Construtora que tem pelo menos sete obras públicas em andamento sob concessão apresenta histórico de demoras e de contratos questionados por órgãos de controle de contas
O ultimato do governador Raimundo Colombo às empreiteiras responsáveis por restaurar a Ponte Hercílio Luz, nesta semana, vai além da ameaça de rompimento do contrato: revela bastidores que evidenciam problemas envolvendo a construtora líder do consórcio Florianópolis Monumento, a Espaço Aberto Ltda..
Levantamento feito pelo Diário Catarinense indica uma série de atrasos em obras comandadas pela mesma empresa. E o não cumprimento dos prazos, na maioria dos casos, estaria associado a aditivos financeiros que, segundo órgãos fiscalizadores das esferas estadual e federal, resultariam em prejuízos aos cofres públicos.
Há pelo menos sete obras em andamento pela Espaço Aberto em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Todas estão fora do prazo previsto no contrato original: em cinco delas houve notificações e advertências, sanções administrativas e multa. Entre as que mais preocupam, pelo caráter de urgência em função da Copa do Mundo, estão as obras de ampliação dos aeroportos Hercílio Luz, em Florianópolis, e Salgado Filho, em Porto Alegre. Ainda que o prazo final não tenha se esgotado, a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) já confirma atraso em ambas. No caso de Florianópolis, a estatal aplicou duas sanções, enquanto na Capital gaúcha já houve notificação com ameaça de multa à construtora.
A apuração do DC revela ainda um acúmulo de atrasos também em obras já concluídas. Pelo menos oito construções que tiveram a mesma empresa como vencedora da licitação não foram entregues na data prometida. Três dos casos chegaram a ser alvo de investigação na Controladoria-Geral da União (CGU) e nos tribunais de contas do Estado (TCE) e da União (TCU). O mais emblemático, que segue em discussão na Justiça sete anos após a inauguração, é o prédio dos Correios, em São José.
Tribunais de contas apontam prejuízos
Neste caso, atrasos e pedidos de aditivo ao contrato teriam gerado prejuízo aos cofres públicos, conforme mostrou a auditoria 121/2005 da CGU. A demora na entrega da obra gerou multas e estremeceu a relação entre contratante e contratada. Os Correios chegaram a determinar o fim do contrato, mas tiveram de renegociar o serviço após a empresa ingressar com ação judicial.
Uma nova tabela de custos foi elaborada, mas não teria levado em conta a atualização do Índice Nacional de Custo da Construção (INCC) – quando a CGU apontou indícios de sobrepreço de R$ 9,2 milhões nas obras (leia mais sobre o caso na página 6). O aumento levou o diretor-presidente da Espaço Aberto, Paulo Ney Almeida, a depor na CPI dos Correios em 2005, em Brasília.
Nas outras duas obras investigadas, o atraso também estaria associado a indícios de danos aos cofres públicos. Na conclusão do processo 015.163/2001, o TCU relata que durante as obras do Complexo Penitenciário de São Pedro de Alcântara foi determinada a devolução de R$ 1,9 milhão, “referente a valores pagos de forma irregular à construtora por meio de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato”.
Na construção do Hospital Infantil de Joinville, o TCE – como consta no processo 09/0055961 – aponta indício de prejuízo de R$ 201,7 mil aos cofres públicos, “gerado por um termo aditivo ao contrato”. Em outras oito obras teria ocorrido situação semelhante (veja ao lado). A apuração do DC constatou, a partir do Sistema Integrado de Controle de Obras Públicas (Sicop), um montante de R$ 24 milhões pagos somente em aditivos solicitados pela empresa para que os contratos originais fossem cumpridos até o fim.
O diretor-presidente da Espaço Aberto diz que todas as obras públicas são supervisionadas e que aditivos ao contrato são comuns em todas as obras (leia mais em entrevista na página 8).
(DC online, 02/03/2014)
Fiscais dos serviços se preocupam com o ritmo lento
Além de investigada por prolongar os prazos e solicitar aditivos financeiros para que os contratos sejam cumpridos até o fim, a Espaço Aberto é criticada por engenheiros fiscais pela postura frente aos compromissos que assume. As obras de acesso ao sul da Ilha e ao novo Aeroporto Hercílio Luz estariam paradas desde novembro por uma decisão da empresa, segundo o Departamento Estadual de Infraestrutura (Deinfra).
