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Movimentos contra terrenos de marinha tentam reduzir taxas e até extinguir a cobrança

No começo do século 19, o Brasil recebeu a Corte Portuguesa, que aportou por aqui com Dom João VI e toda a família real. Visando à proteção do rei e de sua colônia, determinou-se, em 1818, que uma faixa de 15 braças craveiras (ou 33 metros) contadas do mar para a terra, em toda a costa do Brasil, deveria ficar desimpedida para a livre circulação dos pelotões militares. Surgiam os chamados terrenos de marinha que, anos mais tarde, em 1831, foram regularizados pela lei orçamentária que tratou da cobrança destas terras por meio do foro, uma taxa anual.

Herança do Brasil Colônia, as taxas permanecem até hoje. A nova demarcação feita pela SPU (Secretaria do Patrimônio da União) em Florianópolis, que deverá colocar milhares de terrenos em área de marinha, reacende a discussão em torno do tema, enquanto que no Senado e na Câmara dos Deputados, projetos de lei e emendas tentam minimizar os impactos destas taxas e até extinguir os terrenos de marinha.

Por enquanto, além de Florianópolis, a demarcação está sendo feita em Balneário Arroio do Silva, Passo de Torres, Joinville, Imbituba e Itapema, mas toda a costa de Santa Catarina está sujeita à demarcação. A SPU segue a legislação ao executar ações de identificação, demarcação, cadastramento, registro e fiscalização dos bens imóveis da União. Mas para especialistas, como o engenheiro cartógrafo Obéde Pereira Lima, 77 anos, estes terrenos servem somente para fins arrecadatórios que, em contrapartida às taxas, não são convertidos em benefícios à população.

De acordo com a legislação, a linha da preamar média que define onde ficam os terrenos de marinha deve ser traçada com os parâmetros das marés de 1831. O que a SPU faz é uma medição presumida desta linha imaginária, atitude condenada por Lima. Ele apresentou uma tese de pós-doutorado em engenharia civil em 2002 detalhando métodos técnico-científicos que poderiam levar à linha da preamar de 1831, mas que foi ignorada pela SPU. “Concluí que os terrenos de marinha nos dias atuais devem estar submersos nas praias ou, quando muito, uma parte deles está sobre a praia. Mas isto não atende aos interesses arrecadatórios da SPU”, diz.

Segundo a assessoria de imprensa da SPU, os trabalhos foram desenvolvidos de acordo com o previsto nos artigos 9 e 14 do decreto-lei 9.760/1946. Ou seja, por meio de documentos, plantas, levantamentos topográficos e GPS geodésico de precisão. Atualmente, o pagamento da taxa de ocupação é baseado na data de inscrição do imóvel, variando de 2% a 5%. Quem deixar de pagar as taxas à SPU por três anos poderá ter o direito do domínio cancelado.

 

Faixa foi estabelecida em 1818

O instituto jurídico dos terrenos de marinha e seus acrescidos foi criado em 1818, quando se estabeleceu a faixa territorial de 15 braças craveiras (33 metros) para o lado da terra a partir das linhas demarcadas nas praias aonde chegava a água do mar. A justificativa para esta norma remontava ao começo da colonização brasileira para assegurar a defesa nacional e o livre acesso às áreas litorâneas. Em 1832, modificou-se a norma jurídica, alterando a linha de referência medida da faixa de 33 metros de acordo com o ano anterior, 1831. Vislumbrou-se ali, então, um fim arrecadatório para os terrenos de marinha, que começaram a ser cobrados por sua ocupação sob a forma de aforamento.

 

Os terrenos de marinha

Hoje, 9.974 imóveis dominiciais estão cadastrados como sendo da União em Florianópolis. Em Santa Catarina, este número é de 40.180.

Em 2014, com as taxas de arrecadação (foro e taxa de ocupação) a União recebeu R$ 44.175.644,86 em Santa Catarina e R$ 327.058.580,52 no Brasil.

Fonte: SPU (Secretaria do Patrimônio da União)

Comunidade mobilizada

Aprovado pelo Ministério do Planejamento, o estudo feito pela SPU (Secretaria do Patrimônio da União) sobre os terrenos de marinha em Florianópolis fez a demarcação presumida da linha preamar nos 94% de costa da cidade ainda não homologados. Realizado de 2007 a 2014, o estudo deve impactar milhares de imóveis de Norte a Sul da Ilha, como os bairros Daniela, no Norte, e Carianos, no Sul.

Mônica Quimelli, 72, mora há nove anos no loteamento Santos Dumont, no Carianos, e sua casa está dentro da demarcação da SPU. “Fico preocupada, pois ganho dois salários mínimos por mês e não terei condições de pagar mais um imposto. Eles não tomarão tudo que é meu”, diz.

