Destacada como a capital de melhor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do país, com pouco mais de 450 mil habitantes fixos, Florianópolis tem se tornado um dos principais destinos turísticos nos últimos anos. O crescimento urbano é uma realidade sem volta e, ao mesmo tempo em que coloca a cidade em destaque, inclusive no cenário internacional, também acaba revelando problemas típicos dos grandes centros urbanos. Basta circular pelas ruas, do Norte ao Sul, da Lagoa ao Continente, para se perceber que a mobilidade urbana ainda é um dos principais problemas a ser enfrentados. Foi justamente pensando em uma Florianópolis melhor para quem vive a cidade que especialistas, secretários de governo, profissionais de trânsito, jornalistas e ativistas se encontraram ontem à tarde para o primeiro debate do movimento Sou Bem Floripa, da RICTV Record.
Em mais de duas horas de debate, transmitido ao vivo pela Rádio Record AM e que será exibido no próximo dia 29 pela Record News, oito convidados apresentaram propostas para os problemas de mobilidade. Eles falaram sobre gargalos do trânsito, o papel do pedestre, alternativas de transporte e comportamento no trânsito.
Unanimidade mesmo é de que se nenhuma atitude for tomada o quanto antes, o desenvolvimento de Florianópolis corre sério risco de parar de vez no engarrafamento cada dia mais quilométrico. Sem a possibilidade de construção de grandes novas vias, ou até mesmo de se alargar as existentes, as possibilidades de saídas são muitas: BRT (bus rapid transit), aquabus, teleférico, metrô de superfície e até mesmo a construção de mais pontes, além da ativação definitiva da ponte Hercílio Luz, interditada desde 1982.
Enquanto o professor Roberto de Oliveira, doutor em problemas urbanos e habitacionais, defende que “não há como planejar a cidade sem pesquisas”, como declarou durante o debate, para o arquiteto e secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano, Dalmo Vieira Filho, a implantação do BRT seria “a melhor alternativa se levado em consideração o custo benefício”.
O secretário de Mobilidade Urbana, Valmir Piacentini acenou que a saída pode estar no mar. “Os testes do transporte marítimo devem começar nos próximos meses e a implantação do serviço pode acontecer ainda em 2014” garantiu.
Transporte de massa
Postas na mesa de debate, as soluções para melhorar a fluidez no trânsito de Florianópolis vão desde a mudança de comportamento dos cidadãos à implantação de projetos capazes de prever o crescimento ordenado da cidade. Para Werner Kraus Júnior, professor e pesquisador da UFSC, enquanto não se prioriza o transporte de massa e se penaliza quem anda de carro, mais pessoas optarão pelo transporte individual. “Temos um grande campo para avançar por ônibus em corredores exclusivos. Uma vez implantados esses corredores, se 20% dos motoristas deixarem seus carros e aderirem ao ônibus a gente restaura o nível atual de trânsito. A situação do automóvel fica a mesma, enquanto a velocidade operacional do ônibus salta de 12 km/h para 30 km/h”, explicou Werner.
Mas até mesmo a criação de faixas exclusivas encontraria barreiras naturais. “O BRT seria a espinha dorsal de um projeto que precisaria de outras modalidades, haja vista que não seria possível a implantação em algumas vias. Seria necessário ser integrado a ônibus circulares, vans e outros modais”, afirmou Dalmo Vieira Filho.
Emoldurada entre as baías Norte e Sul, a ponte Hercílio Luz, inaugurada em 1926, pode ter destino primordial para melhoria da mobilidade da cidade. Enquanto o governo do Estado anuncia a reabertura do cartão-postal até o fim deste ano, especialistas prevêem o melhor uso. “Seria para o transporte coletivo”, disse Dalmo.
Melhorar a gestão
Curitiba, primeira cidade a implantar o modelo BRT, que hoje é exportado para todo o mundo, estuda alternativas para substituir o modelo atual. “A cidade que criou o modelo já pensa em mudar porque não dá mais conta da demanda. O BRT só seria possível se for associado a modelos sobre trilhos e rodas. Tem que se pensar na intermodalidade”, afirmou o professor Roberto de Oliveira.
Pela primeira vez, a Grande Florianópolis terá um estudo dirigido para as questões de mobilidade urbana. O Plamus (Plano de Mobilidade Urbana Sustentável), promovido pelo governo do Estado e financiado pelo BNDES, deve ser apresentado no próximo ano trazendo os melhores modelos de transporte e de gestão de um sistema que deverá levar em consideração o conurbado urbano da Grande Florianópolis, abrangendo municípios vizinhos como Palhoça, São José e Biguaçu. “Tem que se fortalecer a questão institucional. O corpo técnico que pensa a mobilidade está debilitado. Atualmente, são as empresas que pensam o que pode e o que não pode ser feito em questão de transporte, e não os gestores. Só que essas empresas têm um foco: o lucro. O erro mais grave foi investir nesta licitação do transporte em Florianópolis”, disparou o professor Werner Kraus Júnior.