Há três meses, a construtora teria retirado o corpo técnico do canteiro de obras sem o consentimento do Estado. A empresa é responsável por dois dos cinco lotes da obra – que corresponde a toda a extensão da rodovia.
Preocupado com os atrasos, o engenheiro do Deinfra nomeado para fiscalizar a obra, Cléo Quaresma, enviou comunicado à presidência do órgão alertando sobre a construtora. Desde então, o governo estaria estudando formas de rescindir o contrato. Na mesma época, Quaresma desistiu de fiscalizar outra obra da mesma empresa devido a atraso – a duplicação da SC-403, no acesso a Ingleses.
– No sul da Ilha houve percalços, como a discussão da mudança de traçado, mas nada que justifique a paralisação. Tem muito a fazer para adiantar o serviço: bueiros, galerias e aterros, por exemplo. Quando começa uma obra, a empresa fica sujeita à qualquer modificação no projeto, isto está escrito no edital – diz Quaresma.
Indicado pela Secretaria de Infraestrutura para assumir a fiscalização da duplicação do acesso a Ingleses, o engenheiro Ivan Amaral em menos de três meses já critica os atrasos. Pelo cronograma, a obra deveria estar 30% finalizada, mas de setembro, quando iniciou, até agora apenas 3% foram concluídos. Em termos de engenharia, significa que dos cinco meses de serviço em apenas um o trabalho andou no ritmo previsto.
– A empresa não tem planejamento para tocar uma obra assim – observa.
Ameaças do governador se repetem desde 2011
As ameaças de rompimento do contrato da ponte se arrastam pelo menos desde 2011, quando o governador Raimundo Colombo reclamou publicamente do consórcio liderado pela Espaço Aberto.
“O problema da restauração… é o excesso de aditivos. A empresa pediu mais uma adição no contrato e não vamos conceder. Se ela declarar sem condições de tocar a obra, nós cancelamos e fazemos um novo (contrato)… Não tem nenhum pagamento atrasado, estão querendo empurrar mais aditivos… Não vamos entrar nesse jogo covarde”, dizia o governador.
Mas os atrasos continuaram se repetindo. Instalada no Centro de Florianópolis há mais de 30 anos, a Espaço Aberto responde pela restauração da ponte desde 2008. No primeiro cronograma de entrega, a inauguração estava prevista para 2010. Em 2011, os atrasos motivaram audiência pública sobre as obras e a data foi alterada para o ano seguinte. Passou para 2013 e agora a nova promessa é para dezembro. Mas com apenas 30% dos trabalhos finalizados, o presidente do Deinfra, Paulo Meller, duvida do cumprimento do prazo.
O valor das obras que havia sido fixado no contrato com o Consórcio Florianópolis Monumento era de R$ 154,9 milhões, um aditivo de R$ 8,5 milhões foi incluído nos custos.
(DC online, 02/03/2014)
Correios e construtora brigam na Justiça
Quando o contrato foi assinado com a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, em 2001, a previsão era de que as obras fossem concluídas em 360 dias. Mas a Espaço Aberto, a mesma construtora que está restaurando a Ponte Hercílio Luz, levou seis anos até entregar a construção do Centro Operacional e Administrativo, onde é feita a triagem de quase toda a correspondência que chega ou sai de Santa Catarina. A estatal acabou aplicando multas que somadas chegam a R$ 8,4 milhões em função de atrasos e rescindiu contrato com a construtora – o que ainda se discute na Justiça.
O caso virou alvo de investigações no Tribunal de Contas (TCU) e na Controladoria-Geral da União (CGU), que apontaram suposto prejuízo de R$ 9,2 milhões aos cofres públicos. Isto em função de sobrepreço gerado a partir de uma renegociação do contrato, três anos após a construtora vencer o processo de licitação – e quando as obras já deveriam estar prontas.
Contratada por R$ 21,2 milhões, a obra teve quatro aditivos solicitados pela Espaço Aberto no primeiro ano dos trabalhos, o que teria prolongado e encarecido o serviço. Na época, a construtora argumentou problemas técnicos que não haviam sido constatados durante a elaboração do projeto e por isso exigia custos adicionais. O atraso motivou a primeira tentativa de rescisão de contrato, que acabou em negociação judicial: a Espaço Aberto se comprometia em pagar as multas, mas a tabela de custos teria de ser atualizada.