A comunidade do Carianos está mobilizada acerca do tema, principalmente para tentar entender de que forma cada um será afetado, pois muitas são as dúvidas e poucas as respostas. Maikon Costa, 31, presidente da Amocar (Associação de Moradores do Carianos), enviou ofícios à SPU, mas as respostas não são conclusivas. “Eles só nos mostram os resultados, mas o que queremos entender é o método utilizado para a demarcação. Não se discute a lei de 1946, mas sim as dificuldades para a defesa”, afirma. Segundo levantamento feito pela associação a partir de mapa disponibilizado pela SPU, 1.330 imóveis dos quase 4.000 no Carianos seriam afetados pela nova demarcação.

Segundo a assessoria de imprensa da SPU, o processo demarcatório tem oito volumes que estão sendo digitalizados e serão inseridos no sistema de informações do Ministério do Planejamento até a primeira quinzena de maio, e o processo físico da demarcação está disponível para consulta na sede da SPU. Ainda segundo o órgão, quem tiver renda familiar mensal igual ou inferior a cinco salários mínimos estará isento das taxas.

Para especialista, método é equivocado

Para o engenheiro cartógrafo Obéde Pereira Lima, as demarcações presumidas feitas pela SPU são impróprias e ilegais. Ele estuda há mais de 30 anos os terrenos de marinha no Brasil e, em sua tese de doutorado, demonstra como seria possível fazer a demarcação correta da linha.

Segundo Lima, o método utilizado para encontrar a linha média já parte do princípio equivocado. “A lei diz que a demarcação deve ser feita sobre a linha preamar média de 1831. Como a SPU não sabe calcular esta linha, ao invés de calcular a média máxima das marés, utiliza as máximas das marés de um ano para calcular”, diz.

Segundo o engenheiro, a média deveria ser feita a partir das cerca de 740 contagens das preamares de um ano. Mas o que a SPU faz, é contabilizar apenas as 24 maiores preamares do ano (duas em cada mês, correspondentes aos dias de lua cheia e nova) para, desta forma, chegar a uma média maior.

A tese de Lima foi utilizada para contestar a demarcação da SPU em uma ação do Ministério Público Federal de Pernambuco e da associação nacional SOS Terrenos de Marinha que, por decisão da Justiça Federal, em novembro de 2014, suspendeu em Recife todas as cobranças de taxas. Os moradores, no entanto, deverão entrar na Justiça individualmente para deixar de pagar a taxa, e ainda cabe recurso.

Doutor em direito ambiental e urbanístico, o advogado Pedro Menezes ressalta que antes mesmo de começar os estudos, a SPU deveria notificar individualmente os que seriam afetados pela medida em Florianópolis para contribuir com fotos, documentos e plantas antigas. Ao invés disso, a SPU fez apenas um edital convocando cerca de 4.000 moradores.

Outro questionamento é sobre o prazo que os moradores terão para apresentar defesa a partir da notificação. Em cima de um estudo que levou mais de sete anos para ser realizado, e que não se tem acesso, os moradores terão apenas dez dias para entrar com recurso. Caso moradores decidam entrar na Justiça contra a SPU, Menezes diz que é possível uma ação civil pública coletiva alegando vício de procedimento (na parte do processo administrativo de não notificação aos moradores) e questionando o mérito da metodologia usada pela União.

Projetos de leis e de emendas tentam extinguir os terrenos de marinha

O que está em vigor hoje acerca dos terrenos de marinha é o decreto-lei 9.760/1946, que reafirma a referência de demarcação dos terrenos a partir da linha preamar média de 1831 nas ilhas e margens de rios e lagoas até onde se faça sentir a influência das marés. Em âmbito nacional, existe um projeto de lei e uma emenda constitucional em tramitação para tentar atenuar e parcelar as taxas sobre os terrenos de marinha ou até mesmo extingui-los.

Um deles é o projeto de lei 5.627/2013, de iniciativa do executivo, que já foi discutido na Câmara dos Deputados e enviado ao Senado em 18 de março. Atualmente está na Comissão de Assuntos Econômicos. Com o objetivo de tornar menos burocrático e mais transparente o processo de demarcação, o projeto sofreu algumas modificações e, entre as propostas, está a unificação da taxa de ocupação em 2% e deixar de cobrar o laudêmio sobre a área construída.

O deputado federal Esperidião Amin (PP) apresentou dez emendas ao projeto de lei, das quais duas foram aprovadas parcialmente e uma totalmente, que diz que a União deverá repassar 20% dos recursos arrecadados aos municípios. Segundo Esperidião, esta não é a melhor alternativa, pois o ideal seria mesmo acabar com os terrenos de marinha. “O desejo prioritário é extinguir o instituto do terreno de marinha no país, por isso estou apresentando também uma proposta de emenda constitucional”, explica.

