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17/07/2015
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Quilombolas do Rio Vermelho esperam laudo antropológico e querem discutir corte de pínus em parque

Um dos patriarcas do Quilombo Vidal Martins, o pescador Odílio Izidro Vidal, 62, era um menino raquítico e curioso em 1963, quando o engenheiro florestal Henrique Berenhauser começou a recrutar trabalhadores braçais para derrubar a restinga, abrir valas e plantar as primeiras mudas de pinus (pinheiro americano) e eucaliptos. Ele cresceu e viu de perto a transformação de fauna e flora na orla entre a Lagoa da Conceição e a Praia Grande [Moçambique], no Rio Vermelho, onde só as aves de rapina sobrevivem na floresta que se espalhou sem as espécies nativas da mata atlântica.

Pais, avós e tios de outras crianças negras como Odílio estavam juntos na empreitada, também convencidos que era o melhor a fazer para proteger casas e plantações dos ventos de sul e de leste e do consequente avanço das dunas. “Foi uma grande mentira, mas o pessoal acreditou. Era a única forma de ter trabalho e dinheirinho para comer, e quem questionou foi mandado embora”, diz.

O velho quilombola presenciou, também, a demarcação de lotes para distribuição entre amigos influentes e capatazes de Berenhauser. “Foram griladas muitas terras aqui em volta”, aponta. Em fase de pesquisa para laudo antropológico, o quilombo é composto por 26 famílias, das quais 16 (cerca de 50 pessoas) ocupam apenas 900 metros quadrados na rodovia João Gualberto Soares, continuação da SC-406/Leste.

“Foi o que nosso pai conseguiu comprar. E onde vivemos amontoados”, diz Shirlen Oliveira, 35, uma das líderes quilombolas. Os demais, do ramo de Militão Boaventura Vidal Aguiar, atravessaram a lagoa e se fixaram na Costa.

Os quilombolas querem participar ativamente do debate sobre o corte de árvores exóticas, plantadas na década de 1960. Uma das líderes, Helena Oliveira, 33, explica que a comunidade vai requerer,  via MPF (Ministério Público Federal), a realização de nova audiência pública para detalhamento do projeto da Fatma (Fundação Estadual do Meio Ambiente) de regeneração ambiental da área do parque.

Impasse à vista com sobreposição de áreas

A diretoria da Fatma prefere esperar o andamento do processo antropológico, antes de se pronunciar sobre criação oficial do quilombo. Até lá, caberá ao chefe do parque, geógrafo Carlos Soares, manter o diálogo e as porteiras abertas aos quilombolas. “Como todas as comunidades do entorno, eles participam dos eventos”, diz.

Segundo Soares, o corte de pinus será normatizado por concorrência pública específica, independentemente da licitação para implantação do plano de manejo do parque. “O edital será lançado ainda neste ano, e já temos recursos disponíveis [R$ 450 mil]”, informa.

Estudos científicos sobre fauna e flora já realizados eliminam etapas e, segundo o geógrafo, é provável que o plano de manejo esteja em vigor no segundo semestre de 2016. A presença da comunidade quilombola, na avaliação dele, não será motivo para conflitos, mesmo que haja sobreposição de áreas.

“É preciso discutir a forma de compartilhamento. Pode ser mais interessante para a comunidade ser inserida, não desanexada, cada área com suas restrições e características próprias de uso”, diz Soares. A participação da comunidade no conselho consultivo do parque, segundo o geógrafo, é uma das garantias da futura homologação do território quilombola no Rio Vermelho.

Os quilombolas questionam, também, como serão inseridos no futuro plano de manejo e gestão do parque. “Nossos antepassados foram trazidos no século 17, nossa história está aqui há pelo menos 300 anos”, diz Helena. O Quilombo Vidal Martins recebeu certificação de reconhecimento pela Fundação Cultural Palmares em outubro de 2013.

 Um ano para concluir laudo

O relatório é a primeira etapa necessária ao processo de regularização dos territórios quilombolas. O estudo desenvolvido pelo NUER (Núcleo de Estudos de Relações Interétnicas), Laboratório de História Social do Trabalho e da Cultura e Laboratório de Estudos do Espaço Rural da UFSC dará caracterização histórica, econômica, sociocultural e ambiental à comunidade e fornecerá dados técnicos para o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, a ser elaborado depois pelo Incra.

“O levantamento inicial já está sendo feito pela comunidade há mais de um ano. Prosseguiremos e daremos suporte ao projeto”, explicou o professor Nazareno José de Campos, do Laboratório de Estudos de Espaço Rural. O plano de trabalho prevê apoio operacional do Incra à pesquisa e a realização de seminários ou outros eventos envolvendo comunidade e universidade.

Enquanto as pesquisas de campo são realizadas pelos técnicos da Universidade, a comunidade reclama da falta de políticas públicas específicas. “Há pessoas interessadas na Copir [Coordenadoria de Promoção da Igualdade Racial], mas falta apoio”, diz Shirlen. A pesca na lagoa ainda faz parte do dia a dia, e a servidão que começa a ser arborizada diante do número 9543 é o único acesso à lagoa, onde muros, aterros e trapiches retratam o alto índice da ocupação imobiliária irregular da orla.

