de mármore branco. O “ouro branco” de Carrara tem sido utilizado há séculos na arte, inclusive em obras de artistas renomados, como Michelangelo, Canova e Bernini. Michelangelo Buonarroti costumava frequentar a cidade para escolher pessoalmente os mármores que dariam vida às suas obras-primas, como a Pietá, hoje localizada na Basílica de São Pedro, Vaticano. O artista chegou a tornar-se sócio em uma pedreira da cidade para facilitar o fornecimento de mármore.
Hoje em dia, é possível encontrar o mármore de Carrara em revestimentos residenciais, comerciais e móveis no mundo todo. Com uma produção intensiva e a composição pura de seu mármore, a cidade tornou-se reconhecida como a capital mundial do mármore. Pelas características da rocha extraída no local, o mármore carrara, ou bianco carrara, tornou-se uma denominação geográfica.
Com uma rica cena cultural e artística, a cidade realiza diversos eventos internacionais, como a Bienal Internacional de Carrara, por onde passaram nomes como Pablo Picasso e Joan Miró. Apesar de a indústria do mármore estar ligada à identidade histórica de Carrara, considerando a necessidade de modernização e metas sustentáveis, que protejam o meio ambiente e preservem os recursos naturais, a cidade tem investido em técnicas e abordagens inovadoras para mudar sua cadeia de suprimentos, o setor de artesanato local e os projetos criativos.
Para fortalecer e promover a cultura e a criatividade em seu território por meio de seus compromissos com a Rede de Cidades Criativas da UNESCO, da qual é cidade membro desde o ano de 2017, Carrara prevê: manter e expandir o programa Studi Aperti (Estúdios Abertos), onde jovens e o público geral podem aprender com mestres marmoristas; estender o Fórum Internacional de Jovens Escultores de Mármore a outras cidades criativas da UNESCO e; intensificar e consolidar a cooperação com a província de Guangdong, na China, Aswan, no Egito, e Dakar.
2 DESIGN: BERLIM, ALEMANHA
Com mais de 3,7 milhões de habitantes, a capital alemã é uma metrópole culturalmente diversa, tolerante e cosmopolita, atraindo talentos, empresas e membros da classe criativa do mundo todo. Berlim é uma cidade agradável para se viver, proporciona qualidade de vida para a população com um custo de vida relativamente baixo, infraestrutura de educação e pesquisa de ponta, expressivas oportunidades de trabalho e investimento, cena criativa e cultural vibrante e um ecossistema de inovação e de startups em crescimento, da moda à tecnologia.
Especificamente no design, as oportunidades para profissionais, empreendedores e investidores se refletem na presença de instituições de treinamento e aprendizagem internacionalmente reconhecidas e na promoção de feiras, festivais e outros eventos, além da cooperação entre talentos e organizações que atuam em rede nesta área.
“Design significa inventividade, variedade, inovação e trabalho interdisciplinar, mas também é um fator econômico sério.“
O reconhecimento de Berlim como “cidade do design” pela Rede de Cidades Criativas da UNESCO, em 2008, foi um importante marco em sua trajetória de cidade criativa, não apenas para promover a indústria criativa e o setor de design da cidade, mas também para fortalecer e facilitar seu processo de mudança de uma economia industrial para uma economia criativa e digital.
Atualmente, a indústria criativa gera um faturamento anual de mais de 18 bilhões de euros na cidade e mais de 195 mil pessoas trabalham neste setor, correspondendo a 10% de todos os funcionários em Berlim. Apenas no design, a cidade abrange mais de 5000 estudantes e mais de 4.400 escritórios nos segmentos: industrial, de produto, de moda, gráfico e de comunicação.