A negociação ocorreu em 2004, quando faltavam cerca de 50% para conclusão da obra, e o novo aditamento foi de R$ 22,8 milhões – valor superior ao previsto no contrato original para custear todo o serviço.
Segundo a CGU, é na elaboração desta nova tabela de preços que se constata suposto prejuízo aos cofres públicos. Isto porque os valores renegociados estariam em desacordo com o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC). Alguns itens da tabela, como o serviço de paisagismo, apresentavam aumento de quase 4.000% – enquanto a tabela atualizada pelo INCC apontava menos de 130% de inflação no mesmo período e pelo mesmo serviço prestado.
Na época, o diretor-presidente da Espaço Aberto, Paulo Ney Almeida, foi convocado a depor sobre o caso na CPI dos Correios. Em Brasília, Almeida contestou os relatórios que apontavam irregularidades na tabela de preços. Ele disse que o acordo que resultou no aumento de custos se deu após cinco meses de negociação e que a atualização dos valores foi feita de acordo com o preço de mercado, mantendo inclusive desconto de 11,69% que havia sido dado pela empresa na época da licitação.
CGU alerta para modo de atuação
Nas considerações finais da auditoria, a CGU alerta que a atualização da tabela de preços, da maneira como foi feita, “estaria abrindo precedente para que empresas adotassem o mesmo procedimento, que é o de reduzir a margem de lucro para ganhar o processo de licitação, protelar a execução do contrato provocando a rescisão pela contratante e depois contestar judicialmente a decisão, tendo assim a margem de lucro recuperada”.
A obra foi concluída em 2007, em meio a aplicação de multas e uma nova determinação dos Correios para rescindir o contrato. Segundo a superintendência da estatal em SC, o prédio foi ocupado sem que todos os itens do contrato estivessem cumpridos. A partir de então a discussão entre Correios e construtora se desenrola na Justiça.
Duas ações foram movidas pelos Correios: uma cobrando multas em função dos atrasos, no valor de R$ 8,4 milhões, e a segunda pedindo o pagamento de R$ 2,5 milhões referentes a impostos – ambas foram consideradas procedentes pela Justiça, mas a construtora recorreu.
A Espaço Aberto, por sua vez, ingressou com sete processos judiciais. Três deles foram arquivados. Os demais continuam em julgamento – eles pedem a anulação das multas e da rescisão e cobram R$ 1,5 milhão em serviços que teriam sido executados, mas que não teriam sido pagos, e solicitando um atestado de reconhecimento da obra.
(DC online, 02/02/2014)
“Nunca deixei de entregar uma obra”
Afirma PAULO NEY ALMEIDA, PRESIDENTE DA ESPAÇO ABERTO LTDA.
Diretor-presidente da Espaço Aberto Ltda, o empresário reconhece o atraso nas obras da Ponte Hercílio Luz, mas garante que os carros vão poder trafegar pelo local até dezembro. Nesta entrevista, concedida na tarde de quarta-feira, Paulo Ney Almeida falou sobre os frequentes atrasos em obras assumidas pela construtora e a polêmica envolvendo o alto número de aditivos nos contratos. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Diário Catarinense – Por que as obras da ponte estão atrasadas?
Paulo Ney Almeida – Não estão atrasadas. Houve alterações na execução do projeto devido à complexidade da obra. A Hercílio Luz é uma coisa viva, tem que fazer estudos constantes para saber quais as condições da estrutura. Gente do Brasil inteiro e até do Exterior analisaram a obra. Com esses estudos alteramos a maneira como vamos sustentar a ponte.
DC – As obras não estão atrasadas?
Almeida – Estamos um pouco (atrasados) porque mudamos a maneira de montar, por uma questão de segurança.Vamos apresentar dia 5 um cronograma ao governador e mostrar como vamos entregar a obra no final do ano. O importante é garantir que a ponte possa ser usada. Vai passar carro até dezembro. Depois vamos pintar, desmontar aquela armação debaixo, o que pode levar um pouco mais de tempo, uns três meses.
DC – O dinheiro para as obras continua sendo liberado?
Almeida – Está sendo tudo pago, está tudo certo, tem dinheiro.
DC – Houve aditivo na obra?
Almeida – Como trocamos a metodologia de trabalho, foi feito um aditivo, coisa normal em qualquer obra. Aditivo é feito quando se precisa realizar novos serviços. Não é para ganhar dinheiro. A ponte tem mais coisa enferrujada do que achavam.