Mudança de comportamento
Só no ano passado, a Guarda Municipal aplicou mais de 10 mil autuações na região central de Florianópolis. Não são raros os casos de caminhões estacionados sobre ciclofaixas, carros em calçadões e motoristas que se valem das vagas centrais para deixar um carro o dia todo parado numa via principal. “Para o motorista com CNH trabalhamos com a fiscalização, multa, mas existe uma grande chance de mudanças por meio da educação dos mais novos”, explicou Jean Carlos Viana Cardoso, comandante da Guarda Municipal.
Para os especialistas, ao longo dos anos a pirâmide da mobilidade se inverteu. Com o crescimento das cidades, os cidadãos passaram a se deslocar ainda mais para suas tarefas, necessitando obrigatoriamente de transporte. Nessa lógica, por muito tempo pedestres e ciclistas deixaram de ser prioridades frente à força da indústria automobilística, que se impôs.
Daniel de Araújo, vice-presidente da ViaCiclo, diz que “andar de bicicleta não é perigoso, perigoso é como se permite dirigir carros na cidade hoje”. Uma pesquisa da ViaCiclo aponta que 74% das pessoas gostariam de usar bicicleta para se locomover por Florianópolis. “Precisamos investir em mudança de comportamento. No Japão, as crianças têm aula de trânsito nas escolas”, completou.
Para o ciclista, é preciso diminuir o número de vagas para carros no centro da cidade e transformar as ruas comerciais em shoppings ao ar livre. Silvia Lenzi, representante do CAU-SC (Conselho de Arquitetura e Urbanismo), é preciso oferecer condições seguras ao cidadão para ele utilizar transportes alternativos.
O QUE DISSERAM OS DEBATEDORES
Dalmo Vieira Filho
“Temos uma série de pólos. Uma das apostas é a criação das centralidades setoriais e locais, com centros de saúde, educação, comércio e setor bancário, esses grandes motivadores de deslocamentos precisam ser cada vez mais centralizados. O BRT pode ser implantado facilmente nos Ingleses, aonde pretendemos frear a densidade populacional. Mas é preciso entender que o BRT não seria a solução definitiva, ele precisaria operar em um sistema misto”.
Daniel de Araújo
“Dirigir não é um direito, é uma concessão que é dada aos motoristas. Pensar em fazer quarta ponte é como tratar obesidade afrouxando o cinto. De imediato, precisamos melhorar a sinalização, criar mais ciclofaixas e ciclovias, diminuir a velocidade média nas ruas da cidade e aplicar punição exemplar”.
Jean Carlos Viana Cardoso
“Temos que mudar a cultura. O motorista não pode mais pensar só em si, precisa pensar na cidade, na mobilidade. Temos discutido sobre isso semanalmente e o problema da mobilidade passa sim pela fiscalização”.
Roberto de Oliveira
“Primeiro de tudo é preciso saber se gerenciar a crise, e não ser gerenciado por ela. Um caminhão não pode ficar uma hora parado sobre a ponte porque faltou gasolina. O Estado precisa se fazer presente e estipular metas. A criação de um instituto de pesquisas em âmbito metropolitano pode trazer soluções para a área conurbada, pois não é apenas Florianópolis, mas todos os municípios da região que sofrem com a questão da mobilidade”.
Silvia Lenzi
“A população já está preparada para andar de ônibus ou bicicleta, o que tem é que oferecer condições seguras para que o cidadão se sinta confiante em usar um meio de transporte alternativo. As calçadas precisam ser mais acessíveis para os pedestres e o sistema como um todo precisa funcionar de maneira integrada. Para que isso fosse possível, poderíamos admitir que o governo subsidiasse esses modelos alternativos por um período, criando assim uma cultura”.
Valmir Piacentini
“É preciso integrar o sistema de transporte a outras modalidades, bicicleta e transporte marítimo, por exemplo. Mas não adianta o cidadão sair do Norte da Ilha e levar três horas para chegar ao Centro de barco, parando em todos os bairros. Tem que se otimizar o que cada modalidade tem a oferecer. Vejo a possibilidade do BRT e do VLP (veículo leve sobre pneus) interligado com outros sistemas, como acontece em países da Europa, por exemplo”.
Werner Kraus Júnior
“São muitas as propostas de melhoria, mas é preciso ficar atento a promessas fantasiosas. Algumas escolhas políticas podem não ser as mais eficientes. Tanto o teleférico como o transporte marítimo não seriam a solução para o problema. O teleférico prometido não teria capacidade para transportar mais que 1.500 pessoas por hora, o que hoje pode ser feito com seis ônibus, só porque existe um projeto de R$ 70 milhões, em que o governo precisa investir mais R$ 70 milhões. Estamos chovendo no molhado por R$ 140 milhões. Temos que ter uma visão metropolitana”.
(ND Online, 20/03/2014)
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