Apoiando e promovendo a área do design de Berlim, há uma série de eventos, plataformas e iniciativas, como Design Mai, Berlin Photography Festival, Berlin Design Week, Berlin Fashion Week, DMY International Design Festival, Nightshift – Open Design Studios, eventos menores que os anteriores para gerar visibilidade, oportunidades de microcrédito e programas de bônus para empresas da indústria criativa, competições de talentos, programas de inovação e a abertura de Berlin Popup Stores em diferentes locais do mundo. Para aprender e compartilhar experiências com outras cidades criativas, a capital alemã colaborou com Copenhague, Atenas, Paris, Milão, Xangai, Buenos Aires, Tóquio, Montreal e outras.
3 LITERATURA: NORWICH, INGLATERRA
Ao leste da Inglaterra, Norwich, cidade com pouco mais de 230 mil habitantes, é um espaço marcado por sua herança literária. Nesta “Cidade da Literatura”, foi publicado o primeiro livro escrito em língua inglesa por uma mulher, a obra Revelações do Amor Divino, escrito pela mística Juliana de Norwich, em por volta de 1395. Mais recentemente, na década de 1970, o primeiro e um dos mais prestigiados mestrados da Grã-Bretanha em Escrita Criativa foi fundado na cidade, pela University of East Anglia (UEA), onde escritores contemporâneos de renome, como Ian McEwan e Kazuo Ishiguro (prêmio Nobel de Literatura em 2017), foram formados.
Nos final dos anos 80, a universidade foi novamente pioneira ao criar o primeiro doutorado em Escrita Crítica e Criativa, atraindo talentos nacionais e internacionais. Você pode ler aqui no portal o relato do escritor brasileiro Tiago Germano sobre seu período de estágio doutoral na UEA, o texto “Norwich: a Fantástica Fábrica de Escritores”.
“A literatura tem raízes profundas na bela cidade de Norwich e foi uma escolha natural da UNESCO. Também estou feliz por motivos pessoais – Norwich é onde minha própria vida de escritor começou. Os escritores sabem há séculos que Norwich é uma cidade de sonho. ” – Ian McEwan
Norwich, cidade membro da Rede de Cidades Criativas da UNESCO desde 2012 é, atualmente, um centro nacional de tradução e escrita literária, impulsionando a colaboração entre escritores e tradutores de diferentes locais do mundo. Além de realizar o festival de artes mais antigo do país, a cidade também é responsável pelo Noirwich Crime Writing Festival, um dos festivais literários de crescimento mais rápido no Reino Unido, o tradicional Norfolk & Norwich Festival, o International Literatura Showcase e tantos outros eventos, cursos e feiras na área de literatura, atraindo milhares de pessoas à cidade e movimentando sua economia.
Norwich é também o lar da biblioteca mais movimentada da Inglaterra e seus residentes gastam mais em cultura do que os residentes de qualquer outro lugar do país. A estratégia desta cidade criativa se ancora na “promoção da leitura e da escrita como um meio de mudança social positiva e inclusiva”. Assim, os objetivos de seus primeiros anos na rede perpassaram pontos como: promover o acesso e aproveitamento do melhor da literatura mundial para os residentes, trabalhadores e visitantes; promover conexões internacionais; colaborar e apoiar o desenvolvimento e a exibição do melhor da literatura do Reino Unido, trazendo também escritores de todo o mundo; trabalhar com jovens para engajá-los na leitura e escrita e; aumentar o investimento econômico na região com oferta turística e foco no patrimônio literário. Ainda nas atividades da rede, Norwich colaborou com outras cidades da literatura, como Edimburgo, Praga e Melbourne. Ouça o nosso bate-papo sobre a cidade.
4 CINEMA: LODZ, POLÔNIA
Há pouco mais de 100km de distância da capital polonesa, Lodz, a terceira maior cidade do país, é considerada a mais jovem e hipster da Polônia. Promovendo boa qualidade de vida para a sua população, além de ser um centro cultural com diversos cinemas, museus e teatros, a cidade também possui um número expressivo de universidades e empresas, nacionais e multinacionais, que atraem talentos de todo o mundo e estimulam a vitalidade das ruas.