No Senado tramitam duas PECs (Proposta de Emenda à Constituição), 53/2007 e 59/2009, que tentam a extinção dos terrenos de marinha e seus acrescidos. A intenção de Esperidião é apresentar na próxima semana na Câmara uma proposta de igual teor e conseguir aprová-la, sendo apensada às do Senado. Até agora já foram colhidas cerca de 160 das 171 assinaturas de deputados necessárias para apresentá-la em plenário.

OAB propõe redução das taxas

Segundo o advogado Pedro Menezes, não subsiste mais nenhum motivo para se cobrar taxas por terreno de marinha, mas caso aconteça de aboli-los, outro problema jurídico será criado. “Para quem irão esses terrenos se forem abolidos? Quem cuidará dos terrenos desocupados?”, questiona.

A OAB/SC (Ordem dos Advogados do Brasil) solicitará à bancada catarinense no Senado uma série de alterações no projeto de lei 5.627/2013. Além de criticar a falta de critérios para demarcação de novas áreas, a Ordem considera insuficiente a redução dos valores proposta no projeto.

Hoje, o pagamento da taxa de ocupação é baseado na data de inscrição do imóvel, variando de 2% a 5%, enquanto que o projeto de lei estipula 2% para todos os casos. A OAB/SC sugere taxas ainda mais baixas: 0,3% para foros, 1% para laudêmios e 0,5% para taxas de ocupação. A advogada Andréia Faria Brognoli, que ajudou a elaborar o parecer, entende que o instituto terrenos de marinha é algo ultrapassado e que o ideal seria eliminá-los.

Florianópolis tenta recurso para não pagar taxas

A demarcação da linha preamar média pode ser feita em todo o território nacional pela SPU. Desta forma, as cidades litorâneas estão sujeitas a pagar as taxas cobradas por terrenos de marinha. Mas, neste momento, o foco se volta para Florianópolis, onde a SPU finalizou os estudos e pretende começar a cobrar as taxas. A Prefeitura da Capital é cobrada pela SPU para fiscalizar os terrenos e, hoje, o município tem uma dívida de R$ 170 milhões com a Superintendência pelo uso destes terrenos.

Em abril, a Procuradoria-Geral do Município requereu no STF (Supremo Tribunal Federal) a entrada em uma ação feita pelo município de Vitória (ES), em 2011, que está em andamento, na qual a defesa se baseia na emenda constitucional 46 da Constituição Federal, de 2005. Por serem ilhas costeiras que servem de sede de municípios, as duas cidades (e também São Luís, no Maranhão) não poderiam estar sujeitas ao regime de terrenos de marinha. Segundo o procurador-geral do município, Alessandro Abreu, entre os problemas para a Capital estão a dependência de aval do governo federal para a realização de obras de infraestrutura nestas áreas e as multas pela suposta ocupação ilícita.

Na próxima terça-feira, o deputado estadual João Amin comandará uma nova audiência pública. Foram convocados SPU, Ministério Público Estadual e Federal, além das entidades representativas de cidades como Florianópolis, Itapema, Bombinhas, Penha e Barra Velha. Segundo Amin, uma série de perguntas ainda precisa ser respondida pela SPU, além da disponibilização do estudo para a sociedade.

Entenda as taxas

Foro: aforamento é quando o beneficiário contrai a obrigação de pagar à União um valor anual em dinheiro – o foro – sobre o domínio pleno do imóvel, que difere do domínio útil (direito de posse, uso e gozo). Assim, é uma taxa que o foreiro está obrigado a pagar anualmente à SPU, correspondendo a 0,6% do valor do condomínio pleno do imóvel, atualizado monetariamente todos os anos.

Taxa de ocupação: é o direito precário de posse sobre um imóvel localizado em áreas dos terrenos de marinha e seus acrescidos e é caracterizado pela existência de benfeitorias em seu aproveitamento. A lei admite apenas a transferência de benfeitorias e não seu domínio útil. Todos os anos a SPU cobra a taxa, calculada sobre o valor do terreno da seguinte forma: 2% para as ocupações já inscritas e para aquelas de inscrição requerida à SPU até 30 de setembro de 1988; e 5% às ocupações de inscrição requerida a partir de 1 de outubro de 1988.

Laudêmio: valor pago à União pela transferência onerosa do domínio útil, ou seja, pela venda de um imóvel situado em terreno aforado ou ocupado. Corresponde a 5% sobre o total da operação, compreendendo o valor do terreno e das benfeitorias. Sem seu recolhimento, a transferência não será efetuada.

( Notícias do Dia Online, 03/05/2015)

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