Da Coluna de Renato Igor (NSC, 05/04/2020)
O Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE-SC) vê com preocupação o projeto de lei aprovado na Assembleia Legislativa (Alesc) que prorroga por três meses o pagamento de ICMS às empresas com atividades paradas em função do decreto estadual que especifica as ações de prevenção e combate à pandemia do novo coronavírus.
O conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Júnior, presidente do TCE, encaminhou ofício, na última sexta-feira (3), ao governador Carlos Moisés da Silva e ao presidente da Alesc, Júlio Garcia, sugerindo o veto ao PL aprovado. Em entrevista ao jornal do almoço, da NSC TV, Moisés já afirmou que irá vetar texto. O assunto, portanto, voltará para à apreciação dos parlamentares.
No ofício, o TCE afirma que a postergação do pagamento do imposto “poderá representar danos muito superiores aos benefícios pretendidos” e que “não consta do processo legislativo disponível para consulta a existência de estudos que demonstrem o impacto nas contas públicas decorrentes do diferimento de receita”.
Confira o texto na íntegra:
“Com meus cordiais cumprimentos, submeto à consideração de Vossa Excelência o Memorando n. 18/2020 encaminhado pela Diretoria de Contas de Gestão (DGE) a esta Presidência, cujo conteúdo espelha a preocupação do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE/SC) com relação ao impacto econômico, fiscal e financeiro decorrente da aprovação do Projeto de Lei n. 0056.6/2020, no último dia 31/03/2020, pela Assembleia Legislativa de Santa Catarina, o qual se encontra pendente de apreciação por Vossa Excelência. Inicialmente, cabe cumprimentar a Casa Legislativa pela louvável e mais do que pertinente atenção dedicada à proteção das empresas catarinenses, em face dos efeitos financeiros negativos em seus fluxos de caixa, diante da paralisação, total ou parcial, de suas atividades por conta das medidas restritivas adotadas pelo Governo do Estado decorrentes da pandemia causada pelo novo coronavírus (COVID-19), cuja gravidade é de alcance mundial, e, em Santa Catarina, acarretou a declaração de estado de calamidade pública, através do Decreto Legislativo n. 18.332, de 20/03/2020, pelo Parlamento Catarinense. Tal preocupação, por certo, é compartilhada por Vossa Excelência, assim como por este Tribunal de Contas. Entretanto, conforme levantamento realizado pela DGE, corroborado pela Presidência desta Corte de Contas, com algumas considerações adicionais, tem se que a previsão, constante do Projeto de Lei n. 0056.6/2020, de prorrogação do prazo de recolhimento dos débitos relativos ao Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), aos contribuintes que a lei específica, com vencimento nos meses de abril, maio e junho, para pagamento nos meses de outubro, novembro e dezembro do corrente ano, poderá representar danos muito superiores aos benefícios pretendidos. Conforme destacou a DGE, não consta do processo legislativo disponível para consulta a existência de estudos que demonstrem o impacto nas contas públicas decorrentes do diferimento de receita. Ainda, a Diretoria Técnica demonstra, por meio de projeção de cálculos, que a postergação por 6 (seis) meses para a arrecadação de ICMS terá como consequência um duplo impacto, pois a própria crise financeira trazida pelo confinamento da população, além da perda de confiança na economia, já diminuirá, e muito, o movimento econômico e, consequentemente, a arrecadação de ICMS. A preocupação que se externa é que a queda brusca na arrecadação que ocorrerá se implementado o disposto no Projeto de Lei n. 0056.6/2020 acabará por comprometer gravemente o desempenho das funções básicas do Estado, inclusive o aporte financeiro na área da saúde, que ora demanda o esforço concentrado dos recursos públicos, além de outras áreas essenciais, sendo que, como bem destacou a DGE, os impactos negativos por ausência de recursos públicos estaduais alcançará, também, os municípios catarinenses, os quais ainda dependem, em sua grande maioria, dos repasses do ICMS para a sua manutenção. Mas não só isso. Para além de uma abordagem da questão a partir do enfoque das contas públicas, é importante destacar que, sob uma perspectiva macroeconômica, o Estado interage com a sociedade por meio da tributação e do gasto, vazando renda do fluxo circular do produto nacional (ou regional) quando arrecada tributos e injetando-a de volta quando devolve aqueles recursos anteriormente arrecadados, através dos serviços prestados (renda real, que corresponde a essa atividade in natura) e do gasto público (renda nominal, que corresponde à contrapartida monetária daquela renda real). A redução drástica da arrecadação pública irá interromper ou reduzir gravemente esse fluxo circular, desacelerando ou diminuindo o giro econômico, tão importante para a manutenção, ainda que mínima, da atividade da economia e a sua retomada.
Em graves crises econômicas como a que estamos vivenciando, a história nos ensina que o Poder Público tem papel fundamental, por meio da adoção de políticas econômicas anticíclicas, no combate ao ambiente econômico recessivo que já se apresenta. Para tanto, são imprescindíveis os recursos dos impostos, em especial, no caso dos Estados, do ICMS. Muito embora grande parte dessas medidas de estímulo à economia caibam à União, que detém a autoridade monetária e capacidade de endividamento, e que pode, assim, financiar o déficit público necessário, por meio de alguma emissão de moeda e de títulos da dívida pública, os Estados têm papel importantíssimo nesse processo. A esse respeito, a União começou a adotar tais medidas, com previsão de expressivo gasto público, visando à manutenção da renda e do consumo dos trabalhadores, o que irá favorecer duplamente as empresas, na medida em que as desonera das despesas com salários e encargos e, ao mesmo tempo, contribui para a manutenção da sua produção e do seu faturamento. No âmbito estadual, como alternativa às medidas previstas no Projeto de Lei n. 0056.6/2020, sugere-se, de maneira pontual e setorizada, para as empresas ou segmentos que de fato necessitem, a concessão de linhas de crédito, por meio de agência de fomento, inclusive com flexibilização das exigências de garantias, de subsídios financeiros e de incentivos fiscais. Outro fator que não se pode perder de vista é que a falta de recolhimento do tributo por um período de 3 (três) meses pode comprometer o comportamento inercial dos contribuintes, no que diz respeito à cultura do adimplemento de suas obrigações tributárias, ainda mais em um cenário de crise econômica e social, que contribui para a formação de um indesejável ambiente propício para a desobediência civil e fiscal. Desse modo, o TCE/SC, de maneira preventiva, no exercício de sua missão constitucional de zelar pelas contas públicas, e de sua competência de fiscalizar as receitas estatais, inclusive os incentivos fiscais, bem como diante do risco de grave crise na economia e nas finanças públicas do nosso Estado, que será agravada sobremaneira se implementada a prorrogação do prazo para pagamento dos impostos, na forma prevista no Projeto de Lei n. 0056.6/2020, traz as presentes considerações, com o intuito de subsidiar eventual veto por parte de Vossa Excelência, o que, por sua vez, é medida que se sugere.”
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