Na agricultura familiar, tem sido importante a parceria com o Cepagro (Centro de Estudos e Promoção da Agricultura em Grupo). “Fazemos compostagem e adubo com o lixo doméstico”, explica Jucélia Oliveira, 58. Segundo a ela, a assistência técnica é importante na produção de hortas e frutas orgânicas. O administrador do Cepagro, Henrique Romano, 38, diz que uma das próximas ações será comprar ferramentas para a comunidade, com recursos gerados ali mesmo no parque. “Assim como os quilombolas, as demais comunidades do entorno também podem participar”, ressalta.
Pesquisa ganha Prêmio Elizabete Anderle

“Resgate da história de um quilombo na Ilha de Santa Catarina”, pesquisa do historiador Sebastião Vanderlinde, é o projeto escolhido em primeiro lugar para o Prêmio Catarinense de Arte e Cultura Negra e Indígena do Edital Elizabete Anderle 2015, da FCC (Fundação Catarinense de Cultura). A ideia é transformar em livro a vida de Vidal Martins, escravo que viveu entre 1845 e 1910 no Rio Vermelho, e deixou como legado o reconhecimento oficial da presença negra na colonização de Florianópolis.

Para os quilombolas, o edital representa mais uma etapa para o reconhecimento histórico da presença escrava na construção da cidade na mobilização por melhores condições de habitação, saúde e educação de crianças e adultos hoje confinados em apenas 900 metros quadrados do entorno do Parque Estadual do Rio Vermelho. Outra boa notícia para os descendentes de Joana, a escrava africana trazida em meados do século 18, é o encaminhamento pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) das pesquisas para elaboração do laudo antropológico necessário para oficialização do primeiro quilombo urbano de Florianópolis.

“Não abriremos mão da terra e dos acessos à lagoa para produzirmos nosso próprio alimento. Nossa subsistência depende da agricultura e da pesca”, reforçam as irmãs Shirlen, 35, e Helena Oliveira, 33, que iniciaram a pesquisa sobre os antepassados escravos que viveram no Rio Vermelho entre os séculos 18 e 19.

Multidisciplinar, o trabalho de campo começou em abril deste ano, com Termo de Cooperação Técnica entre UFSC e Incra (Instituto de Reforma Agrária). Inclui convívio na comunidade e levantamentos documentais, históricos, geográficos e de uso do território.  O prazo para conclusão do relatório antropológico é abril de 2016.

Um pouco da história

A grande incidência de escravos em Santa Catarina, destacada no artigo “Uma vida em comum: africanos libertos e seus arranjos familiares em Desterro”, da historiadora Ana Paula Wagner, é atribuída ao alto poder aquisitivo da população local nos séculos 18 e 19.

O viajante Auguste de Saint-Hilare, em sua passagem por Desterro em 1820, registrou que agricultores ilhéus pareciam mais “industriosos” do que os fazendeiros do interior. Também fez menção à existência de escravos rurais na Ilha.

Saint-Hilare relatou que em 1820 a população local era de 14.000 pessoas, sendo 2.800 escravos. Em 1841, registrou 19.568 habitantes, dos quais 4.336 cativos.

Na saída de Desterro rumo a Laguna,  Saint-Hilaire ancorou diante da Igreja de Nossa Senhora da Lapa, atual Ribeirão da Ilha.  O povoado era de 1.900 indivíduos, sendo 500 escravos.

O grande número de escravos seria reflexo das grandes plantações de cana-de-açúcar, lavouras que o navegador Saint-Hilare descreveu como “grande mosaico verde”.

Desterro também exportou escravos após o tráfico internacional. Entre os negociadores mais importantes da época, Manoel Antonio Victorino de Menezes, veio do Rio de Janeiro em 1860 e anunciava em jornal que comprava escravos para revenda no Sudeste.

Em 1870, Victorino de Menezes negociou 170 escravos em Campinas/SP, quase todos naturais de Santa Catarina. Este número pode ser ainda maior depois da sociedade dele com Manoel Jorge Graça, que tinha 90 vendas registradas em seu nome.

Quem foi Vidal Martins

Filho de Joana e pai desconhecido, neto de Jacinta, negra trazida da África em meados do século 18, Vidal Martins morreu em 1910, aos 65 anos. Conforme pesquisaram as bisnetas Shirlen e Helena Oliveira, Vidal era bebê quando Joana passou a servir ao padre Antônio Pulcheria Mendes de Oliveira, primeiro residente da Paróquia de São João Batista do Rio Vermelho.

Parque Estadual do Rio Vermelho

Características oficiais

Criação: Decreto nº 308, de 24 de maio de 2007

Limites: Distrito do Rio Vermelho ao norte, Lagoa da Conceição a oeste, praia de Moçambique a leste e distrito da Barra da Lagoa ao sul

Área: 1.532 hectares, divididos em duas glebas cortadas pela SC-406/Leste –continuação da rodovia João Gualberto Soares

11% – mata atlântica, encosta do Morro dos Macacos

54% – restinga variada na orla da Praia Grande/Moçambique

35%  – espécies invasoras e ecossistemas alterados pelo plantio de pinus e eucaliptos

(ND Online Mobile, 06/07/2015)

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