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Auditoria do TCE aponta 22 irregularidades no transporte intermunicipal na Grande Florianópolis

Onze irregularidades nas linhas intermunicipais de transporte coletivo da Grande Florianópolis aumentam o valor da tarifa paga pelo usuário. As falhas encontradas por uma auditoria do TCE-SC (Tribunal de Contas de Santa Catarina) no cálculo realizado pelo Deter (Departamento Estadual de Transportes e Terminais) são apenas a metade dos problemas do sistema de transporte coletivo na região. Segundo os dados aos quais o Notícias do Dia teve acesso com exclusividade, o preço pago para as quatro empresas que operam o sistema (Jotur, Biguaçu, Santa Terezinha e Estrela) não contém desconto para compra antecipada de créditos de passagem, permitindo a remuneração indevida das empresas prestadoras do serviço. Para o TCE-SC, a metodologia cria a “possibilidade de ganhos financeiros” com a aplicação dos recursos em compras antecipadas pelas empresas, permitindo a realização de custos menores.

A taxa interna de retorno no sistema de transporte da região está acima de outras operações semelhantes no mercado brasileiro. O edital do transporte coletivo da Capital, por exemplo, prevê uma taxa de 8,61%. Nas rodovias federais, os contratos têm taxa fixada pelo governo federal em rodovias como a BR-101 de 7,2%. A taxa das empresas do setor na Grande Florianópolis é de 12%. “Isso significa que a taxa adotada pelo cálculo tarifário se mostra desarrazoada, pois remunera o investidor em percentuais muito acima das adotadas no mercado para outros investimentos de maior risco ou mesmo para o próprio setor de transporte rodoviário coletivo interestadual de passageiros”, afirma a auditoria.

A auditoria operacional começou em março de 2013, quando o TCE pediu documentos ao Deter. Em julho do mesmo ano, foi realizada uma reunião com técnicos do departamento sobre a atuação das quatro empresas que atuam no transporte intermunicipal. O relatório contendo as 22 irregularidades foi concluído em 19 de maio de 2014. O relator do processo é o conselheiro Cleber Muniz Gavi, mas o caso ainda está sendo analisado pelo Ministério Público de Contas desde novembro do ano passado.

Segundo a assessoria de comunicação do TCE-SC, o relatório foi encaminhado em junho de 2014 para o então presidente do Deter, Neri Francisco Garcia. Após a apresentação das justificativas a área técnica manteve 20 das 22 determinações ao Deter, além da sugestão de apresentação de um plano de ação para regularizar as falhas apontadas, principalmente no cálculo da tarifa. Os auditores passaram para recomendações duas questões: a implantação de uma bilhetagem eletrônica em todos os veículos da frota do sistema intermunicipal e um sistema de controle que permita os valores devidos e recebidos das empresas da taxa de fiscalização (TF), “em atenção às boas práticas gerenciais.”

Índice de desgaste é 2.325 % maior

O estudo do Tribunal de Contas também demonstra que o cálculo da tarifa tem com referência índices diferente dos recomendados pelo Ministério dos Transportes em relação à vida útil dos pneus frente a novas tecnologias e à ausência de estudos para definir com clareza o coeficiente de remuneração de máquinas, instalações e equipamentos, além das peças e acessórios. No item de máquinas, instalações e equipamentos, técnicos apontam diferença gritante entre o coeficiente adotado pelo manual do Deter e o recomendado pelo ministério. No Deter é de 0,0035 ou 0,93% ano do preço do veículo novo combinado (veículo-padrão médio). Já segundo o manual federal, o indicativo desse coeficiente é de 0,0004 ou 0,04%. Ou seja, o índice que vem sendo utilizado na conta da tarifa é de 2.325 % maior.

Além dessas duas questões, o Deter não fez nenhuma apreciação para avaliar o impacto das reduções de tributos concedidos para o setor pelo governo federal. Pela medida provisória 617 de 2013, o governo federal reduziu a zero as alíquotas do PIS/Pasep e da Cofins sobre os serviços de transporte coletivo.