Contrastando com os locais de interesse histórico de uma cidade antiga, ocupada durante a Segunda Guerra Mundial e casa do segundo maior gueto de judeus da Europa ocupada pelos nazistas, estão as pinturas e grandes murais que cobrem as fachadas dos prédios de suas ruas. Lodz desenvolveu um interessante relacionamento com a arte urbana, a qual é utilizada como ferramenta de requalificação urbana e social, a exemplo de sua Galeria Urban Forms, uma exposição permanente de arte no espaço público que reúne obras de artistas de diferentes nacionalidades, incluindo os brasileiros Os Gêmeos e Eduardo Kobra. O mapa de arte urbana da cidade inclui mais de 150 murais, esculturas e instalações espalhadas pelo território.
Com o declínio e esvaziamento da cidade após a SGM, e o enfraquecimento da economia industrial, Lodz precisou se reinventar. A fundação da Escola Nacional de Cinema, em 1948, veio a torná-la o centro do cinema polonês. Por ela, passaram diretores e cineastas aclamados internacionalmente, como Andrzej Wajda (Palma de Ouro do Festival de Cannes, Urso de Ouro da Berlinale e Oscar pelo conjunto de sua obra), Roman Polanski (César Awards, Urso de Ouro, BAFTA de Cinema, Goya, Leão de Ouro e seis Oscars), Krzysztof Kieslowski (Leão de Ouro, Goya e Prêmio do Cinema Europeu) e Piotr Sobocinski.
Lodz, reconhecida como cidade do cinema pela Rede de Cidades Criativas da UNESCO desde 2017, hospeda atualmente um grande número de estúdios de cinema, incluindo o maior da Polônia, e inúmeros festivais e eventos culturais que ocorrem ao longo do ano, como o Transatlantyk, fundado e dirigido por Jan Kaczmarek, vencedor do Oscar, e o International Nature Film Festival. A indústria criativa local movimenta ao menos 4.858 negócios, dos quais quase 10% estão ligados ao setor audiovisual e ao cinema.
Como membro da rede de cidades criativas, Lodz almeja aumentar o acesso à cultura cinematográfica em seu território e, para isso, estabeleceu a atração e retenção de talentos criativos como um objetivo estratégico. Algumas de suas iniciativas neste âmbito são: adotar uma política de desenvolvimento de cultura; fornecer apoio financeiro a jovens artistas por meio de bolsas de estudo, e a criadores reconhecidos por meio de programas de residência e prêmios honorários; apoiar financeiramente produtores de filmes, além de fornecer assistência técnica e promocional; preservar o patrimônio cinematográfico e; aumentar a oferta turística criativa da cidade.
5 GASTRONOMIA: FLORIANÓPOLIS, BRASIL
A capital catarinense, localizada parcialmente em uma ilha e parcialmente no continente, é conhecida pela alta qualidade de vida da população, seu crescente ecossistema de inovação e tecnologia, a presença de universidades públicas de ponta, as dezenas de praias e áreas de preservação ambiental e por ser uma das melhores cidades para o empreendedorismo no Brasil. Com tais características, a cidade se tornou naturalmente um pólo de atração e retenção da classe criativa, tanto pela presença de oportunidades de educação e aprendizagem para os talentos e a beleza de sua paisagem local, quanto pelo mercado de trabalho e oportunidades de investimento na área da economia criativa.
Outro importante destaque na “Ilha do Silício” é a sua gastronomia ligada aos frutos do mar, os quais somente uma cidade com seus recursos naturais poderia prover. Florianópolis é a Capital da Ostra no Brasil e, apenas um dos hotéis da cidade, consome cerca de 450.000 ostras por ano, um possível recorde mundial entre hotéis e resorts. São mais de dois mil bares e restaurantes no território, os quais ajudam a preservar as expressões do patrimônio cultural da cidade por de sua gastronomia.
Em 2014, a cidade obteve o reconhecimento como Cidade Criativa da Gastronomia pela UNESCO e, agora, além de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento da economia criativa local, Florianópolis busca implementar o Observatório de Gastronomia e o Laboratório de Inovação Cultural.
(Urban Studies, 24/02/2021)
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