DC – A Espaço Aberto está com grandes obras públicas em andamento no momento em Florianópolis e Porto Alegre. Todas, segundo os cronogramas, fora do prazo. Qual é o problema?
Almeida – Tem que analisar obra a obra. O que posso te dizer é que eu tenho 32 anos de empresa, fazendo as maiores obras no Sul do Brasil, todas entregues. Nunca deixei de entregar uma obra. E ainda é pouco. Você esqueceu de dizer aí que eu tenho um dos maiores reflorestamentos de Santa Catarina. Nem 50% das nossas obras são públicas. O resto é privado. Ninguém dura 32 anos no mercado se não tiver competência para fazer. Nunca tivemos um contrato rescindido.
DC – Mas e os atrasos?
Almeida – Cada obra tem seu prazo. Se a obra aumentou, se atrasou.Depende de cada obra. Tens de ir em cada lugar e perguntar: atrasou por quê? Se eu atrasar uma obra sem razão não tenho porque continuar na obra, vão me tirar dali. Muitas vezes atraso a obra porque não faço o projeto, só pego e executo o que me dão. Atrasar uma obra me dá prejuízo. Quanto antes eu fizer, mais dinheiro ganho. Essa rótula de Ingleses, por exemplo, estou com um monte de tratores lá, vou entregar no final do ano. Prometi e vou fazer.
DC – Mas é normal haver atraso?
Almeida – Vou dizer uma coisa: não considero atraso quando se entrega uma obra, as pessoas recebem e te dão o atestado de qualidade, de obra perfeita. Em todas as obras que entreguei tenho atestado de qualidade e capacidade técnica. Não tem atraso em obra nenhuma. Até porque isso vira uma questão jurídica.
DC – Há na Justiça ações dos Correios contra a Espaço Aberto alegando que a obra de São José “está em andamento até hoje”. O que houve?
Almeida – Tanto foi entregue que quem inaugurou foi o presidente Lula. E eles estão usando. A obra está sendo usada 100%. Acho até que eles me devem (dinheiro). É a Justiça que resolve essas coisas.
DC – Auditorias do Tribunal de Contas da União observam o número considerável de aditivos pedidos pela Espaço Aberto na conclusão de várias obras. A sede do Tribunal de Contas, inclusive, foi construída pela Espaço Aberto. É comum esse número de aditivos?
Almeida – É tão comum que onde houve o maior número de aditivos foi no prédio do Tribunal de Contas. Pergunta pra eles por que. Eles acham, porque são da lei, que se trocar uma coisinha tem que fazer um aditivo. Eu não fiz um banheiro, então faço um aditivo para tirar esse banheiro dali. Eu fiz dois (banheiros), faço outro aditivo pra colocar. Tira. Bota…
DC – Isso não seria estratégia para vencer a licitação, jogar o valor da obra para baixo e depois readequá-lo?
Almeida – Não, não concordo. Se você tiver um preço muito ruim, tu não faz a obra dentro dos critérios. E, se os órgãos (te) dão (a obra) é porque a empresa tem capacidade. Toda a obra pública é supervisionada. Não tem nada de superfaturamento, não tem nada de obra ruim. É até desconfortável, fico um pouco chateado. Você me pergunta: você atrasa, você faz isso, faz aquilo… Pô, se alguém disser “você cobrou cinco vezes mais caro” daí é outra história. Mas você não me fez nenhuma pergunta dessas porque não tem esse tipo de coisa. É isso… vou parar de falar, pois já falei muito.
DC – Essas notícias de atrasos prejudicam a Espaço Aberto na disputa de licitações?
Almeida – Para efeito de disputa de concorrência não prejudica em nada, mas é claro que a gente não gosta. Você acha legal alguém falar do seu trabalho, dizer que você fez um negócio mal feito. Eu não gosto.
DC – Mas são pontos que os auditores questionam…
Almeida – Não sou eu que faço, quem faz (o aditivo) é o governo, o auditor. Isso aí, me desculpa, não existe, é balela.
DC – Mas então por que o senhor acredita que há tantos questionamentos sobre atrasos e aditivos? É coisa da concorrência?
Almeida – O que eu sei é que temos 32 anos de história e vamos crescer ainda mais. Somos uma empresa familiar, vou deixar tudo para o meu filho e daqui 30 e poucos anos quero que o meu filho esteja aqui, respondendo um monte de perguntas. É o meu legado.
(DC online, 02/03/2014)
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