Já a lei federal de 2012 previu desoneração na folha de pagamento das empresas de transporte de passageiros. Mas o Deter, diz a auditoria, acredita que a redução desses tributos não teria impacto financeiro na redução dos custos, pois o modelo tarifário não contempla esses quesitos. Mas os técnicos do TCE encontraram a previsão destes encargos sociais no manual de cálculo tarifário do Deter. Conforme o TCE, o fato é que as empresas têm obrigação legal de pagar esses tributos, obtendo benefício fiscal com as medidas anunciadas.

Venda créditos

Outro ponto questionado pelo TCE é que o cálculo da passagem não considera a redução de custos administrativos com a operação centralizada de venda de créditos realizada pelo Setuf (Sindicato de Empresas de Transportes Urbanos de Passageiros da Grande Florianópolis). Para cada empresa que opera o sistema, informa a auditoria, é prevista uma despesa com pessoal que considera, entre outros custos, a despesa administrativa de venda de créditos. “Essa redução de custos, porém, não é repassada à tarifa em prol de sua modicidade, pois o cálculo tarifário continua considerando custos de pessoal de forma segmentada evidenciando que cada empresa realiza o serviço individualmente”, afirmam os auditores.

Passageiros reclamam de ônibus lotados

O reflexo dos problemas no transporte intermunicipal é sentido pelos usuários diariamente nas viagens entre os municípios vizinhos e o Centro de Florianópolis. “A qualidade é péssima. Não existem horários suficientes e os ônibus estão sempre lotados. No Wanda (loteamento Dona Wanda) saíram muitos condomínios e nenhum horário novo”, conta Marlene Juttel, professora da rede municipal de ensino. Moradora do bairro há 15 anos, ela comenta que, agora, as ruas são asfaltadas, existem creches, supermercados e os serviços cresceram consideravelmente de acordo com a população, “mas os ônibus são a mesma coisa, não melhorou em nada”.

A falta de estudo técnico para criação de linhas apontada pelo TCE, além de encarecer os custos de operação e acelerar o desgaste da frota, tornam o serviço ineficiente. Os bairros às margens da BR-101 em São José, Palhoça e Biguaçu são atendidos cada um com uma linha que vai até o Centro da Capital. A sobreposição de linhas, devido à falta de estudos, alonga percursos e causa desgaste na frota. A conta é cobrada diretamente no valor da tarifa. Enquanto isso, o relatório aponta que o retorno dos investidores atinge índices acima dos praticados no mercado.

As principais reclamações dos passageiros são a falta de horários, ônibus lotados e linhas ineficientes. Estudante de farmácia na Estácio de Sá, em Barreiros, São José, para onde vai todos os dias no horário de pico, Camila Meira, 19 anos, não vê esperança de melhorias no transporte. “Parece não existir saída. As manifestações foram boas, mudaram, mas também não adianta só fazer manifestação, as coisas têm que funcionar de outra forma”, lamenta.

Relatório recomenda estudo de itinerário

“Pobre não sai de casa no fim de semana”, diz indignada Bruna Pereira, 26 anos. “Não temos outra opção de transporte. Há mais de dez anos que os horários são os mesmos, mas o bairro só cresce. Você viu a volta que ele dá no bairro? Era preciso novas linhas, mais horários”, disse durante a viagem diária que faz entre o Centro de Florianópolis e Serraria, São José, no ônibus de 17h50.

Segundo a auditoria do TCE, o Deter não cumpre as determinações da Lei da Mobilidade Urbana, pois a definição das linhas teve como base “experiências anteriores” e não tem como prioridade “o conhecimento da demanda atual”. O uso correto, como determina a lei federal, poderia prevenir o “possível acúmulo de linhas em mesmos trajetos e horários” e a adequação de linhas subutilizadas ou superutilizadas. Por isso, a auditoria sugere que as linhas sejam definidas com base em estudos técnicos de origem e destino com avaliações a cada quatro anos seguindo critérios operacionais, econômicos, financeiros e sociais para alteração e criação de novas linhas.

Dados de baixa confiabilidade

Os dados do TCE revelam mais problemas que o Deter não tem, segundo auditoria: controle de passageiros. Um dos mais graves é a incompatibilidade entre sistemas do Deter e da empresa que realiza a contagem de passageiros. “Por consequência, os dados enviados pelas empresas ao Deter, com relação ao número de passageiros transportados, são de baixa confiabilidade”, afirma o TCE.

Os auditores recomendam que é necessária a implantação do sistema de bilhetagem eletrônica em todos os ônibus e que o software de gestão da bilhetagem eletrônica seja atualizado a cada quatro anos. “Tal condição deve permitir o exercício do controle online dos dados de passageiros pelo Deter”, recomenda o TCE.

Os dados do TCE revelam que o Sistema de Transporte de Passageiros Intermunicipal, fiscalizado pelo Deter, não opera com a tecnologia da bilhetagem eletrônica. Apenas algumas empresas implantaram, por conta própria, e em alguns ônibus, sistema e dispositivos de controle automatizado de passageiros. Com base nestas informações é calculada a taxa de fiscalização (TF). “A inexistência do sistema de bilhetagem eletrônica decorre da omissão do Deter em exigir a sua implementação pelas  empresas prestadoras, o que resulta na baixa confiabilidade dos dados”, relataram os auditores.

Empresa se defende

Questionado sobre a auditoria do TCE, que diz ser incompatível o sistema de bilhetagem eletrônica das empresas de transporte intermunicipal de passageiros com o do Deter, Gildo Formento, diretor da Estrela, garantiu que o sistema que calcula o número de passageiros transportados e regula o preço da passagem foi aprovado pelo Deter antes de sua implantação. Ele sustenta que toda base de dados é disponibilizado à autarquia. “Os técnicos do Deter podem elaborar os relatórios que desejarem. O Deter tem à disposição todas informações”, afirmou.

Segundo o diretor, cada empresa fornece estas informações diretamente no site do Deter e este emite a guia para pagamento. “A Estrela recolhe estes valores com base nos dados oriundos do sistema de bilhetagem eletrônica da base de dados disponibilizada pelo Setuf [Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Florianópolis], onde o Deter também tem acesso livre para confirmar os dados. Nossa empresa está à disposição de qualquer auditoria para comprovar a veracidade dos dados”, diz. O ND tentou ouvir as demais empresas, mas não teve retorno aos pedidos de informações.

Estudo encomendado à UFSC em 2010 não saiu do papel

Sugestões da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) para novo cálculo da tarifa foram entregues em 2010, mas ainda não foram implantadas e custaram pelo menos R$ 1 milhão. O Deter informou ao ND que a maior parte dos problemas encontrados pelo TCE-SC serão resolvidos por projeto desenvolvido pela UFSC.  “O Laboratório de Transportes da UFSC fora contratado para elaborar nova política de transportes para suplantar a legislação vigente, que data de 1980. Este projeto servirá como ponto inicial para renovar a legislação e amparar os novos modelo de concessão a serem realizados por este órgão”, diz o comunicado do Deter.

Além disso, a autarquia afirma que o governo do Estado, através da SC Parcerias, conduz o Plamus (Plano de Mobilidade Urbana Sustentável) que se trata de um estudo técnico que apresentará soluções para os problemas de mobilidade urbana nos 13 municípios da Grande Florianópolis, e incluirá estudos de demanda atualizados dos passageiros desta região metropolitana. No caso da UFSC, o professor Rodolfo Philippi, do Laboratório de Transportes e Logística (LabTrans) da universidade, disse ao ND que o estudo de um novo modelo de cálculo tarifário para o transporte rodoviário foi entregue ao Deter em maio de 2010. E que um projeto sobre a política estadual de transporte foi repassada ao órgão no final de 2014. Segundo Philippi, que coordenou o trabalho, na questão da tarifa a análise feita após dois anos de trabalho entre 2008 e 2010 sugeriu que o cálculo fosse feito por regiões, como no caso da região metropolitana. “Não posso garantir de que não esteja em implantação, mas pelos dados da auditoria do TCE acredito que nada tenha sido feito ainda”, avaliou.

O portal da transparência do governo estadual registra apenas os pagamentos feitos à UFSC a partir da 11ª parcela, de R$ 43.200,55, em abril de 2009, e referente ao contrato de estudo de novo cálculo tarifário. Não há informações sobre o segundo projeto elaborado pelo Labtrans, mas que se destinou, segundo o professor, para elaboração de um plano estadual de transportes. Entre 2009 e 2010 foram repassados à UFSC para remunerar o primeiro projeto R$ 1.037.319,66. Procurada, a UFSC disse que só poderia repassar informações sobre os valores dos dois contratos por meio da lei de acesso á informação. O Deter afirma que o valor pago à UFSC é menor, de R$ 468,6 mil, e não considera os pagamentos descritos no portal da transparência no valor de R$ 466.719,66 em 2009.

O QUE DIZ O DETER

A reportagem relacionou alguns pontos do relatório e enviou ao Deter, que detalhou o funcionamento e apontou possíveis soluções aos problemas apresentados

Em todos os questionamentos relacionados pela auditoria, o Deter admite os problemas citados pelo TCE-SC e a possibilidade de revisão no cálculo da tarifa, apesar de já ter recebido o estudo há quatro anos da UFSC. Veja  as demais respostas do Deter sobre questões relacionadas com tarifa e bilhetagem eletrônica.

Ausência de descontos para aquisição antecipada de créditos de passagem, permitindo a remuneração indevida dos prestadores de serviço.

O Deter está analisando normatização para evitar o prejuízo do usuário neste quesito. A regulamentação existente prevê a possibilidade de tarifas diferenciadas para os usuários que efetuam compra antecipada de passagens.

Cálculo tarifário não considera a redução dos custos administrativos, advindos da operação centralizada de arrecadação pelo Setuf.

O Deter estuda formas de adequar a  metodologia de cálculo tarifário visando a implantação em definitivo. Alguns pontos a serem revisados são o coeficiente de custo administrativo e o coeficiente de custo de pessoal de administração.

A taxa de remuneração do capital praticado no Cálculo Tarifário não reflete as características mercadológicas, permitindo, inclusive, a remuneração do investidor em percentuais superiores aos esperados no setor.

“A taxa de 12% foi indicada no estudo realizado pelo Laboratório de Transportes da UFSC para formulação de nova metodologia de Cálculo Tarifário. Contudo, este valor está sujeito à reavaliação e deverá ser atualizado para o novo modelo de concessão a ser realizado no futuro”.

Ausência de fundamentação para as receitas com publicidade.

“O projeto da nova Política de Transportes e que servirá como base para o novo modelo de concessão, prevê receitas complementares com objetivo de favorecer a modicidade tarifária. O novo modelo de cálculo prevê a contabilização destas receitas como forma de abatimento de custos no preço final da tarifa”.

Planilha tarifária inadequada em relação à vida útil dos pneus frente a novas tecnologias. Questionamento sobre peças e acessórios e máquinas, instalações e equipamentos.

Segundo o Deter, os coeficientes foram indicados no estudo do LabTrans da UFSC para formulação de nova metodologia de Cálculo Tarifário. “Contudo, este valor está sujeito à reavaliação e deverá ser atualizado para o novo modelo de concessão”.

Ausência de estudo para avaliar o impacto das reduções de tributos, de acordo com a MP 617/2013 e a Lei Federal 12.715/2012.

“A nova metodologia de cálculo tarifário, em fase de implantação, apresenta campos específicos para inserção das alíquotas das contribuições referentes à legislação citada (PIS e Cofins). Redução das alíquotas implica redução direta nos valores tarifários.”

Inexistência de matriz de risco associada ao contrato de concessão do transporte coletivo de passageiros e de indicadores de qualidade para avaliação do serviço.

“O instrumento da matriz de risco não é atualmente aplicado pelo Deter, contudo, o órgão lida com informações que formariam esta matriz no sistema de transporte, como a demanda e receita de linhas e influência sobre a normatização e tributação do sistema. A nova Política de Transportes prevê a reestruturação do órgão gestor, dando ênfase para o tratamento e análise das informações do sistema. A nova Política de Transportes prevê a criação de Sistema de Avaliação de Desempenho do Transporte Intermunicipal de Passageiros”.

Inexistência de sistema de bilhetagem eletrônica, contrariando boas práticas gerenciais e de Tecnologia de Informação.

“Os sistemas de bilhetagem eletrônica vêm sendo implantados progressivamente em diferentes regiões do Estado, contudo, a regulamentação desta implantação tem sido feita de forma padronizada. Já foram realizadas reuniões entre a administração do Setuf e a Gerência de Tecnologia da Informação deste órgão para a transferência digital dos dados das respectivas linhas.”

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